Crédito: Rodrigo Corsi/FPF |
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A ex-assistente e instrutora FIFA, Ana
Paula Oliveira, deu entrevista a Agencia Estado onde abordou vários
assuntos, entre eles a necessidade de revelar novos talentos, maior
presença feminina no apito, mais transparência no árbitro de vídeo
(VAR), assédio sexual e moral,
homossexuais e lésbicas.
Acompanhe abaixo a entrevista na
integra.
Publicado em 19/12/2019 - por Agência
Estado
Em entrevista ao Estado, concedida na
sede da entidade, a ex-assistente revelou como vai atuar como
substituta do antecessor, Dionísio Domingos, prometeu estabelecer
diálogo com os clubes paulistas e disse ter preocupação especial com
quem atua em campeonatos menores, como as terceira e quarta
divisões.
Como surgiu essa
oportunidade de chefiar a arbitragem?
Teve uma reunião há uns 20 dias e aí o
presidente (da FPF, Reinaldo Carneiro Bastos) me convidou para
assumir a comissão de arbitragem. Eu aceitei esse desafio.
Nota da
redação: Como este espaço já havia noticiado, Ana Paula
já estava integrada e vinha exercendo liderança a pelo menos 40 dias
na CEAF/SP antes do suposto convite.
Em um cargo com essa importância e
representatividade, você está quebrando tabus por ser mulher. Eu
sabia que poderia ter esse posto em outro país da América do Sul, em
função de atuar na FIFA e na Conmebol (Confederação Sul-Americana de
Futebol).
Um dia eu teria essa oportunidade aqui
em São Paulo, mas isso ainda era uma questão sobre como seria a
reação da sociedade.
A aceitação me surpreendeu muito
positivamente, principalmente por parte dos árbitros. Isso me dá
tranqüilidade para trabalhar, mas também a responsabilidade pela
expectativa.
Qual o maior desafio no cargo?
Nosso "calcanhar de Aquiles" não são
os árbitros de elite. O meu desafio é revelar novos árbitros. O
Raphael Claus, Luiz Flávio de Oliveira e o Flávio Souza são do
quadro da Fifa e estão acima da casa dos 38 anos. A durabilidade
deles no cenário internacional é de cinco anos, em um cenário
otimista.
Preciso preparar novos árbitros para
ocupar essas vagas. Se não, perco nossas vagas para outros Estados.
Falando da formação, eu preciso ter instrutores e um bom quadro de
analistas. Quero ir aos jogos para analisar os árbitros, junto com
instrutores e ex-árbitro experientes que tenham facilidade para
aprender sobre tecnologia. Não adianta hoje em dia ficar só na
prancheta.
Pretende fazer
mudanças no VAR?
Questões que a gente pode melhorar
para minimizar a reclamação: usar o experimento de transmitir ao
vivo as revisões. Divulgar para o estádio o que está sendo visto.
Para fazer isso preciso ter o aval do
departamento de comunicação, da tecnologia, da transmissão pela TV,
de saber se o estádio tem capacidade para essa demanda, se isso é
possível.
Uma outra questão é utilizar o que a
Conmebol está fazendo. Queremos a divulgação dos áudios de jogadas
decisivas. Isso primeiro vamos analisar internamente se o nosso
público está pronto para isso. O VAR excelente é aquele que não é
usado. Porque meu árbitro fez um trabalho extraordinário.
O que você traz da
sua experiência em campo para agora?
É uma questão de entender a mudança
cultural da sociedade. Vamos fazer palestras sobre integridade, que
é fundamental para o árbitro se comportar, como evitar devolver
ofensas.
O segundo ponto é abordar rede social,
para ensinar como utilizar, para não ter foto de árbitro com camisa
de clube em um churrasco.
Nós temos problemas com isso. Vamos
ter de corrigir. O outro ponto é ter uma palestra sobre assédio
sexual e moral. No meu quadro hoje, sem ser só nos árbitros de
elite, tenho homossexuais e lésbicas.
No meu quadro hoje, sem ser só nos
árbitros de elite, tenho homossexuais e lésbicas
O que não pode acontecer é piada, ofensa, uso e abuso do pequeno
poder. Isso não posso permitir. Não posso ter hipocrisia de dizer
que faço justiça no campo de jogo, mas não faço aqui dentro. Isso é
reflexo do que vivi na minha vida. A arbitragem de São Paulo precisa
ser diferenciada, e isso começa pela educação.
Como vai incentivar
a arbitragem feminina?
Temos que tratá-las com igualdade e
equidade. As que já estão no cenário, têm de ser trabalhadas como
árbitra de elite. Isso é tratar com igualdade.
Para quem estiver chegando, praticar
equidade ao dar para elas as mesmas ferramentas e condições dadas
aos homens, seja de escala, de treinamento ou de companhamento. O
grande desafio é dar espaço, mas não de qualquer maneira.
É dar espaço para aquelas que merecem,
para a menina que faz teste masculino, que vai bem na prova teórica,
para quem treina e se dedica, procurou aprender, dar ferramentas
para se chegar ao sonho dela. Se o erro dela for igual ao árbitro
homem, o afastamento e a "reciclagem" será igual.
Tem uma meta de
quantidade sobre a presença de mulheres no quadro de arbitragem?
Nós temos agora 5% do quadro sendo
feminino. Quem sabe em até quatro anos a gente pode ter 20% do
quadro. Eu acredito que seria uma boa representatividade.
Porém, para conseguir isso, eu preciso
que mulheres estejam interessadas em ser árbitras e assistentes.
Para 2020 vou receber 38 meninas. Se a gente conseguir levar duas
para a elite, estou no lucro. Você precisa ter quantidade para tirar
qualidade.
Qual fundamento
precisa ser aprimorado na formação?
Eu preciso melhorar outras habilidades
do árbitro além de só conhecer o texto da regra. É preciso ter
habilidade cognitiva de fazer uma percepção de entrar em um ambiente
e sentir se é bom ou ruim, qual a temperatura.
Temos de melhorar habilidades que não
estão ligadas à arbitragem, mas que diretamente vão interferir no
desempenho. É ensinar oratória, relação com a mídia, trabalhar com
quem é tímido, aumentar a carga de avaliação psicológica. Temos de
trabalhar o técnico e o físico aliado com a construção humana.
Como pretende lidar com a relação
com os clubes?
Não existe futebol de alto nível se a gente não dialogar e não
conversar. Eu preciso entender o que os clubes precisam e eles
precisam entender o que eu preciso e o que posso ou não fazer.
Eu jamais vou entrar em um clube e
pedir para um dirigente tirar um jogador do elenco porque ele perdeu
um pênalti. Assim como o clube não pode me pedir para tirar um
árbitro da escala porque ele errou.
Não existe aqui nenhum profissional
mal intencionado. Falo isso com segurança porque tenho uma
Corregedoria.
Dos 522 árbitros inscritos na FPF, até
agora 480 foram aprovados. Se outros não foram, vão passar pelo
processo da Corregedoria. Preciso acreditar na minha instituição, no
meu processo.
por Agência Estado