Em um mês de Campeonato Brasileiro
da Série A e com 60 jogos disputados, depois de seis rodadas, a CBF
escalou apenas 17 árbitros centrais. A repetição de profissionais e
o volume de partidas vêm provocando questionamentos sobre a
qualidade e o desempenho dos profissionais.
O número de árbitros escalados no
Brasileirão está diminuindo ano a ano. Em 2020, 33 centrais foram
utilizados nas primeiras seis rodadas. Em 2021, foram 30. Em 2022,
quando Wilson Seneme se tornou presidente da comissão de arbitragem
da CBF, o número caiu para 20.
A Associação Nacional de Árbitros
de Futebol (ANAF) relata preocupação e fala em "privilegiados" da
comissão de arbitragem da Confederação Brasileira de Futebol.
"Nesse ano, infelizmente, piorou a
concentração de escalas da Série A em poucos profissionais, tanto em
campo, como no VAR. A consequência disso é extremamente nefasta ao
futebol brasileiro, pois impede a renovação da nossa arbitragem. A
distribuição das escalas, nas seis primeiras rodadas, evidenciam que
a Comissão Nacional de Arbitragem tem trabalhado apenas a favor de
um seleto grupo de árbitros e assistentes, sem critérios e
transparência do porquê disso, em detrimento da maioria dos
profissionais do quadro de árbitros da CBF.
Para a sétima rodada, quatro árbitros vão atuar pela primeira vez na
série A deste ano, totalizando 21 árbitros centrais no campeonato
(até o momento). No ano passado, 20 profissionais foram usados no
mesmo número de rodadas.
O número de competições e jogos
não diminuiu, mas os nomes na escala de arbitragem foram sendo
reduzidos a um grupo de árbitros mais experientes.
"Eu sou favorável a um número
menor de árbitros na Série A devido ao grau de dificuldade, de
competitividade. Entendo que, para um campeonato como a Série A,
você trabalhar com um grupo de 25 árbitros é adequado, mas o árbitro
precisa ter bom senso de estar sempre em contato com a comissão para
comunicar um eventual desgaste, uma eventual lesão, para não apitar
machucado" - ponderou Paulo César de Oliveira, comentarista de
arbitragem da Globo.
Nomes conhecidos, como Jean Pierre
Gonçalves Lima, Marcelo de Lima Henrique e Leandro Vuaden ainda não
figuraram entre os árbitros centrais da Série A, por exemplo.
"Hoje você já tem um grupo bem
definido em relação aos que atuam na Série A. Tem até alguns novos
que estão apitando na Série A pela primeira vez. Se levar em
consideração o tamanho do nosso país e a grandeza do Campeonato
Brasileiro, as federações não conseguem formar uma quantidade ideal
de árbitros preparados para a Primeira Divisão" - acrescentou
Paulo César.
Os 17 árbitros mais escalados na
elite também atuam em outras competições. Apitam na Série B, Copa do
Brasil e, em alguns casos, na Libertadores e Sul-Americana.
Anderson Daronco, por exemplo, fez
dois jogos na Colômbia em três dias. Em 02 de maio, foi árbitro
central em Atlético Nacional x Olimpia (na Colômbia), pela
Libertadores. Em menos de 48 horas depois, esteve como quarto
árbitro, também pela competição internacional, na partida entre
Deportivo Pereira e Monagas.
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Anderson Daronco teve cerca de 48h de
intervalo entre dois jogos em que atuou pela Libertadores —
Foto: Alexandre Durão |
Ramon Abatti foi o quarto árbitro
do primeiro jogo e inverteu o papel com o Daronco na segunda
partida, com o mesmo tempo de descanso. Para Salmo Valentim,
presidente da ANAF, se a qualidade dos demais árbitros disponíveis é
ruim, a CBF precisa trabalhar com urgência para captar profissionais
que atendam os critérios da comissão.
"Nos causa preocupação ao ver
que apenas cerca de 10% do quadro de árbitros da CBF recebe
oportunidades na Série A. Será que só esse pequeno grupo tem
condições de atuar na elite do futebol brasileiro? Se a resposta for
sim, é preciso que os demais integrantes do quadro nacional
entreguem seus escudos imediatamente, e a CBF inicie um trabalho
emergencial de formação de novos árbitros e assistentes".
As viagens excessivas e jogos de
alta complexidade podem afetar a qualidade do trabalho. PC de
Oliveira acredita que cabe também à comissão de arbitragem organizar
melhor as escalas e pensar no desgaste para evitar erros e problemas
em jogos.
"O que pode fazer para
minimizar é, entre uma escala e outra que ele não estiver sendo
aproveitado na Série A, ver se tem a necessidade de escalar na Série
B. Talvez possa dar uma segurada na Série B, até porque os
principais árbitros estão saindo para fazer jogos da Libertadores.
Se tem a possibilidade desse intervalo, o árbitro pode descansar,
analisar melhor suas atuações. Fazer o trabalho de autoanalise. Esse
descanso da Série B pode minimizar os problemas" - disse o
comentarista.
Procurada pela reportagem, a CBF ainda não se manifestou.
Árbitros escalados x polêmicas
O árbitro mais escalado foi Wilton
Pereira Sampaio, presente em todas as rodadas disputadas da Série A
do Brasileirão de 2023. Neste fim de semana, ele está designado para
a Série B: Criciúma x Ceará, no domingo. Outros seis profissionais
atuaram em cinco partidas da elite e em, pelo menos, um jogo da
Série B.
