Dunga - Não tem como me controlar. Saio de um jogo, de
uma guerra, sabendo da expectativa de 180 milhões de pessoas. Já vi muito
cara falar que eu tenho de sorrir. Claro, dentro de casa, tomando vinho
sentado, eu também pensaria a mesma coisa! Me cobro, às vezes, para deixar
para lá e não responder a certas perguntas. Mas aí eu não iria ser feliz.
ISTOÉ - De um a dez, qual a
chance do Brasil na Copa da África do Sul em 2010?
Dunga - O Brasil sempre será um dos favoritos. Para
termos sucesso, nosso trabalho será dar privacidade para a Seleção
treinar. O treino é a hora de fazer ajustes, de arriscar, de o jogador
colocar em prática sua criatividade. Se tiver três mil pessoas gritando em
volta (como ocorreu em Weggis, cidade suíça onde o Brasil fez a preparação
para a Copa de 2006), a equipe acaba perdendo a concentração. Na Copa das
Confederações (vencida pelo Brasil neste ano, na África do Sul), a gente
liberou um treino. Aí, falaram: "Weggis voltou." Trancamos o treino
seguinte e chiaram. Qualquer decisão que você toma na Seleção será
contestada em 50%.
ISTOÉ - O ex jogador e
atual comentarista Falcão, que já dirigiu a Seleção Brasileira, fez
críticas ao seu trabalho. O que o sr. pensa sobre isso?
Dunga - Não tenho nenhuma mágoa do Falcão. O professor
(Paulo) Paixão (preparador físico da Seleção) diz:
"Quando te dão a chave da casa, tu és quem
entras e sabes o que tens de arrumar." Cada um teve a sua oportunidade na
vida e tem de saber aproveitá-la. O que não posso é, quando sair daqui,
ficar criticando os outros que estão entrando se, quando eu estive aqui,
eu não fiz! Digo para os jogadores aproveitarem os 5, 10, 40 minutos que
jogarem, porque depois que passar a chance, não adianta falarem que eram
melhores que fulano.
ISTOÉ - Como montou a
Seleção do Dunga e não a da Globo, do Kaká, do Lula ou do Ricardo
Teixeira?
Dunga - Eu montei a Seleção Brasileira. Busquei jogadores
competitivos e com qualidade técnica. Montamos uma base, com jogadores com
experiência, e, aos poucos, com a espinha dorsal pronta, fomos dando
oportunidade para todos jogarem.
ISTOÉ - O sr. e o
Jorginho, seu auxiliar, têm uma empatia grande. Temos uma Seleção com dois
técnicos?
Dunga - Não. É um técnico só. É uma comissão técnica
formada por uma cabeça, que sou eu, com membros que me orientam.
ISTOÉ - O presidente da
CBF, Ricardo Teixeira, reclamou de jogadores que bebiam e estavam fora do
peso em 2006. Há regalias, hoje, na Seleção?
Dunga - Comigo as coisas são bem mais simples. A Seleção
é mais importante do que todos. Se alguém quer alguma vantagem, respeito,
ascensão sobre o grupo, tem de conquistar dentro do campo. Não dou nada a
ninguém, não é treinador que dá vantagem ou reconhecimento ao jogador.
Aqui é regra básica: todo mundo se apresenta no mesmo dia, dorme e acorda
no mesmo horário.
Não existe o famoso jeitinho, o levar
vantagem em tudo. Um jogador já me falou: "Bom, se vai ser igual para todo
mundo, que bom."
ISTOÉ - Antes de o sr.
assumir, a Seleção vivia uma Globodependência, uma vez que a emissora
carioca tinha acesso ao time a qualquer hora?
Dunga - Acho que não. Sabe quando tu tens um sapato velho
e, mesmo que ele te machuque, tu entortas o pé, mas ficas nele? Só que aí
chega um cara e muda tudo. Quer dizer, não mudei nada. Fiz as coisas
voltarem a ser como deveriam ser. Eu respeito qualquer profissional.
Claro, tenho simpatia por um e por outro, mas não sou um cara de sair
jantando com os caras (jornalistas). Posso até fazer, mas jamais por
interesse. Só que muitos acham que treinador da Seleção tem de atender
todo mundo, ser sempre simpático. Não sou agente de turismo!
ISTOÉ - Como funciona
hoje?
Dunga - Entrevista de jogador é antes do treino.
Treinador fala na coletiva. E acabou! Aí dizem que não deixo a turma
trabalhar. Eu deixo, mas agora tem seu horário. Alguns caras perderam
privilégios ou quiseram me testar, já que eu era novo lá. E venderam a
imagem de que eu era um cara chato, mal-humorado. Aí veio a história da
minha roupa, do meu jeito de falar... Só que é o seguinte: eu gosto de
ordem!
ISTOÉ - O sr. se veste
bem?
Dunga - Me visto normal. Só vesti uma camisa mais
extravagante. Ficaram em cima desse episódio e minha filha (estilista, que
comprava as roupas para o pai) virou teimosa, isso, aquilo. Não gosto de
usar gravata em jogo, porque fico muito agitado. Prefiro calça e camisa
confortáveis, que não atrapalhem a movimentação. Não gosto de agasalho. Se
ele não for feito na medida, fica grandão, e me sinto dentro de um saco de
batata.
