03/01/2016    10:01hs

'Querem cabeça na bandeja', afirma chefe da arbitragem no Brasil


"Todos os domingos, 100, 150, 200 mil pessoas o chamam de ladrão [o árbitro]. Seja ele um Abraham Lincoln, um Robespierre, um Marat, uma Maria Quitéria. Não importa. Tacham-no de gatuno e de tudo o mais".

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O tom dramático desse trecho de "Rigoletto de lança-perfume", uma crônica de 1956 de Nelson Rodrigues (1912-1980), é repetido -em outros termos- por Sérgio Corrêa, presidente da Comissão de Arbitragem da CBF, para falar do mesmo tema: as críticas aos juízes de futebol.

Ao longo do ano, eles foram duramente criticados por torcedores, jogadores e presidentes de clubes. Em setembro, Levir Culpi, então técnico do Atlético-MG, disse que o Brasileiro estava "manchado" por supostos erros de arbitragem. Modesto Roma Júnior, presidente do Santos, pediu o afastamento de Corrêa de sua função, atitude replicada por Daniel Nepomuceno, do Atlético-MG.

Obs. As fotos abaixo apontam alguns erros cometidos pelos homens do apito durante o Brasileião de 2015.

Erro 1: Após cuzamento, a bola sobra para Ricardo Oliveira, que impedido, abre o placar para o Santos

Em entrevista à Folha, Corrêa lamenta a pressão que ele e os árbitros receberam de presidentes e torcedores, faz um balanço positivo de 2015, destaca números favoráveis e torce pela aprovação do uso de vídeos para auxiliar os juízes a partir de 2016.

Qual o balanço da arbitragem brasileira que o senhor faz em 2015?

Nos principais torneios do mundo, há poucas equipes na briga pelo título. Aqui, no Brasileiro, temos cerca de 12, o que faz com que quase todos os jogos ganhem importância e torne o campeonato muito difícil para os árbitros. Mas temos dados concretos que comprovam que o ano foi positivo.

Estamos reduzindo o número de faltas marcadas a níveis próximos aos dos principais polos europeus, exceto a Inglaterra. Acertamos 90% dos impedimentos marcados no Brasileiro. Mas isso para a imprensa passa batido.

Em setembro, a Folha fez um levantamento que apontava ao menos um erro grave por rodada. Qual a sua avaliação?

Não concordo. Vi a reportagem, e vocês colocam como erros alguns lances em que o árbitro acertou. A Fox Sports fez uma matéria sobre 20 lances de bola na mão. Nós acertamos 16 dos que foram mostrados. É um número expressivo de acertos. As pessoas, de modo geral, não têm conhecimento e transformam os lances em polêmica, que então é tratada como erro, o que nem sempre está correto.

As pessoas cobram que o árbitro se explique após as partidas, mas não adianta nada porque as opiniões deles são desconsideradas. As pessoas não querem ouvi-los. Em relação à arbitragem, o Brasil é uma torre de Babel: não tem análise de dados nem aprofundamento. As pessoas querem uma cabeça na bandeja. Há uma ânsia por sangue.

Presidentes de clube chegaram a pedir seu afastamento. Como o senhor recebe isso?

Em 2005, fomos convidados para a CBF para reestruturar a arbitragem nacional após o que ficou conhecido como Máfia do Apito, com o envolvimento do Edilson Pereira de Carvalho.

Os planos quadrienais que elaboramos foram todos cumpridos com sucesso desde então, e começaremos um novo em 2016. Se alguém decidir no futuro que deve trocar a Comissão de Arbitragem, deve fazê-lo. Os nomes que estão lá não importam.

Quando eu assumi, o Corinthians caiu de divisão e a arbitragem foi acusada de prejudicar o time. Em 2008, aconteceu a mesma coisa com o Vasco.

Erro 2: O atacante Willian, do Cruzeiro, ajeita com a mão antes de finalizar e marcar com a mão

A gente respeita a opinião dos dirigentes. Nunca houve uma participação tão grande dos clubes na CBF. Alguns deles entendem que deve haver mudança na comissão. Historicamente, não é a mudança que altera a classificação dos clubes.

Agora, se o dirigente não gosta de receber pressão no seu trabalho, por que ele joga pressão para cima dos outros? Isso também não é certo. Ninguém tem um rendimento maravilhoso sob pressão.

A pressão que os dirigentes recebem é grande, e muitas vezes eles tomam atitudes [contra a arbitragem] mais para dar a segurança ao torcedor de que está brigando pelo clube do que para seguir o que ele mesmo pensa.
Só não aguenta quem é fraco. Os dirigentes são valentes, pois aguentam pressão dos torcedores. Nós também somos valentes.

 

 

A forma que as pessoas esperam o juiz de futebol não tem como realizar na Terra. Não tem como impedir um ser humano de errar às vezes.

