Acompanhe abaixo a entrevista na íntegra.
Fale sobre
sua carreira. Como chegou na arbitragem, quando realizou o curso, o
que marcou nesta época de escola, qual o principal conselho
recebido, qual o primeiro jogo no futebol profissional, quantos
jogos no futebol profissional, quantos clássicos atuou?
R:
Fui diplomado na Bahia, em curso com 01 ano de duração, em 1971. O
mais importante conselho recebido foi: "o próximo jogo deve ser
encarado como o primeiro e último. Quando não tiver mais entusiasmo
deixe o apito". Meu primeiro jogo de profissionais foi um amistoso
entre Bahia x Corinthians, como assistente e Vitória X Ipiranga,
como árbitro, este pelo campeonato baiano de 1973.
Arbitrei mais ou menos 850 jogos. Clássicos foram muitos. 03
finalissimas do Campeonato Nacional com assistente; 06 semifinais
como árbitro; duas finais da Serie B, antiga Taça de Prata; 01 final
e uma semifinal de Libertadores, como assistente e como árbitro e
muitos outros clássicos entre as principais equipes do Brasil.
O recorde é de BA X VI (um caldeirão), foram 31.
A importância da família, dos amigos e de ter ou não
jogado futebol para sua carreira.
R:
Sem família, sem apoio dos amigos e do meio social é impossível
alguém exercer bem qualquer atividade.
O fato de haver jogado futebol (infanto no Vasco em
1964/65) e de continuar batendo "pelada" até hoje, embora com o
joelho "bichado", ajudou muito a interpretar os lances; compreender
que o futebol é um esporte de contato e que nem todo choque é
faltoso. Ademais, perceber a "malandragem" dos jogadores.
Como era o aprimoramento na sua época e como é hoje?
R:
Dei muita Sorte. Logo no começo de minha carreira - 1973 - fiz um
curso com Ken Astor, ex-presidente da Comissão de Árbitros da FIFA,
o maior instrutor que conheci, ao lado de Aulio Nazareno. Depois, em
1975, fiz curso com José Maria Codesal, que também era ótimo
instrutor da FIFA. Com esses cursos formei toda minha base. A partir
daí fiz outros cursos promovidos pela CBD, atual CBF. A arbitragem
era muito valorizada e os dirigentes se preocupavam muito. Quanto
aos treinamentos atuais, hoje estamos no caminho certo, embora após
um longo jejum de 08 a 10 anos, porquanto havia a infeliz
concepção de que quem detém saber detém poder. Tudo recomeçou a
partir da recomendação Dr. Ricardo Teixeira no sentido de modernizar
a arbitragem. Edson Rezende deu o pontapé inicial a partir de 2005
e Sergio Correa deu continuidade a uma seqüência grande de cursos e
treinamento para todos os árbitros do Brasil, inclusive para
formação de instrutores e observadores. As orientações envolvem
as áreas técnica, física e mental, sem descuidar da área social - os
04 pilares da arbitragem. O resultado de tudo é que a cara da
arbitragem brasileira mudou. Hoje ela tem um perfil. Erros há, mas
isso faz parte da falibilidade humana e da dificuldade da profissão.
Não vamos parar por aqui. Sabemos que o único caminho e trabalhar,
treinar e treinar.
Por quê a parte física é tão exigida hoje. Quanto
corria um árbitro na década de 70 e nas demais?
R:
A velocidade com que o futebol é jogado hoje o exige. Mas os
árbitros responsáveis sempre tiveram bom condicionamento físico,
sobretudo para não cansar mentalmente, que é o maior problema.
Corria-se cerca de 6 a 7 Km. Hoje, até 12 KM.
É preferível ter um árbitro como o Gaciba, melhor do
Brasil várias vezes, com problemas físicos, ou corredores que não
apitam bem?
R:
Precisamos das duas qualidades. Bons árbitros e com boa condição
física. Se um árbitro sabidamente reprovado em teste físico deixar
de ver um lance porque não o acompanhou de perto, o dirigente que o
designou estará morto, porque terá agido sem responsabilidade. Mas o
problema não é a morte do dirigente, sim o prejuízo consciente dado
ao futebol. Inconcebível!
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O que acha da exigência da mulher fazer o tempo
masculino?
R: Correta. O
mundo clama por igualdade. Como posso exigir que um árbitro
corra 4 KM em determinado tempo, porque o futebol de homens o
exige, e minimizar a exigência para as mulheres. Essa seria
uma discriminação que as mulheres fortes não desejam. O
resultado seria o mesmo que a designação de um árbitro
despreparado.
A formação de árbitros nos dias atuais está
adequada?
R:
Não, muito aquém do ideal. A CBF recebe muitos árbitros sem
base, por isso tem que preparar alguns deles em muitos
pontos. Temos que mudar esse quadro. Por isso estamos fazendo
algumas |
exigências
para ingresso na RENAF e orientando as federações quando à
grade curricular adequada. A questão não se resolverá
facilmente, pois ademais há dificuldade de instrutores bem
qualificados para todo o Brasil. |
Existem instrutores para todos os estados?