ISTOÉ - Importa para o sr.
o que o jogador faz fora do campo?
Dunga - Dentro da Seleção, se o cara cometer um erro, tem
de me falar, não quero saber por terceiros. Agora, não tenho como ficar
controlando na casa, no clube dele. Falo com os atletas por telefone, eles
me ligam até para assuntos pessoais. Felizmente, não tivemos problema com
nenhum. Mas no Brasil queremos que o jogador seja exemplo para tudo: tem
de ser inteligente, o melhor na escola, falar português corretamente. Só
que nós viemos de uma classe menos favorecida e não tivemos tempo de
estudar. Não estou dizendo que esteja certo o jogador que faz besteiras.
Mas eu me pergunto: e os outros?
Temos de desmistificar algumas coisas, como
o fato de um jogador comprar um carro quando ganha algum dinheiro. Fazer
isso é uma ascensão social, como é para o médico e o arquiteto.
ISTOÉ - O Kaká foi
enquadrado pelo sr. quanto ao lugar dele na Seleção. Acredita que, hoje,
ele pediria dispensa de um torneio, como fez na Copa América, em 2007?
Dunga - Tu vês algum jogador pedir dispensa agora? Eu
esperava contar com o Kaká naquela que foi a primeira competição oficial
nossa, mas tudo é questão de as pessoas irem te conhecendo. Nós fomos
conversando com o Kaká e explicamos que não é apenas uma questão técnica,
de ele jogar ou deixar de jogar. É a imagem dele, o quanto ele é
importante para os jogadores menos experientes. Ele é uma pessoa
inteligente e foi tranquilo.
Com conversa todo mundo começa, não digo a
pensar da mesma forma, mas a ter o mesmo objetivo.
ISTOÉ - O Ronaldinho
Gaúcho foi convocado para a Olimpíada em rede nacional pelo Ricardo
Teixeira, presidente da Confederação Brasileira de Futebol (CBF).
Presidente pode convocar jogador?
Dunga - O presidente já tinha falado com a gente antes.
Tínhamos nos reunido e traçado a preparação da Seleção olímpica. O
presidente me perguntou se ainda pensava no Ronaldinho na Seleção
principal. E eu falei que sim. Ninguém tirou o chapéu de ninguém.
ISTOÉ - Pensa ainda no
Ronaldinho?
Dunga - Lógico, ele é um jogador diferenciado. Depende
dele. Quero contar com os melhores. Mas nossa Seleção deixou de ser apenas
uma questão exclusivamente técnica. É uma questão de competitividade e
comprometimento.
ISTOÉ - O presidente Lula
presenteou o presidente dos EUA, Barack Obama, com a camisa do Brasil. Na
mesma época, porém, ele elogiou a seleção da Argentina. Como se sentiu?
Dunga - Cada um tem a liberdade de torcer para o time que
quiser. Lógico, pensávamos que o presidente iria nos apoiar no momento em
que não estávamos tão bem. Mas eu não posso querer que o presidente pense
como o Dunga. Uma minoria tem espaço para falar na mídia, mas, com
certeza, há quatro vezes mais pessoas que torcem por nós e não têm espaço
para falar. Falo para o time: "Não adianta ficar chorando, pedindo ajuda.
Temos que resolver nossos problemas, jogar para quem gosta da gente, para
os nossos familiares." Eu sou bicho do mato. Quando sou ferido, vou para o
mato lamber minha ferida para voltar para a guerra de novo. O meu mato é
minha casa, são os meus amigos.
ISTOÉ - O sr. consegue
reproduzir o momento em que foi procurado para ser técnico da Seleção?
Dunga - Eu estava com a minha família em um restaurante japonês.
O presidente Ricardo Teixeira me ligou e convidou para conversarmos sobre
futebol. Brinquei com meus filhos: "Ó, vou ser treinador da Seleção
Brasileira." Mas na hora pensei que seria chamado para algum outro cargo.
ISTOÉ - Como se define
como pai (ele tem três filhos, Gabriela, 23 anos, Bruno, 21 e Mateus, 2)?
Dunga - Sou ciumento, possessivo, cabeça dura. Acho que é
a parte alemã, italiana. Tenho um monte de defeitos. E não aceito "não"
como resposta. Se alguém me falar que não dá para fazer tal coisa, ah, eu
me mato, fico sem comer, sem dormir, até conseguir. Eu sou boa gente, mas
não pisem no meu calo.
ISTOÉ - Ao final da Copa,
o sr. seguirá no cargo?
Dunga - Ser técnico da Seleção é muito legal, estou muito
feliz. Me enche de orgulho e satisfação saber das nossas conquistas. Se
você tivesse me perguntado lá no início se aconteceria tudo isso, eu
diria: "Menos, menos." Surpresa não é a palavra, porque tudo só acontece
em decorrência do trabalho. E o nosso trabalho é bom. Mas pretendo sair
(da Seleção) e dar oportunidade para outra pessoa.
Fonte:
Rodrigo Cardoso - www.terra.com.br/istoe/edicoes/2087