para alterar o placar de uma série de jogos, o que levou o STJD
(Superior Tribunal de Justiça Desportiva) a anular e remarcar as 11
partidas apitadas pelo paulista no Campeonato Brasileiro – ele
admite apostas em apenas três.
Foi o maior escândalo no futebol nacional desde aquele revelado pela
revista Placar em 1982, que envolvia mais de 100 pessoas entre
jogadores, técnicos e dirigentes na fraude de jogos da Loteria
Esportiva Federal.
Foi em setembro. No dia 23 daquele mês, em 2005, a revista "Veja"
estampou em sua capa uma foto de Edílson, à época um dos 10 árbitros
com o escudo da Fifa no país. Em conluio com apostadores, ele atuou
para alterar o placar de uma série de jogos, o que levou o STJD
(Superior Tribunal de Justiça Desportiva) a anular e remarcar as 11
partidas apitadas pelo paulista no Campeonato Brasileiro – ele
admite apostas em apenas três. Foi o maior escândalo no futebol
nacional desde aquele revelado pela revista Placar em 1982, que
envolvia mais de 100 pessoas entre jogadores, técnicos e dirigentes
na fraude de jogos da Loteria Esportiva Federal.
Na madrugada de 24 de setembro de 2005, o árbitro foi preso pela
Polícia Federal. Na carceragem estava também o empresário Nagib
Fayad, apontado como mentor do esquema. Ficaram detidos por cinco
dias, em prisão temporária. Era o fim da carreira de Edílson Pereira
de Carvalho.
De estrela do quadro de arbitragem, ele foi banido do esporte.
Respondeu a um processo penal, suspenso. Numa ação civil do
Ministério Público, foi condenado, junto com a CBF (Confederação
Brasileira de Futebol), a FPF (Federação Paulista de Futebol), Fayad
e o árbitro Paulo José Danelon, que também participou dos acertos,
ao pagamento de uma indenização de R$ 180 milhões – recursos levaram
o caso para o STJ (Superior Tribunal de Justiça).
A vida confortável que levava em Jacareí desmoronou. Como árbitro
Fifa, Edílson recebia R$ 3 mil a cada jogo. Por sua reputação,
dificilmente ficava fora de uma escala – duas por semana.Nunca mais
conseguiu um emprego que lhe pagasse, por mês, o mesmo que recebia
pelos 90 minutos no gramado. Recentemente, separou-se da mulher, que
o acusou de violência, e hoje a processa numa disputa pela casa que
dividiram por 13 anos.
LEMBRANÇAS NUMA PAREDE
Edílson termina seu pastel – muito salgado, segundo ele – e sugere
que a conversa continue na casa em que vive com a mãe, uma senhora
de 89 anos, num imóvel simples, de paredes com pintura descascada,
em um bairro tranqüilo de Jacareí. Já tinha comprado meia dúzia de
tomates, mas estava frustrado por não encontrar as mexericas que
procurava – as disponíveis nas bancas eram pequenas demais para seu
gosto.
No corredor que liga a sala e a cozinha, algumas fotos e reportagens
enquadradas da época em que apitava. São imagens de Edílson no
Mineirão, em Belo Horizonte, no Mangueirão, em Belém, ou passeando
por Santiago, no Chile, onde foi arbitrar alguma partida da qual não
se lembra. Textos de diferentes jornais sobre suas atuações
completam o memorial – um deles, crítico ao desempenho da arbitragem
em um São Caetano x Santos, absolve o juiz e condena o auxiliar.
– Éramos 10 com escudo da Fifa. Desses, três eram incompetentes,
outros dois estavam lá por nomeação política. Eu era bem
considerado. Eu, o (Carlos Eugênio) Simon e o Antônio Pereira éramos
os melhores – diz Edílson.
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Troféu divide espaço
com fotos e reportagens sobre Edílson na casa da mãe
(Foto: Leonardo Lourenço) |
A última vez em que entrou em campo para apitar foi em 10 de
setembro de 2005, na vitória por 3 a 0 do Fluminense sobre o
Brasiliense, em Volta Redonda. O escândalo que ficou conhecido como
"Máfia do Apito" viria a ser desmascarado duas semanas depois.
