Por Gabriel Herbelha, do R7
A arbitragem brasileira passa por
um momento de crise. Árbitros estão sendo afastados após erros
crassos, dirigentes se esbravejam em coletivas, e o alto comando da
CBF tenta se explicar.
A frase acima é atemporal, mas
representa bem as últimas semanas no futebol do país. As discussões
sobre apito tomaram conta das pautas dos programas esportivos e nas
mesas de bar pelo país.
Sálvio Spinola e Renato Marsiglia,
ex-árbitros que acompanham de perto as questões envolvendo as suas
antigas ocupações, concordam que a arbitragem brasileira vive um
momento de crise.
“O momento é crítico por conta
do investimento pesado que a CBF fala que faz na arbitragem. A
estrutura da arbitragem brasileira, hoje, é muito pesada: são 11
instrutores, com uma estrutura bem recheada, com muito treinamento,
investimento e capacitação dos árbitros. Erros de arbitragem há no
mundo inteiro, até em Copa do Mundo. A relação investimento e o
momento de crise é desproporcional” - opina Salvio, que se
aposentou em 2011, após 15 anos de atuação também como árbitro da
Fifa.
Marsiglia, que apitou ae Copa do
Mundo de 1994, e foi comentarista de arbitragem da RecordTV no
Paulistão, concorda que o momento dos árbitros não é bom, mas
acredita que falta uma blindagem por parte da CBF.
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Wilton Pereira Sampaio - Crédito: César
Greco / Palmeiras |
“Quando acontece uma sucessão
de erros, as reclamações aumentam, e evidentemente não tem como não
influenciar no rendimento do árbitro dentro de campo. Ele é humano,
ouve rádio, lê jornal, sofre pressões, principalmente dos clubes que
estão disputando títulos e vagas de libertadores” - comenta.
Apesar das críticas, a CBF,
representada pelo presidente da Comissão de Arbitragem, Wilson
Seneme, defende a atuação do quadro, e pede para que o público
“enxergue o copo meio cheio”.
Segundo avaliação da entidade, nas
140 partidas da série A do Campeonato Brasileiro, houve sete erros
graves da equipe de arbitragem.
Em uma tentativa de justificar
erros envolvendo a arbitragem brasileira, a CBF criou o “Papo de
Arbitragem”, em que Seneme comenta alguns lances capitais do futebol
brasileiro.
Sálvio defende que haja uma
“posição didática” da entidade, mas ressalta que os comentários
expõem a figura do árbitro ainda mais.
“Eu acho necessário, mas acho
que não pode ter exagero. Entendo que esse modelo implantado
atualmente pela CBF tem um exagero. É um show business, que tem
colocado a arbitragem muito mais em exposição. Isso é desnecessário.
Acho melhor o modelo mais didático, mas instrutivo do que esse
modelo”.
“Reciclagem” proposta pela CBF
ajuda?
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Jean Pierre Goncalves Lima foi afastado
após erro em jogo do Palmeiras - Crédito: César Greco /
Palmeiras |
Após um árbitro do quadro da CBF
cometer um erro grave em uma partida de futebol, ele é incluído PADA
(Programa de Assistência ao Desenvolvimento da Arbitragem), que no
dialeto popular, é chamado de reciclagem, ou até mesmo de geladeira.
Para árbitros que normalmente
apitam jogos da elite do futebol nacional, o retorno é em partidas
da série B e C do Brasileiro.
“Não acho uma medida
inteligente simplesmente afastar o árbitro. Se ele ficar de fora da
escala por três semanas, vai voltar pior, ele perde ritmo de jogo,
igual o jogador” - opina Marsiglia.
“Não existe treinamento técnico
do árbitro que não seja apitando. Então, o coloquem em jogos da
Série B e entra nesse processo de capacitação. Nesses jogos, ele vai
ganhar menos, vai doer no bolso, e pagar um castigo. Isso vai fazer
com que ele fiquei mais focado, e procure errar menos” - sugere
o ex-árbitro.
Um dos árbitros que passara pelo
PADA é Jean Pierre Gonçalves, que apitou Athletico Paranaense e
Palmeiras, pelo Brasileirão. Mesmo após a consulta do VAR, não
expulsou o zagueiro Zé Ivaldo, que deu uma cotovelada em Endrick
durante uma disputa dentro da área athleticana.
“Ele [Jean Pierre] sempre teve
esse posicionamento equivocado e nunca foi corrigido pela Comissão
de Arbitragem. Só foi punido porque o lance teve repercussão porque
conta da cotovelada. Se não tivesse aquela cotovelada, ele estaria
sendo escalado e apitando. A ida para a capacitação é uma resposta
política ao clube que reclamou, não para qualificar a arbitragem”
- garante Sálvio.
Caminho é a profissionalização
Um fator a ser analisado quando o
assunto é arbitragem é que no Brasil os árbitros não são
profissionais, não possuem carteira assinada ou contrato de trabalho
com a CBF ou federações estaduais.
Ou seja, apesar de trabalhar em
arenas de Copa do Mundo e ser o responsável por delegar partidas que
movimentam bilhões de reais, a equipe de arbitragem inteira não tem
nenhuma garantia de renda fixa no futebol.
Na Premier League, considerada por
muitos como a principal liga de futebol do mundo, os árbitros fazem
parte de uma entidade chamada Professional Game Match Officials
Limited (PGMOL), grupo afiliado às organizações que regem o futebol
inglês.
Entre árbitros e assistentes, mais
de 300 profissionais se dividem em jogos da primeira e segunda
divisão do futebol inglês. Tratado como profissão, os árbitros
realizam treinos, possuem um robusto sistema de análise de
desempenho, e um salário fixo, além da bonificação por jogo apitado.
Segundo dados obtidos pela Goal,
um árbitro no futebol inglês recebe um salário anual entre 38, 5 mil
(R$ 241 mil, na conversão) e 42 mil libras (R$ 263 mil, na
conversão), de acordo com a sua experiência. Além disso, há um bônus
de 1.150 libras (R$ 7.213, na conversão de valores) por partida
trabalhada.
Já no futebol brasileiro, não há
um valor fixo e o árbitro só recebe se apitar um jogo. Na Série A, o
valor varia entre R$ 4.700 e R$ 6.500 por partida. A remuneração é
maior no caso de árbitro do quadro da Fifa.
“No Brasil, o árbitro ganha por
jogo, ele depende de uma escala. Se o diretor de árbitros não gosta
dele, e ele fica um mês sem apitar e não ganha nada. Se ele se
lesiona, não recebe. Como fica a família dele? Imagina a cabeça do
árbitro, a pressão que sente” - questiona Marsiglia.
Embora algumas pessoas afirmem que
a realidade do futebol brasileiro seja infinitamente diferente do
inglês, e que a profissionalização da arbitragem seja uma utopia no
país, o balanço financeiro da CBF mostra que se há um momento para
propor essa discussão, é agora.
Em 2022, a entidade teve um
faturamento de R$ 1,2 bilhão, com um lucro de R$ 143 milhões.
Há de se pensar que um
investimento nas pessoas que regem o espetáculo deve trazer um
retorno grande ao futebol brasileiro, elevar o nível do jogo, e, com
isso, diminuir o número de polêmicas desnecessárias.
As informações são do
https://www.r7.com