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Sempre rígido dentro de campo,
Daronco mostra-se uma pessoa tranqüila fora dele -
Crédito: Lula Helfer |
Por: CRISTIANO SILVA -
Gazeta do
Sul
Considerado um dos melhores árbitros
do futebol brasileiro, o gaúcho Anderson Daronco é conhecido pela
sua rigidez em campo. A seriedade demonstrada nas partidas fez dele
um dos juízes mais respeitados pelos jogadores. A alta estatura, o
porte físico avantajado e a cara de mau também ajudam a dar uma
“intimada” nos boleiros. Mas a verdade é que essa austeridade dentro
das quatro linhas não se mostra fora delas.
O santa-mariense, que completa 39 anos no próximo domingo, é
boa-praça, gente boa. Veio para Linha Nova, interior de Santa Cruz
do Sul, no domingo passado, para apitar a decisão do Municipal entre
São Martinho e Pinheiral porque gosta de estar no ambiente de
futebol, seja do amador, do Gauchão, Copa do Brasil, Brasileirão,
Libertadores, Copa América ou mesmo das Eliminatórias da Copa do
Mundo.
Antes da decisão, que rendeu o título de campeão ao São Martinho,
Daronco concedeu uma entrevista exclusiva à Gazeta do Sul. Contou
que se tornou árbitro de futebol por acaso. Também falou sobre o
polêmico VAR, possibilidade de ir ao Mundial do Catar, em 2022, fim
de carreira e sobre a fama de “juiz fortão”, apelido que ganhou na
grande mídia esportiva e algo que, segundo o próprio, ajudouo no
início da carreira.
Gazeta do Sul – Como teve início a sua
carreira de árbitro?
Anderson Daronco – Joguei
handebol dos 10 aos 21 anos e nunca tive a pretensão de ser árbitro
de futebol. Fiz um curso sobre isso em 1999, quando ainda estudava
Educação Física na Universidade Federal de Santa Maria, somente para
cumprir uma carga horária que era obrigatória em atividades extras.
Só que depois comecei a apitar jogos de crianças, veteranos, um que
outro amador, para tirar um troco. Como era estudante, mal tinha
dinheiro para almoçar no restaurante universitário, então, a partir
desses jogos que apitava, comecei a almoçar melhor, comprar um que
outro livro que faltava, um tênis melhor, pude ir para as festas sem
ter que pedir dinheiro para o pai ou a mãe, podia tomar minha
cerveja sem ter que ficar pedindo gole para os outros, então segui.
Larguei a carreira de professor para me dedicar exclusivamente à
arbitragem.
GS – Qual o seu objetivo na carreira?
AD – Procuro criar objetivos
pequenos que podem ser alcançados logo ali na frente. Pouco a pouco
busco conseguir ultrapassar esses objetivos e, à medida que a gente
vai conseguindo alcançar, vai se apaixonando pela função. As pessoas
que estão no meio sabem e comentam que a arbitragem é uma verdadeira
cachaça, que depois que tu prova, não larga mais. E a prova disso é
hoje (domingo) estar aqui, quando, depois de um ano bastante cheio,
eu poderia estar com os pés para cima, bem tranquilo tomando uma
gelada, mas estou aqui porque gosto desse meio. Se não tenho jogo
para apitar no domingo de tarde eu fico doente, louco em casa.
GS – Qual sua ligação com o futebol amador?
AD – Tenho um carinho muito
grande em virtude das primeiras partidas que apitei terem sido no
futebol amador. A gente não cai de paraquedas em um Maracanã, um
Morumbi, uma Bombonera. A gente começa aqui, e esse é o principal
ponto de formação de um bom árbitro de futebol. Então, sempre que eu
tenho oportunidade, retorno para buscar mais aperfeiçoamento. Aqui
em Santa Cruz é sempre bom. Tenho só boas histórias, mesmo porque
até hoje não precisei correr de ninguém, pular o alambrado e ir para
o milharal. Sempre fui muito bem recebido e é difícil ter um campo
aqui em que eu não tenha apitado.