– Foram três jogos com apostas (no Brasileiro), mas eu não fiz nada.
Um deles foi Figueirense x Juventude, mas o Edmundo (na época no
Figueira) marcou três gols – afirma, sobre a partida vencida pelos
catarinenses por 4 a 1 com participação decisiva do atacante, quando
o acerto com os apostadores era para que os gaúchos vencessem.
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Após cinco dias preso, Edílson deixa a carceragem da PF
em São Paulo (Foto: Clayton de Souza / Agência Estado) |
O esquema começou numa partida da Libertadores daquele ano. Edílson
comandou o duelo entre Banfield e Alianza Lima, na Argentina. Diz
que recebeu a oferta para que os donos da casa fossem ajudados, mas
não interferiu no resultado.
Foi pelo maldito dinheiro. Eu era uma pessoa chata, correta, botavam
a mão no fogo por mim
Edílson Pereira de Carvalho
– Deixei de dar um pênalti claro para o Banfield, minha cabeça não
aceitava aquilo. No fim, eles fizeram um gol e venceram.
Na volta ao Brasil, foi abordado por Fayad no aeroporto de Cumbica,
em Guarulhos, que o esperava com US$ 10 mil. Decidiu ficar com o
pacote.
– Foi pelo maldito dinheiro. Eu era uma pessoa chata, correta,
botavam a mão no fogo por mim.
Edílson garante que nunca mais se encontrou com Fayad. Na carceragem
da Polícia Federal, entretanto, ele teria recebido nova oferta do
empresário, entregue por um carcereiro: cerca de R$ 20 mil para não
contar o que sabia. Dessa vez, Edílson afirma que não aceitou o
dinheiro. Fayad nega a proposta:
Empresário que subornou Edílson admite que até hoje aposta em jogos
de futebol: "Quando sobra dinheiro, acabo jogando. Sabe quantos
sites (de aposta) existem no Brasil? Mais de dez, quinze", diz Nagib
Fayad.
– Mentira, completamente. Contei tudo no meu depoimento, não faz
sentido eu ter oferecido algo pra ele – afirma o empresário, que
admite apostar até hoje em jogos de futebol.
– Quando sobra dinheiro, acabo jogando. Sabe quantos sites (de
aposta) existem no Brasil? Mais de dez, quinze. Não sou só eu, são
milhares de pessoas – diz Fayad, que vive em São Paulo.
ÁRBITRO DE ELITE
Foi também na Libertadores que Edílson se transformou num dos
principais árbitros do Brasil. Ele apitou o confronto entre
Corinthians e Palmeiras na semifinal do torneio de 2000, tanto a ida
quanto a volta, ambos no Morumbi.
Edílson apitou Corinthians x Palmeiras na Libertadores de 2000 e diz
que viu Marcos se adiantando no pênalti de Marcelinho Carioca, mas
não quis mandar voltar a cobrança. "Se eu voltasse, minha carreira
acabava ali", diz ele.
– Esses jogos me colocaram em outro nível, comecei a apitar finais
em todo o Brasil. Entre um e outro (em duas terças consecutivas),
fui para Buenos Aires bandeirar um Argentina e Bolívia (no domingo),
pelas eliminatórias. Queria fugir da pressão. Mas deveria ter
ficado, para acompanhar os elogios. Nessas partidas, vesti preto,
queria ser o mais discreto possível – conta.
O duelo ficou marcado pelo pênalti perdido por Marcelinho Carioca,
em defesa de Marcos celebrada até hoje pelos palmeirenses. No lance,
o goleiro se adianta antes da batida. Edílson viu, mas não anulou a
cobrança.
– Eu sabia que ele se adiantava, fazia ameaças de que voltaria a
penalidade. Mas na Libertadores não tem isso. Se eu voltasse, minha
carreira acabava ali, não existia esse hábito.
|
Edílson também se exime de qualquer responsabilidade sobre a derrota
do Internacional no Brasileiro. Os gaúchos teriam terminado a
competição à frente do Corinthians, campeão, se os resultados dos
jogos anulados fossem mantidos. Dentre os jogos anulados estavam
duas derrotas do time alvinegro. Com as partidas sendo disputadas
novamente, o Corinthians conquistou quatro pontos e acabou superando
o Inter na classificação final (81 contra 78).