Qual o saldo da recomendação aos árbitros serem menos coniventes com reclamações de jogadores e técnicos?

Muito positivo. A reclamação tem que ser posterior à partida de futebol. Alguns presidentes de clubes disseram que somos ditadores, mas tivemos resultados expressivos. Com reclamação, o jogo para mais, e você não consegue atingir a meta da Fifa de 60 minutos de bola rolando por partida. Demos 153 cartões amarelos a mais que em 2014. Em compensação, passamos de 25 para 60 jogos dentro dessa meta. Não é uma vitória da arbitragem, mas do futebol. Tivemos jogadores extenuados de tanto jogar futebol no Brasileiro.

Erro 3: Zagueiro Wallace, do Flamengo, desvia com a mão e a bola sobra para Emerson macar na vitória sobre o Fluminense

E temos uma agenda muito positiva para 2016, que é desvalorizada porque no Brasil é mais fácil depreciar que reconhecer.

Em setembro, a CBF pediu para usar vídeo em lances duvidosos, mas a Fifa negou. Em que pé está essa negociação?

A Ifab (International Football Association Board) fará uma reunião agora em janeiro [dia 7] e eles vão deliberar a questão. Nosso projeto não contempla o "desafio" [quando o jogo é parado para o lance ser revisto e reavaliado]. Nós não queremos parar o jogo. Eu gosto de futebol jogado, com a bola rolando. Vou dar um exemplo: os assistentes marcariam os impedimentos claros, que não têm dúvida. Os ajustados [difíceis] seriam marcados pelo árbitro de vídeo. Se a bola entra e aconteceu uma infração, o árbitro de vídeo avisa o que está no campo de sua decisão. Se foi gol, bola no centro; em outro caso, tiro de meta –em todo caso, o jogo já está parado. Se a bola bate na mão, o árbitro de vídeo pode ajudar a falar se foi dentro ou fora da área. Em nosso projeto, tudo que o árbitro de vídeo falar será gravado, pois não queremos que ele apite da cabine. Ele não será uma muleta.

Com o vídeo, os jogadores vão parar de agredir fora do lance, de simular faltas... A ideia é implantar na Série A de 2016, talvez na Série B também. Estamos trabalhando com essa perspectiva.

A Uefa lançou a proposta do cartão branco, em que o jogador ficaria dez minutos fora de campo, voltando depois. O que o senhor acha?

Vai ter problema. Imagine um cenário em que faltam dez minutos para acabar uma partida decisiva e o árbitro mostra o cartão branco. Vão dizer que ele agiu deliberadamente para prejudicar.

Erro 4: Na terceira rodada, o Avaí fez um gol sobre Flamengo após a bola ter saido; a equipe catarinense venceu por 2 a 1

Se for algo para melhorar o futebol, vamos acatar, é claro. Não posso dizer que daria errado. Mas acho que não será uma proposta aprovada pela Ifab. Caso seja, vamos aguentar mais uma polemicazinha sobre a cor do cartão aplicado.

O Anderson Daronco esteve em mais de 70% dos jogos em 2016. É o melhor árbitro?

Como o jogador, o árbitro passa por fases boas e ruins. O Pelé, que eu vi jogar, também tinha momentos ruins, mas era tão bom que as pessoas até esqueciam disso. No ano passado, o Ricardo Marques foi o que mais atuou. Em 2015, o Daronco encaixou, teve uma sequência sem grandes polêmicas. Foi o melhor, sim, merecidamente. Ele alcançou um patamar de regularidade que deve ser seguido pelos demais árbitros. Quanto mais regular, mais aparecerá na escala.

A crise na CBF afeta o trabalho da comissão de arbitragem?

Continuamos trabalhando. Sempre tivemos liberdade de ação, desde que entramos, e nada mudou nesse ponto. A relação com o presidente em exercício, Marcus Vicente, tem sido cordial, respeitosa.

Recebemos apoio para cursos, treinamentos... A cada ano, a CBF investe cada vez mais em arbitragem. Atesto que não há interferência externa nenhuma na definição da arbitragem.

O presidente Marco Polo tem o direito de se defender [das acusações feitas pela Justiça dos EUA. Lembro da Escola Base, quando todos tinham certeza da culpa e no fim eram inocentes. Claro que, se comprovado o malfeito, os que assim agiram devem ser punidos. É compreensível que a mídia diga que estão sendo investigados, mas condenar não é algo razoável.

As coisas têm que ser esclarecidas. Mas as pessoas que não acompanham o mundo do futebol não têm ideia da dimensão da CBF, acham que é um bando de criminosos reunidos para fazer o mal. Isso não é verdade.

