Diretora pedagógica da Escola
Mato-grossense de Arbitragem de Futebol – Emaf, a professora de
Educação Física Elizângela Almeida, especializada como Técnica de
Futebol de Campo, deixou de lado uma carreira promissora como
árbitro para se dedicar exclusivamente à formação de juízes de
futebol em Mato Grosso. São quase oito anos executando esse trabalho
que pelas peculiaridades da função de quem exerce a atividade, é
muito mais difícil do que imagina o torcedor que vai aos estádios ou
simples campos varzeanos mais preocupado em xingar a mãe do juiz do
que com o futebol.
Desde 1999 no quadro de
árbitros nacional da CBF, Elizângela foi a primeira mulher no Brasil
a atuar, em 2001, como árbitro assistente em um campeonato de 1ª
divisão. Além de jogos do campeonato mato-grossense, atuou também no
Campeonato Brasileiro das Séries B e C, Copa do Brasil, campeonato
brasileiro feminino e outros. Desde 2014 ela vem se preparando para
um possível retorno aos gramados. Muitas mulheres que tentam se
tornar árbitros de futebol, acabam desistindo quando descobrem que
nessa atividade não é fácil ganhar fama, virar estrela, posar para
revistas... – afirma Elizângela em entrevista ao 'Olho no Esporte'.
OE: Quantos candidatos a juiz de
futebol já passaram pela Escola Mato-grossense de Arbitragem de
Futebol “Ismar Gomes da Silva” nos seus oito anos de existência?
Antes da criação dessa escola especializada na formação de juízes de
futebol, como o Departamento de Árbitros da Federação Mato-grossense
de Futebol escolhia os trios de arbitragem para apitar jogos dos
campeonatos oficiais da entidade, incluindo os grandes clássicos
entre Dom Bosco, Mixto e Operário?
Elizângela: A Emaf possui duas
modalidades de curso: Curso de Qualificação Técnica com 20 horas ou
40 horas (com o intuito de aprimorar árbitros de ligas esportivas
para quadros de árbitros amadores de todo o estado) e Curso de
Formação (requisito básico para fazer parte do quadro de árbitros da
FMF com estrutura curricular padronizado nacionalmente). Diante
dessas modalidades, a Emaf formou desde sua fundação em 2008 mais de
500 árbitros no Curso de Qualificação em todo o estado e em torno de
80 árbitros no Curso de Formação. Mesmo com esta demanda nem todos
os formados se dedicam à arbitragem. Antes da criação da escola, o
atual instrutor da mesma e também diretor geral Ismar Gomes, já
ministrava curso desde 1982 e hoje todos os árbitros da FMF foram
formados por ele.
OE: Para se candidatar a ser
juiz de futebol o interessado passa antes por uma avaliação para se
identificar se tem realmente tendência para exercer essa difícil
profissão ou geralmente são pessoas que já têm experiência na
atividade?
Elizângela: Todos que tiverem
interesse em aprender sobre regras de jogo serão bem-vindos no curso
de formação, no entanto para fazer parte do quadro de árbitros
depois de ter concluído o curso, o candidato precisa preencher os
requisitos básicos que são relacionados a idade (mínimo de 18 anos e
máximo de 45 anos) e escolaridade (para quadro estadual, 2º grau
completo e quadro nacional, 3º grau completo); é necessário também
ser aprovado em avaliação teórica e física.
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Durante 5º Encontro de Escolas de Arbitragem — em
Manaus. |
OE:
Quais juízes que passaram pela Emaf e conseguiram
projeção em nível estadual, nacional e até internacional?
Elizângela: Hoje a FMF possui em
torno de 40 árbitros em seu quadro local e destes, dez fazem parte
da Relação Nacional de Árbitros de Futebol (CBF). Entre esses dez
estão Silvio André Lima (árbitro), Joadir Leite Pimenta (árbitro
assistente) e Marcelo Grando (árbitro assistente) que foram alunos
da Emaf.
OE: Além de Wagner Reway, que
ocupa a honrosa 20ª posição no ranking da Relação Nacional de
Árbitros de Futebol – Renaf, de aspirantes da Fifa, existem outros
juízes de Mato Grosso na lista de 600 candidatos a árbitro
internacional da entidade máster do futebol mundial?
Elizângela: Apenas dois árbitros
em Mato Grosso conseguiram alcançar a honrosa posição de aspirante a
Fifa: atualmente Wagner Reway e nas décadas de 80/90, Joelmes Jesus
da Costa.
OE: Quantos profissionais e
quais suas respectivas especialidades são recrutados para ministrar
os cursos anuais da Emaf?
Elizângela: O Curso de Formação
da Emaf segue uma estrutura curricular padronizada nacionalmente.
Com isso é obrigatório que possua disciplinas como Nutrição,
Primeiros Socorros, Legislação, Inglês, Espanhol, Português,
Preparação Física, Psicologia e disciplinas voltadas diretamente
para a preparação teórica e prática do árbitro de futebol. Todas as
disciplinas são ministradas por especialistas na área.
OE: Há casos de pretendentes a
se tornarem juiz de futebol que desistem da carreira durante o
curso? Por que? O curso é muito puxado? Descobrem que não têm
tendência para a profissão?