Edílson culpa o erro de outro árbitro nesse caso. Ele lembra do
pênalti que Marcio Rezende de Freitas não marcou a favor dos
colorados no empate em 1 a 1 com o Corinthians, no Pacaembu,
disputado após a polêmica que protagonizou. No lance, Tinga é
derrubado por Fábio Costa dentro da área. Freitas não só deixa de
anotar a falta, como expulsa o volante por simulação.
– Foi esse o jogo que definiu o campeonato. |
VIDA EM RUÍNAS E TENTATIVA DE SUICÍDIO
A arbitragem era a maior fonte de renda de Edílson, que por um tempo
conciliou a atuação nos gramados com um emprego numa fábrica de
vidros de Jacareí – antes do apito, recebeu treinamento para operar
empilhadeiras.
Após o escândalo, suas contas ruíram. Edílson lançou um livro com
sua versão dos fatos, sem sucesso. Investiu cerca de R$ 70 mil em
máquinas de sorvete expresso, mas o negócio não vingou – precisou se
desfazer delas pela metade do preço.
Sem formação, começou a perambular por trabalhos que pouco lhe
pagavam. Em sua carteira de trabalho, anotações como balconista,
auxiliar de produção e conferente. O salário mais alto, de R$ 900.
Recentemente, conseguiu trabalhos temporários em empresas de
logística. Está desempregado há três meses. A mãe recebe cerca de R$
1.500 de aposentadoria.
Ele não credita a dificuldade aos eventos do passado, mas à idade
avançada.
– A maioria (das recrutadoras) não sabe o que aconteceu. Muitas são
mulheres, não gostam de futebol, muito menos vão lembrar de um
árbitro. O que pesa é a idade. Recentemente fui disputar duas vagas,
e o concorrente mais velho tinha 28 anos, eu tenho 52 – lamenta.
Desempregado há três meses, Edílson vive com a mãe, numa casa
simples em Jacareí. Durante a separação de sua ex-esposa, foi
acusado de violência e obrigado a deixar o imóvel que dividiam. Hoje
ele a processa e cobra o pagamento de R$ 500 por mês de aluguel.
Edílson diz que recebeu ligações para que apitasse jogos amadores.
Um ex-companheiro,Oscar Roberto Godói, convidou-o para atuar em
torneios de Showbol – evento que reúne ex-atletas –, mas recusou.
– Não dava. Não era por causa de dinheiro, foi o dinheiro que acabou
com a minha vida. Mas eu precisava colocar a cabeça no lugar. Nem
hoje eu aceitaria, por dinheiro nenhum, apesar de estar sem
dinheiro.
Foi a crise financeira, em sua opinião, que decretou também o fim de
seu casamento.
– Acabou o dinheiro, acabou o amor – diz.
A separação foi conflituosa. Hoje Edílson enfrenta a ex-mulher,
Márcia, nos tribunais. Pede que ela lhe pague R$ 500 mensais como
aluguel pela casa em que viviam juntos – ela ainda mora no imóvel
com a única filha do casal, Mariana.
Antes, porém, Márcia acusou o então marido de violência. Em
fevereiro de 2013, registrou boletim de ocorrência na Delegacia de
Defesa da Mulher de Jacareí em que descrevia ameaças e dizia temer
"por sua integridade física". No documento, relata que
Edílson
tentava “fazer sexo forçado”, e que ele efetuava disparos com
revólver no local.
Edílson admite os tiros, mas diz que os fez quando a mulher e a
filha estavam fora, em Caraguatatuba. Foram dois, e o segundo tinha,
como endereço, sua própria cabeça.
Apontei a arma para mim mesmo, mas não tive coragem, e atirei no
sótão. Ainda me arrependo de não ter feito
Edílson Pereira de Carvalho,
sobre tentativa de suicídio
– Eu tinha bebido, estava desanimado com tudo, dei um tiro na
parede. Depois, apontei a arma para mim mesmo, mas não tive coragem,
e atirei no sótão. Ainda me arrependo de não ter feito – afirma o
ex-árbitro, numa das poucas vezes em que pareceu emocionado na
entrevista.