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Wilton Pereira Sampaio revisa cabine do
VAR durante Inglaterra x França — Foto: Jewel SAMAD / AFP |
O intervalo médio de descanso dos
árbitros, entre um jogo e outro, está em torno de 66 horas, mas há
casos em que o tempo entre as partidas é menor.
Foi o caso de Paulo César
Zanovelli. Em 11 de maio, uma quinta-feira, esteve em Fortaleza e
São Paulo, pelo Brasileiro. No sábado, dia 13, estava em Salvador
para apitar Bahia e Flamengo.
Zanovelli teve 42 horas entre o
fim da partida de quinta e o início do jogo de sábado. Nesse
período, ele se deslocou por cerca de 1.700km, da capital cearense
até a Bahia. De acordo com a Lei Pelé, um atleta, por exemplo,
precisa descansar, no mínimo, 66 horas.
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Paulo César Zanovelli em Bahia x
Flamengo, na Arena Fonte Nova — Foto: Felipe Oliveira/EC
Bahia |
Nas duas partidas, lances
polêmicos geraram protesto. No jogo de quinta, o São Paulo questiona
a expulsão de Rodrigo Nestor, contra o Fortaleza. No lance, Nestor
disputa bola com Titi. O árbitro entendeu que o jogador são-paulino
acertou o rosto do adversário, aplicando o amarelo (era o segundo)
e, consequentemente, o vermelho (veja
o lance).
Na partida de sábado, mais uma
expulsão foi questionada. Zanovelli expulsou Kanu, do Bahia, após
disputa de bola com Gabigol, do Flamengo. De acordo com a súmula,
Kanu recebeu o segundo amarelo e, consequentemente, o vermelho, por
“golpear seu adversário com o movimento adicional na região do peito
de maneira temerária” (veja
o lance).
Paulo César Zanovelli atuou em
cinco das seis rodadas da Série A do Campeonato Brasileiro e um jogo
na Série B. Foram cinco estados diferentes em um mês de competição
(São Paulo, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Fortaleza e Bahia).
Neste sábado, ele será assistente de VAR 2 no clássico entre
Botafogo x Fluminense.
O desgaste físico e psicológico
pode afetar a qualidade do profissional em campo, opina o
comentarista de arbitragem da Globo. Com jogos a cada três dias e
viagens longas, o árbitro tem pouco tempo para descanso.
"Pode (afetar o desempenho do
árbitro), sem dúvida que pode. Os jogos estão sendo disputados em um
ritmo cada vez mais alto, mais impactante. A gente percebe uma
mudança na questão física e tática. Os nossos jogos estão cada vez
mais movimentados e com mais disputas. Então, o desgaste não é só
físico, mas tem o psicológico" - afirmou PC de Oliveira.
O presidente da ANAF afirma que os
árbitros estão sendo prejudicados pelo alto número de jogos e que o
desgaste é inevitável.
"Lógico que sim (atrapalha o
desempenho). Não só pelo volume de jogos em sequência, como pelos
deslocamentos entre os estados. Some-se a isso o fato de que a
maioria dos árbitros e assistentes ainda precisa trabalhar, uma vez
que a profissão no futebol não foi regulamentada e não garante a
eles as devidas condições para sustentar suas famílias".
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Salmo Valentim - Presidente da ANAF -
Crédito: Marçal |
Mais jogos, mais taxas
O árbitro não tem remuneração
fixa, ou seja, só recebe quando atua. Um árbitro Fifa recebe por
trabalhar um jogo do Brasileirão, em média, R$ 6,5 mil. O volume de
jogos do início da temporada gera uma rentabilidade maior aos
árbitros.
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Wilton Pereira Sampaio atuou em todas as
seis primeiras rodadas da Série A 2023 — Foto: Cesar Greco/Palmeiras |
Com o decorrer do ano, lesões,
pausas para reciclagem e falta de demanda (com o encerramento de
competições) fazem com que os profissionais diminuam a frequência
com que vão a campo.
"Falta personalidade dos
árbitros para gerirem suas carreiras. Eles querem as escalas. Isso,
em algum momento, vai pesar com certeza. E o psicológico, o
emocional, acaba influenciando na parte técnica e tática da
arbitragem. São seres humanos, falíveis, e que, em algum momento,
vão estourar" - analisou Márcio Rezende de Freitas, ex-árbitro,
em comentário feito na Rádio Itatiaia.
A arbitragem é, na maioria dos
casos, uma função secundária. Mas quando o profissional chega à
elite do futebol, o árbitro precisa de tempo e isso pode causar
acumulo de escalas para conseguir a renda necessária visando as
fases de poucos jogos.
"Acredito que isso poderia ser
solucionado com a profissionalização da arbitragem, com remuneração
fixa, assistência na preparação física, técnica, psicológica e
nutricional. Dessa forma o árbitro poderia ser dar o direito de
pedir uma dispensa porque já contaria essas garantia. Enquanto não
tiver vínculo com as instituições, como profissionalização, vai
continuar esse sistema de repetição de escalas e de acúmulos de
jogos". - concluiu PC de Oliveira.
As informações são do
GE/Belo Horizonte