04/10/2009 -
Os árbitros que se cuidem no desfecho do
campeonato. Especialmente os sorteados para partidas de clubes fortes
politicamente e as com grande apelo de mídia. Erros, além de influenciar
na tabela, tendem a ser o estopim de intermináveis debates, tradicionais
suspeitas de complô e vetos de dirigentes. Dependendo da interpretação da
Comissão de Arbitragem da CBF, podem significar férias forçadas.
A primeira vítima do clima de guerra foi o
paranaense Evandro Rogério Roman, suspenso por no mínimo 30 dias após
deixar de marcar um pênalti para o Cruzeiro contra o líder Palmeiras.
Antes dele, só haviam sido punidos árbitros com atuações grotescas – o
baiano Arílson Bispo da Anunciação, que errou para os dois lados no empate
por 3 a 3 entre Corinthians e Botafogo, e o alagoano Charles Hebert
Cavalcante Ferreira, responsável por validar o absurdo gol de mão do
paranista Wellington Silva contra o Ceará.
Os árbitros são cuidadosos ao falar sobre o
assunto. Alguns chegam a reclamar da pressão, mas pedem para não ser
identificados. Outros admitem em declarações contidas ou genéricas. “A
tabela vai dizendo. Alguns estão lá em cima, outros lá embaixo e muitos
objetivos em jogo. Um erro na reta final tem peso bem maior”, afirma o
gaúcho Leandro Pedro Vuaden, integrante do quadro |
|
da
Fifa. No ano passado, ele acabou suspenso por um mês depois de prejudicar
o ameaçado Fluminense, no empate por 2 a 2 com o Vitória, em Salvador.
Outro gaúcho, Carlos Eugênio Simon, também com a
chancela Fifa e candidato a apitar a Copa da África do Sul no ano que vem,
recebeu uma enxurrada de críticas após o duelo direto por vaga na
Libertadores entre Cruzeiro e Flamengo, também em 2008. Derrotados por 3 a
2, os cariocas reclamaram muito de um suposto pênalti sobre Diego
Tardelli. A maioria das imagens não deixava dúvida e o árbitro chegou a
ser afastado da rodada seguinte. Até que uma câmera do canal ESPN Brasil
surpreendentemente o absolveu, permitindo seu retorno às escalas. “No
campeonato de pontos corridos, cada partida vale a mesma coisa. Mas no
começo as equipes estão mais tranqüilas. Claro que quando afunila vai ter
mais pressão”, diz Simon.
Ao mesmo tempo, erros que não interfiram no
resultado ou contra clubes menores não costumam gerar tanto barulho ou
afastamentos. Na última rodada, o árbitro Leonardo Gaciba e o assistente
Paulo Ricardo Conceição, ambos do Rio Grande do Sul, não viram a bola
entrar na cobrança de falta do coxa-branca Marcelinho Paraíba. Porém a
vitória alviverde por 2 a 0 sobre o Náutico foi tranqüila. Já o Cruzeiro,
que tanto chiou contra Roman, foi beneficiado com um gol de Gilberto em
posição de impedimento na vitória por 1 a 0 em cima do Barueri. O pequeno
time paulista esbravejou, mas nenhuma punição foi anunciada para o
bandeira Jorge Luiz Roque ou o árbitro Djalma Beltrami, do Rio de Janeiro.
O juiz, que também não marcou um pênalti contra os
mineiros, já havia protagonizado outra lambança no Brasileiro. O apitador
carioca se confundiu todo na contagem do tempo de acréscimo no triunfo do
Atlético-MG sobre o Santos, na Vila Belmiro, por 3 a 2. Beltrami acabou a
partida antes do tempo ter se esgotado. Alertado pelos santistas, voltou
atrás. E, para sua infelicidade, o Peixe marcou um gol (que empataria o
confronto) após a confusão. Inexplicavelmente, resolveu anular o lance,
alegando falta de ataque. A revolta tomou conta do estádio. Mas, desta
vez, o juiz não titubeou. Agüentou a pressão. Como “castigo”, ficou duas
rodadas afastado da escala.
“Oficialmente nunca fui punido. Às
vezes ficamos uma ou outra rodada de fora, o que é comum ao longo da
carreira de todo árbitro”, ressalta o paulista Wilson Luiz Seneme, outro
representante do quadro internacional.
Reciclagem constrange árbitros
“É dura a vida de árbitro de futebol”. O
surrado clichê é repetido à exaustão pelos apitadores para ilustrar as
agruras pelas quais são obrigados a passar. Contudo, a vida de quem é
submetido a um processo de reciclagem – nome oficial dado pela Comissão de
Arbitragem da CBF ao período de afastamento – é ainda mais difícil.
O paranaense Evandro Rogério Roman, por
erros na partida entre Cruzeiro e Palmeiras, e o alagoano Charles Hebert
Cavalcante Ferreira, por não ter visto o gol de mão do paranista
Wellington Silva contra o Ceará, compõem atualmente o grupo de
marginalizados.
Alijados das escalas, passam o tempo
remoendo os erros. Apesar de a Comissão indicar um instrutor para
acompanhar a fase sabática dos árbitros, na prática isso nem sempre
acontece. Apitadores experientes, alguns com atuações internacionais no
currículo, disseram à Gazeta do Povo que nunca contaram com o auxílio.
“Isso é novidade para mim”, afirma um deles, pedindo para não ser
identificado. A estratégia serve para fugir de represálias, já que a
orientação é para não dar entrevistas.
“Não gostaria de falar nesse momento. É
melhor ficar calado”, avisa, por telefone, Arilson Bispo da Anunciação,
afastado após a confusa atuação no empate por 3 a 3 entre Corinthians e
Botafogo. O período oficial terminou no fim de setembro, mas até agora ele
não voltou a figurar nas escalas.
Normalmente o monitoramento é feito a
distância, por meio de conversas ao telefone e troca de e-mails. A
Comissão encaminha também à casa dos árbitros suspensos um kit com dvds.
Posicionamento, Passos rumos à excelência e As 9 qualidades do árbitro
são alguns dos títulos. A avaliação do filme é debatida posteriormente.
Suspenso no ano passado por errar na
partida entre Vitória e Fluminense, Leandro Pedro Vuaden teve toda a
atenção da CBF. Além do arsenal de estudos, o gaúcho contou por dois dias
com a orientação do ex-árbitro José Mocelin, um dos instrutores
habilitados pela entidade. “Fui à casa do Mocelin. Também teve trabalho
prático no campo”, conta o integrante do quadro da Fifa.
O afastamento dói também no bolso. Roman,
por exemplo, costuma apitar entre três e quatro partidas por mês. A
reciclagem significa cerca de R$ 11.300 a menos no orçamento – árbitros
internacionais recebem cota de R$ 2.800 por partida. “Se você costuma
apitar quatro no mês, vai ficar sem receber nenhum. Podem ser dois ou
três, às vezes até uns sete. Depende do sorteio”, diz Vuaden. “Sem contar
que temos de apresentar certidão negativa. E, sem o dinheiro dos jogos,
como pagamos as nossas dívidas?”, emenda ele, que abriu uma empresa de
eventos esportivos em Estrela, cidade a 110 quilômetros de Porto Alegre.
Foi o trabalho paralelo que compensou o tempo parado para a reciclagem e
garantirá o sustento no caso de outros possíveis afastamentos.
Fonte:
Carlos Eduardo Vicelli e Nícolas França -
portal.rpc.com.br/gazetadopovo
|