GS – E essa fama de “juiz fortão” que te
colocaram?
AD – Essa fama de fortão só
engana. Deu pra ver que sou normal, não tenho nada de mais. Quando
os jogadores vêm reclamar eu dou uma segurada, estufo o peito,
prendo a respiração, abro as asas e surte um efeito. Brincadeiras à
parte, isso me ajudou muito no início da carreira. Justamente por
ser algo diferente da grande maioria dos árbitros, acabou chamando a
atenção. A imprensa também tratou isso de maneira positiva e essa
mídia ajudou com os próprios jogadores. Mas essa não é a fórmula
para obter respeito dos atletas, senão qualquer pessoa poderia fazer
uma musculação na academia e sair apitando os jogos.
GS – Qual o jogo mais marcante que apitou?
AD – São muitos jogos e é
difícil elencar. Para a minha felicidade, apitei todos os grandes
clássicos do futebol brasileiro, o que me envaidece muito. Também
apitei alguns clássicos em nível sul-americano. Mas se fosse para
escolher um, seria a partida entre Equador e Argentina pelas últimas
Eliminatórias da Copa do Mundo. Era um jogo decisivo para a
Argentina: se não vencesse, o Messi não iria para a Copa, e era o
mundo inteiro assistindo a essa partida. Os argentinos venceram por
3 a 1, com três gols do Messi. Esse jogo foi muito marcante para
mim.
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Gaúcho apitou partida que garantiu a
Argentina, de Messi, na Copa do Mundo de 2018 - Crédito:
Getty Images |
GS – Ainda
pretende apitar uma Copa do Mundo?
AD – Para a Copa do Mundo existe
um processo de disputa. Não é algo que coloco como última coisa da
carreira, mas será excelente se acontecer. Assim como tenho esse
sonho, outros colegas de qualidade também têm. É um processo de
quatro em quatro anos e há muitos fatores determinantes para levar
um árbitro a uma Copa do Mundo, assim como o gosto pessoal de quem,
no momento, tem a caneta para definir, o que é algo que a gente
precisa entender e respeitar.
GS – Qual a sua opinião sobre o VAR? Em uma
das partidas que você apitou no Brasileiro deste ano, entre Avaí e
CSA, um lance gerou polêmica e causou até um pedido de anulação do
jogo.
AD – Tem lances no futebol em
que é muito claro se é ou não é infração. E lances intermediários,
que se você marcar para qualquer lado, um vai reclamar. Nesse jogo
específico, um dos lados não achou que a marcação do pênalti através
do VAR foi correta, e reclamou. Mas, se não tivesse marcado, seria o
outro lado que protestaria. Muitas vezes a gente fica na mão de quem
forma a opinião e, a partir daí, nasce toda a polêmica. Creio que o
VAR veio para corrigir muitos dos erros grosseiros que acontecem no
futebol, mas existem coisas que, mesmo com o VAR, vão continuar
levantando polêmicas. Penso eu que a grande maioria desses erros,
como impedimentos, cartões vermelhos para agressões e outros, vêm
diminuindo drasticamente, o que vem tornar o futebol mais limpo.
GS – Hoje você tem 38 anos e chega aos 39
no domingo que vem. Até quando pretende apitar?
AD – Vou apitar até meu corpo
aguentar e nem sei se está aguentando tanto assim. Antes havia um
limite de 45 anos para apitar profissionalmente. Hoje não existe
mais esse, mas há o limite do corpo. A gente vem atuando em alto
nível desde os 32 anos e haverá um momento, quando chegar aos 40 e
poucos anos, que o corpo vai apresentar sinais de cansaço. Nossa
baliza é a resposta em campo, nas provas físicas que precisamos
passar e em que, em algum momento, o corpo vai acabar falhando.
Vamos torcer para que a minha durabilidade se estenda um pouco mais.