Entrevista

Dunga: "Não pisem no meu calo"

O técnico da Seleção conta como domou as estrelas do time, superou o estigma de inexperiente e o que fará para vencer a Copa.

Patriota, Carlos Caetano Bledorn Verri, o "Dunga", 46 anos, perde a estribeira quando falam mal do seu país. Nascido em Ijuí (RS), casado com Vanda e pai de três filhos, ele não foge à luta e nem de pergunta nenhuma. No assunto futebol, tem autoridade. Estreou como técnico aos 43, já no comando da Seleção Brasileira. Participou de três copas e foi campeão do mundo como jogador, tendo levantado a taça nos Estados Unidos, em 1994.

Como treinador, coleciona os títulos da Copa América, em 2007, e da Copa das Confederações, neste ano, além de conquistar a primeira colocação nas eliminatórias sul-americanas para a Copa de 2010, na África do Sul. Mantém perfil de liderança que o fez ser capitão quando atleta no comando do time nacional e em todas as esferas de sua vida. Até no condomínio onde mora, em Porto Alegre. "Já me procuraram para resolver problemas de segurança, de matrícula de criança em escola e outras reivindicações", conta. "Tento ser conciliador. Não adianta fazer gritaria, tem de conversar." Foi com muito papo que ele driblou várias pressões nesses três anos no cargo. E mostrou aos jogadores que, apesar da fama de bravo, trabalhar com ele não assusta.

ISTOÉ - O sr. tem sono tranquilo antes dos jogos?
Dunga - Antes das partidas, durmo tranquilamente. Não durmo depois, por conta da adrenalina. Fico deitado na cama, com a tevê ligada até 3h, 4h, mas é o filme do jogo que fica passando na minha cabeça.

ISTOÉ - Por que o sr. se irrita tanto nas entrevistas?


Dunga - Não tem como me controlar. Saio de um jogo, de uma guerra, sabendo da expectativa de 180 milhões de pessoas. Já vi muito cara falar que eu tenho de sorrir. Claro, dentro de casa, tomando vinho sentado, eu também pensaria a mesma coisa! Me cobro, às vezes, para deixar para lá e não responder a certas perguntas. Mas aí eu não iria ser feliz.

ISTOÉ - De um a dez, qual a chance do Brasil na Copa da África do Sul em 2010?
Dunga - O Brasil sempre será um dos favoritos. Para termos sucesso, nosso trabalho será dar privacidade para a Seleção treinar. O treino é a hora de fazer ajustes, de arriscar, de o jogador colocar em prática sua criatividade. Se tiver três mil pessoas gritando em volta (como ocorreu em Weggis, cidade suíça onde o Brasil fez a preparação para a Copa de 2006), a equipe acaba perdendo a concentração. Na Copa das Confederações (vencida pelo Brasil neste ano, na África do Sul), a gente liberou um treino. Aí, falaram: "Weggis voltou." Trancamos o treino seguinte e chiaram. Qualquer decisão que você toma na Seleção será contestada em 50%.

ISTOÉ - O ex jogador e atual comentarista Falcão, que já dirigiu a Seleção Brasileira, fez críticas ao seu trabalho. O que o sr. pensa sobre isso?
Dunga - Não tenho nenhuma mágoa do Falcão. O professor (Paulo) Paixão (preparador físico da Seleção) diz:

"Quando te dão a chave da casa, tu és quem entras e sabes o que tens de arrumar." Cada um teve a sua oportunidade na vida e tem de saber aproveitá-la. O que não posso é, quando sair daqui, ficar criticando os outros que estão entrando se, quando eu estive aqui, eu não fiz! Digo para os jogadores aproveitarem os 5, 10, 40 minutos que jogarem, porque depois que passar a chance, não adianta falarem que eram melhores que fulano.