RAIO-X
Sérgio Corrêa da Silva

IDADE
56 (nasceu em 30.05.1959)

CARGO E CARREIRA
Presidente da Comissão de Arbitragem da CBF desde 2014 (antes dirigiu o órgão de 2007 a 2012). Foi árbitro da CBF entre 1989 e 2000

Erro 5: Na quarta rodada, o Santos marcou um gol impedido em partida que terminou em 2 a 2 contra o Sport

 
Erro 6: Na quarta rodada, em partida contra o Flamengo, o Fluminense fez gol de penalti que não existiu; a equipe venceu os rivais cariocas por 3 a 2
 

Erro 07: Na oitava rodada, em parrtida contra o Avaí, o São Paulo teve um gol de Pato mal anulado, e a equipe paulista acabou prejudicada com empate de 1 a 1

 
Erro 08: Na oitava rodada, o árbitro deixou de marcar penalti em toque de mão na bola de Daniel Guedes, do Santos, e a partida contra o Corinthians terminou com a vitoia santista por 1 a 0
 

Erro 09: Na nona rodada, o juiz não viu impedimento no gol da Chapecoense; o jogo terminou com empate em 1 a 1 contra o Sport

 
Erro 10: Na mesma partida, o juiz marcou falta em Diego Souza, que fez gol na cobrança; mas o meia fez falta, e não sofreu
 

Erro 11: Na 12ª rodada, em partida vencida pelo Internacional sobre o Flamengo por 2 a 1, Guerreiro fez gol após receber passe de Canteros, que estava impedido

 
Erro 12: Na 12ª rodada, o árbitro não validou gol do Palmeiras por não ver que a bola cruzou a linha; A equipe venceu o Avaí por 3 a 0
 
Erro 13: Na 13ª rodada, em partida contra o Corinthians, o Flamengo teve gol mal anulado por marcação de impedimento de Jonas; o jogo terminou com vitoria da equipe paulista por 3 a 0
 
Erro 14: Na 13ª rodada, em vitória do Fluminense por 2 a 1 contra o Atlético-PR, a equipe carioca teve penalti não marcado por mão na bola
 
Erro 15: Na 13ª rodada, em jogo contra o Joinville vencida por 2 a 0, um penalti inexistente foi marcado contra o Internacional
 

Erro 16: Na 14ª rodada, em vitória do Sport sobre o São Paulo, o juiz marcou coretamente penalti a favor do Sport, mas voltou atras e sinalizou falta fora da area

 
Erro 17: Na 15ª rodada, em jogo contra a Chapecoense, o Fluminense teve gol mal anulado por toque de mão na bola de Marcos Junior; os catarinenses ganharam por 2 a 1
 

Erro 18: Na 15ª rodada, no empate por 1 a 1 entre São Paulo e Corinthians, Uendel desviou a bola com o braço, mas o árbitro não marcou o penalti

 
Erro 19: Na 18ª rodada, em vitória de 2 a 0 do Gremio sobre o Atlétcio-MG, os mineiros foram prejudicados quando o árbitro não marcou toque de mão na bola dentro da area de Erazo
 
Erro 20: Na mesma patida, os gauchos também foram prejudicados; o árbitro não assinalou empurrão de Thiago Ribeiro em Galhardo, dentro da area
 
Erro 21: Na 19ª rodada, em vitória por 2 a 1 sobre o Atlético-MG, Apodi, da Chapecoense, ajeitou a bola com o braço antes de fazer o gol que fechou o placar
 
Erro 22: Na 19ª rodada, em derrota por 2 a 1 contra o Corinthians, o Avaí teve gol anulado por impedimento marcado erroneamente
 
Erro 23: Na 21ª rodada, o Internacional teve penalti não marcado após empurrão em Eduardo Sasha, na derrota por 3 a 0 contra o Avaí
 
Erro 24: Na 22ª rodada, em partida que terminou 1 a 0 para o Goias, o Palmeias poderia ter alcançado o empate, se não fosse um gol anulado para a equipe paulista; Também houve toque de mão de jogador do Goias dentro da aea não marcado
 
Erro 25: Na 22ª rodada, em derrota por 2 a 0 contra o Corinthians, o Fluminense teve gol mal anulado por impedimento
 
Erro 26: Na 22ª rodada, em vitória por 1 a 0 contra o Atlético-MG, o Atlético-PR teve penalti marcado incorretamente
 
Erro 27: Na 22ª rodada, a Ponte Preta teve gol mal anulado por impedimento, além de penalti não marcado em Borges; a equipe campineira perdeu a partida contra o Cruzeiro por 2 a 1
 
Erro 28: Na 22ª rodada, a Ponte Preta teve gol mal anulado por impedimento, além de penalti não marcado em Borges; a equipe campineira perdeu a partida contra o Cruzeiro por 2 a 1

Fonte: Folha de S. Paulo

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