Elizângela: Geralmente a
primeira pergunta feita pelo candidato é em quanto tempo ele será um
árbitro Fifa. A maioria acredita que qualquer um pode pegar o apito
e sair comandando jogos, mas ser árbitro de futebol exige muito mais
e durante o curso muitos desistem depois de aprender que não é só
chegar no estádio, apitar ou bandeirar e tchau!. No curso, ele
aprende que é preciso chegar ao estádio com algumas horas de
antecedência para cumprir as tarefas burocráticas e após a partida o
árbitro deverá redigir um relatório sobre o jogo. É um trabalho com
datas e horários irregulares, ou seja, é necessário ter
disponibilidade, uma agenda flexível e contar com treinamento físico
e técnico diário para alcançar um bom desempenho. Depois de conhecer
a realidade por trás do espetáculo só permanecem aqueles que
realmente querem levar a sério a atividade e que possuem muita garra
para se dedicar a arbitragem.
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OE:
O que leva uma pessoa a decidir ser juiz
de futebol se ela sabe que vai ser “xingada” o tempo todo,
principalmente por diretores de clubes e torcedores, com ofensas à
sua mãe?
Elizângela: Mesmo xingados,
hostilizados por todos os amantes do esporte, existe cada vez mais
pessoas se preparando para serem árbitros. Somente quem é ou já foi
sabe o quanto é difícil deixar a arbitragem, muitos continuam
desenvolvendo trabalhos ligados a atividade mesmo depois de deixar
as quatro linhas. No final das contas só é árbitro de futebol quem
realmente ama o que faz ou aquele que acaba se apaixonando pela
função no decorrer de sua trajetória.
OE: Quais são os requisitos
básicos para uma pessoa virar juiz profissional de futebol? Ou essa
atividade ainda não é reconhecida como profissão?
Elizângela: Hoje a arbitragem de
futebol no Brasil por lei é reconhecida como uma profissão, mas
infelizmente na prática não é tão fácil e financeiramente seria
inviável para nossa federação e para o árbitro se tornar
assalariado. Acredito que a renda alcançada pelo árbitro daqui seria
bem menor, diferente dos grandes centros que possuem equipes
milionárias e federações com grande poder aquisitivo. Levando-se em
consideração que quanto maior a federação maior o seu quadro de
árbitros, o valor a ser pago a um árbitro ou ao quadro de árbitros
profissionais (com carteira assinada) seria descomunal, o que nos
leva a crer que a arbitragem de futebol como profissão vai estar
fora da realidade brasileira ainda por muitos anos.
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Durante Copa Mato Grosso Sub-17 2012 - com Wilson Baé
Pinheiro Medrado e Luciano Conceição Moreira |
OE:
Em Mato Grosso já existem árbitros que vivem
exclusivamente do futebol ou apitar, mesmo com todos os riscos que
ainda correm, é apenas um “bico”?
Elizângela: Em Mato Grosso não
há nenhum árbitro que viva exclusivamente do futebol, pois existe
uma exigência em nível nacional que o mesmo comprove que possui um
emprego fora dos gramados, porque a CBF acredita que com isso é
assegurada uma arbitragem isenta de pressões pelo fato do juiz de
futebol não depender financeiramente da taxa paga pela função
exercida. Acredito que se a dedicação fosse exclusiva, o árbitro
teria maior tranqüilidade para cumprir bem o papel que lhe cabe de
dar uma maior qualidade aos espetáculos, pois para ele é necessário
treinamento específico, preparo físico e psicológico constante, além
de atualização e estudo. E isso demanda tempo.
OE: Que normas ou critérios as
federações estaduais de futebol, a CBF, a Conmebol seguem para fixar
o pagamento dos árbitros? Eles são pagos por jogos que apitam? Por
temporadas? Assinam contratos anuais, semestrais?
Elizângela: O pagamento dos
árbitros em Mato Grosso segue os mesmos critérios adotados pelas
competições realizadas pela CBF. Existe uma taxa fixada de acordo
com o grau de dificuldade da competição e além desta taxa são pagos
transporte e diária para os árbitros de fora da cidade-sede do jogo.
É importante lembrar que o pagamento da arbitragem é assegurado pelo
Estatuto do Torcedor no artigo 30: “É direito do torcedor que a
arbitragem das competições desportivas seja independente, imparcial,
previamente remunerada e isenta de pressões.”, e o parágrafo único
diz que “A remuneração do árbitro e de seus auxiliares será de
responsabilidade da entidade de administração do desporto ou da liga
organizadora do evento esportivo.” Apesar de existir este estatuto
os próprios torcedores desconhecem os direitos que possuem.
OE: Pelos riscos a que estão
sujeitos, os árbitros de futebol tem seguro de vida?
Elizângela: Sim e isso também é
assegurado pelo Estatuto do Torcedor no artigo 31: “A entidade
detentora do mando do jogo e seus dirigentes deverão convocar os
agentes públicos de segurança visando a garantia da integridade
física do árbitro e de seus auxiliares.” E o artigo 31-A reza: “É
dever das entidades de administração do desporto contratar seguro de
vida e acidentes pessoais, tendo como beneficiária a equipe de
arbitragem, quando exclusivamente no exercício dessa atividade.”
OE: Existe em Mato Grosso
mulheres que já ganham dinheiro como árbitro de futebol?
Elizângela: Mato Grosso já
possuiu tempos atrás um quadro feminino significativo. Estive a
frente dele até 2008 quando me afastei para fundar a escola de
arbitragem e a partir daí outras desistiram por muitos motivos, mas
a renovação se tornou difícil mesmo porque a maioria infelizmente
procurou a arbitragem, acreditando que se tornariam estrelas,
alcançariam sucesso, posariam para revistas, etc... e assim
prejudicando todo o trabalho que já havia sido feito e a
conseqüência de tudo isso foi a arbitragem feminina voltar a estaca
zero. Hoje estamos lutando para reerguê-lo através de três árbitras
assistentes que estão em fase de teste no campeonato sub-19 local.
Olho no
esporte MT