ISTOÉ - Como montou a Seleção do Dunga e não a da Globo, do Kaká, do Lula ou do Ricardo Teixeira?
Dunga - Eu montei a Seleção Brasileira. Busquei jogadores competitivos e com qualidade técnica. Montamos uma base, com jogadores com experiência, e, aos poucos, com a espinha dorsal pronta, fomos dando oportunidade para todos jogarem.

ISTOÉ - O sr. e o Jorginho, seu auxiliar, têm uma empatia grande. Temos uma Seleção com dois técnicos?
Dunga - Não. É um técnico só. É uma comissão técnica formada por uma cabeça, que sou eu, com membros que me orientam.

ISTOÉ - O presidente da CBF, Ricardo Teixeira, reclamou de jogadores que bebiam e estavam fora do peso em 2006. Há regalias, hoje, na Seleção?
Dunga - Comigo as coisas são bem mais simples. A Seleção é mais importante do que todos. Se alguém quer alguma vantagem, respeito, ascensão sobre o grupo, tem de conquistar dentro do campo. Não dou nada a ninguém, não é treinador que dá vantagem ou reconhecimento ao jogador. Aqui é regra básica: todo mundo se apresenta no mesmo dia, dorme e acorda no mesmo horário.

Não existe o famoso jeitinho, o levar vantagem em tudo. Um jogador já me falou: "Bom, se vai ser igual para todo mundo, que bom."

ISTOÉ - Antes de o sr. assumir, a Seleção vivia uma Globodependência, uma vez que a emissora carioca tinha acesso ao time a qualquer hora?
Dunga - Acho que não. Sabe quando tu tens um sapato velho e, mesmo que ele te machuque, tu entortas o pé, mas ficas nele? Só que aí chega um cara e muda tudo. Quer dizer, não mudei nada. Fiz as coisas voltarem a ser como deveriam ser. Eu respeito qualquer profissional. Claro, tenho simpatia por um e por outro, mas não sou um cara de sair jantando com os caras (jornalistas). Posso até fazer, mas jamais por interesse. Só que muitos acham que treinador da Seleção tem de atender todo mundo, ser sempre simpático. Não sou agente de turismo!

ISTOÉ - Como funciona hoje?
Dunga - Entrevista de jogador é antes do treino. Treinador fala na coletiva. E acabou! Aí dizem que não deixo a turma trabalhar. Eu deixo, mas agora tem seu horário. Alguns caras perderam privilégios ou quiseram me testar, já que eu era novo lá. E venderam a imagem de que eu era um cara chato, mal-humorado. Aí veio a história da minha roupa, do meu jeito de falar... Só que é o seguinte: eu gosto de ordem!

ISTOÉ - O sr. se veste bem?
Dunga - Me visto normal. Só vesti uma camisa mais extravagante. Ficaram em cima desse episódio e minha filha (estilista, que comprava as roupas para o pai) virou teimosa, isso, aquilo. Não gosto de usar gravata em jogo, porque fico muito agitado. Prefiro calça e camisa confortáveis, que não atrapalhem a movimentação. Não gosto de agasalho. Se ele não for feito na medida, fica grandão, e me sinto dentro de um saco de batata.

ISTOÉ - Importa para o sr. o que o jogador faz fora do campo?
Dunga - Dentro da Seleção, se o cara cometer um erro, tem de me falar, não quero saber por terceiros. Agora, não tenho como ficar controlando na casa, no clube dele. Falo com os atletas por telefone, eles me ligam até para assuntos pessoais. Felizmente, não tivemos problema com nenhum. Mas no Brasil queremos que o jogador seja exemplo para tudo: tem de ser inteligente, o melhor na escola, falar português corretamente. Só que nós viemos de uma classe menos favorecida e não tivemos tempo de estudar. Não estou dizendo que esteja certo o jogador que faz besteiras. Mas eu me pergunto: e os outros?

Temos de desmistificar algumas coisas, como o fato de um jogador comprar um carro quando ganha algum dinheiro. Fazer isso é uma ascensão social, como é para o médico e o arquiteto.