R:
Já fizemos 02 cursos para formação de instrutores e observadores
estaduais e continuamos a orientá-los, mas muitos não têm domínio da
meteria, que é muito complexa. Só o tempo, o estudo continuado e a
troca de informações possibilita saber bem, sem saber tudo, todavia.
As regras de futebol são um caminho sem fim. A cada dia um fato
novo, uma nova visão.
Mesclar árbitros de um estado com outros ajuda a
melhorar a qualidade?
R:
Ajuda a dar unidade social e profissional ao grupo. Possibilita a
troca de informações acima referida. Vejo com bons olhos esse
sistema, mas para usá-lo ocasionalmente, pois os árbitros que
trabalham juntos têm mais facilidade para se entenderem. O trabalho
em equipe é fundamental.
Quais os caminhos para melhorar a arbitragem.
R:
Selecionar bem; formar bem; qualificar bem e continuar estudando
e treinando.
Na sua opinião qual o melhor instrutor de
árbitros da atualidade?
R:
Aqui no Brasil, temos alguns muito bons, embora com estilos
distintos mas que se completam: uns são mais diretos; outros buscam
o porquê das coisas; outros se preocupam com os aspectos plásticos,
que são importantes e fazem parte da função; outros com a
imediatidade das decisões; outros querem decisões mais pensadas.
Todos são necessários e ajudam a aperfeiçoar o árbitro natural, pois
o árbitro forjado, sem ter tendência só faz o óbvio e, portanto, não
enriquece o futebol. É como jogador de laboratório: não consegue
fazer a bola dar curva. Só faz gol fácil.
Qual o estado melhor forma seus árbitros?
R:
São Paulo, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul.
Se você fosse o responsável em mudar a regra do jogo,
o que mudaria?
R:
Ah, se eu pudesse! Primeiramente, colocaria a tecnologia para lances
de FATO, ou seja, que não exigem interpretação. Isso inicialmente,
pois lances de interpretação que ferem a ética e o senso de justiça
também deveriam entrar no contexto, tão-pronto a cultura do futebol
absorvesse a iniciativa. A agressão de um jogador holandês a um
espanhol, na final da Copa 2010, é uma espécie de lance que não pode
ficar a critério exclusivo da visão do árbitro. Tanto
pela dificuldade visual, como por ser possível o árbitro não ter
coragem e, até, estar comprometido. Tenho um projeto que está
sendo difundido, mas que já é do conhecimento de quem vivencia a
arbitragem. Ao contrário do que muitos pensam, o jogo no precisaria
ser paralisado para consultas e ganharia mais dinâmica. O mais
importante de tudo, todavia, é que os resultados das partidas têm
que ser sempre legítimos. Erram, e erram feio, os que dizem que o
futebol precisa de erro para ser vibrante. Se assim fosse os jogos
sem erro seriam sem graça! Isso nega a inteligência e natural
tendência do homem de evoluir, aperfeiçoar-se.
Ademais, daria uma redação mais clara, mais direta às regras, que,
hoje, além de exigirem um esforço intelectual extraordinário para
compreendê-la, contém muitos pontos contraditórios. Um deles é o
impedimento por ganhar vantagem, pois o lance que possibilita
marcação do impedimento destoa completamente da filosofia da regra:
a bola não chega ao jogador que estava em posição de impedimento em
razão de ação de um companheiro, muito menos no instante que este
toca na bola, o que fere de morte o principio da regra: momento do
passe e a bola vir de um companheiro.
Profissionalizar ou não a arbitragem?
R:
A arbitragem já é profissional, pois sem dedicação e
responsabilidade não dá. Se essa profissionalização, todavia, disser
respeito ao viver com o dinheiro de arbitragem, sou contra,
radicalmente contra, pois isso criaria dependência do árbitro. O
certo, porém, é que, ainda que se pretendesse, não haveria
recursos financeiros para tanto. Como a CBF poderia remunerar 450
árbitros; a FIFA mais de 2.000, as federações seus quadros que
oscilam entre 100 e 120 árbitros?
Melhor árbitro do passado e atual?
R:
Citar um só não é possível: Arnaldo Cezar Coelho, José Roberto
Wright, Armando Marques, Romualdo Arpi Filho e José Favile Neto,
independentemente da ordem. Minha função me impede de citar um da
atualidade. Temos ótimos árbitros, realmente muito bons, corajosos,
que é uma qualidade indispensável, e bem formados.
Melhor assistente do passado e atual?
R:
Do passado é difícil, pois éramos "bandeirinhas" e árbitros ao mesmo
tempo. Da atualidade, a mesma razão que me impediu de dar a resposta
relativa aos árbitros serve para os assistentes. O certo é que, por
igual, temos ótimos.