O episódio fez com que Márcia procurasse a Justiça, que lhe concedeu
medidas protetivas. Edílson tinha que deixar a casa e se manter
afastado dela em pelo menos 100 metros.
O imóvel ainda está em disputa. Márcia demonstrou interesse em
adquirir a parte de Edílson por R$ 115 mil, mas recuou por conta de
uma penhora em nome de Reinaldo Carneiro Bastos, atual presidente da
FPF. O cartola já conseguiu a condenação do ex-juiz e uma
indenização de cerca de R$ 35 mil por danos morais – ele reclama de
ofensas em entrevistas. Em abril, a 10ª Câmara de Direito Privado de
São Paulo publicou decisão favorável a Edílson e cancelou o
bloqueio.
A reportagem foi até a casa de Márcia, mas ela se recusou a falar
sobre o assunto.
FOGO NAS FITAS
Sem trabalhar, Edílson costuma acordar cedo. Levanta às 5h para ver
o noticiário da região de São José dos Campos, principal cidade do
Vale do Paraíba. Há algumas semanas, acompanhou as primeiras
notícias sobre o escândalo de corrupção da Fifa.
– No mesmo dia, minha filha veio aqui e perguntou, preocupada, se
mexeriam comigo novamente. Disse a ela que não, uma coisa não tinha
nenhuma relação com a outra. Eu sou só um grão de areia nesse
deserto – diz Edílson.
O futebol não deixou a rotina do ex-árbitro. Ele assiste a muitos
programas esportivos – citou o apresentador André Rizek, do SporTV,
um dos autores da reportagem que revelou o que esquema da Máfia do
Apito, na "Veja", uma dezena de vezes.
Edílson gosta do futebol europeu, especialmente dos campeonatos
Inglês e Espanhol. Elogia os argentinos por suas torcidas, mas
critica a violência nos torneios disputados no país vizinho. E não
demonstra entusiasmo com o que é jogado no Brasil.
– O Campeonato Paulista não dá para acompanhar, é um lixo – diz.
Pela TV, Edílson analisa a atuação dos árbitros e reclama do excesso
de cartões amarelos por reclamações
|
Quando se senta diante da TV para ver uma partida, presta atenção no
juiz e faz suas avaliações. Acredita que os atletas extrapolam nas
reclamações, mas não concorda com a determinação recente que
resultou no aumento de cartões por essas atitudes.
– Hoje o (Guilherme) Ceretta é o melhor (juiz) de São Paulo, mas é
muito vaselina, passa a mão no jogador, conversa. O Valdivia não
terminaria um jogo comigo apitando. Mas agora já está um exagero (as
punições por reclamações), não usam o bom senso. O Vanderlei
Luxemburgo me dava muito trabalho, mas mesmo assim só o expulsei uma
vez.
Edílson joga futevôlei e freqüenta a sauna num clube de Jacareí,
onde chegou a trabalhar como balconista.
Durante a semana, vai ao clube Trianon, onde joga futevôlei às
quartas e domingos. Também freqüenta a sauna do lugar – foi ali onde
trabalhou como balconista, convidado por um amigo, que pouco depois
perdeu a concessão do espaço.
Ele tinha o hábito de ver as partidas em que atuou, gravadas
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em fitas VHS. Não suportou.Reuniu todas, levou a um terreno baldio,
encharcou de gasolina e ateou fogo. |
Edílson queimou as fitas com seus jogos num terreno baldio
– Eu tinha quase tudo gravado. Assistia e chorava. Mas agora eu me
arrependo, gostaria de rever aqueles dois
Corinthians x Palmeiras, de 2000 – lamenta, quando a voz volta a
ficar trêmula.
Edílson, então, se levanta, oferece um copo de água, e agradece a
visita inesperada. Precisava ir ao mercado, antes do almoço, comprar
chás. Não os encontrou na feira.
Globo.com
Apitonacional, compromisso só com a verdade! |