ISTOÉ - O Kaká foi enquadrado pelo sr. quanto ao lugar dele na Seleção. Acredita que, hoje, ele pediria dispensa de um torneio, como fez na Copa América, em 2007?
Dunga - Tu vês algum jogador pedir dispensa agora? Eu esperava contar com o Kaká naquela que foi a primeira competição oficial nossa, mas tudo é questão de as pessoas irem te conhecendo. Nós fomos conversando com o Kaká e explicamos que não é apenas uma questão técnica, de ele jogar ou deixar de jogar. É a imagem dele, o quanto ele é importante para os jogadores menos experientes. Ele é uma pessoa inteligente e foi tranquilo.

Com conversa todo mundo começa, não digo a pensar da mesma forma, mas a ter o mesmo objetivo.

ISTOÉ - O Ronaldinho Gaúcho foi convocado para a Olimpíada em rede nacional pelo Ricardo Teixeira, presidente da Confederação Brasileira de Futebol (CBF). Presidente pode convocar jogador?
Dunga - O presidente já tinha falado com a gente antes. Tínhamos nos reunido e traçado a preparação da Seleção olímpica. O presidente me perguntou se ainda pensava no Ronaldinho na Seleção principal. E eu falei que sim. Ninguém tirou o chapéu de ninguém.

ISTOÉ - Pensa ainda no Ronaldinho?
Dunga - Lógico, ele é um jogador diferenciado. Depende dele. Quero contar com os melhores. Mas nossa Seleção deixou de ser apenas uma questão exclusivamente técnica. É uma questão de competitividade e comprometimento.

ISTOÉ - O presidente Lula presenteou o presidente dos EUA, Barack Obama, com a camisa do Brasil. Na mesma época, porém, ele elogiou a seleção da Argentina. Como se sentiu?
Dunga - Cada um tem a liberdade de torcer para o time que quiser. Lógico, pensávamos que o presidente iria nos apoiar no momento em que não estávamos tão bem. Mas eu não posso querer que o presidente pense como o Dunga. Uma minoria tem espaço para falar na mídia, mas, com certeza, há quatro vezes mais pessoas que torcem por nós e não têm espaço para falar. Falo para o time: "Não adianta ficar chorando, pedindo ajuda. Temos que resolver nossos problemas, jogar para quem gosta da gente, para os nossos familiares." Eu sou bicho do mato. Quando sou ferido, vou para o mato lamber minha ferida para voltar para a guerra de novo. O meu mato é minha casa, são os meus amigos.

ISTOÉ - O sr. consegue reproduzir o momento em que foi procurado para ser técnico da Seleção?
Dunga -
Eu estava com a minha família em um restaurante japonês. O presidente Ricardo Teixeira me ligou e convidou para conversarmos sobre futebol. Brinquei com meus filhos: "Ó, vou ser treinador da Seleção Brasileira." Mas na hora pensei que seria chamado para algum outro cargo.

ISTOÉ - Como se define como pai (ele tem três filhos, Gabriela, 23 anos, Bruno, 21 e Mateus, 2)? Dunga - Sou ciumento, possessivo, cabeça dura. Acho que é a parte alemã, italiana. Tenho um monte de defeitos. E não aceito "não" como resposta. Se alguém me falar que não dá para fazer tal coisa, ah, eu me mato, fico sem comer, sem dormir, até conseguir. Eu sou boa gente, mas não pisem no meu calo.

ISTOÉ - Ao final da Copa, o sr. seguirá no cargo?
Dunga - Ser técnico da Seleção é muito legal, estou muito feliz. Me enche de orgulho e satisfação saber das nossas conquistas. Se você tivesse me perguntado lá no início se aconteceria tudo isso, eu diria: "Menos, menos." Surpresa não é a palavra, porque tudo só acontece em decorrência do trabalho. E o nosso trabalho é bom. Mas pretendo sair (da Seleção) e dar oportunidade para outra pessoa.

Fonte: Rodrigo Cardoso - www.terra.com.br/istoe/edicoes/2087

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