“Divido a carreira do árbitro
em três momentos: ele apita onde deixam, apita onde ele quer, e apita onde
ele gostaria. Quando chegar à plenitude, é necessário ter consciência e
retornar para casa, não sendo apenas mais um”, afirmou nesta entrevista
concedida à Universidade do Futebol.
Antes, ele carregou o apito
em quadras de basquetebol, de 1957 até 1968, atuando no departamento de
Educação Física e Esportes de São Paulo, FIBA, CBB, FPB, Confederação
Brasileira de Desportes Universitarios e Circuito de Baloncesto Superior de
Puerto Rico. E não tem dúvidas em garantir que o esporte coletivo mais
popular também é o mais fácil de ser arbitrado.
Por que, então, os árbitros
erram tanto? O experiente árbitro aponta que muitos de seus companheiros
simplesmente estão deixando de lado a singularidade das ações, tornando-se
mais mediadores e relações públicas do que qualquer outra coisa. Vide a Copa
do Mundo de 2010...
“O maior problema que
observamos durante o Mundial na África do Sul em termos de arbitragem foi na
parte psicológica, na área do sentimento. Qualquer atividade humana pode ser
programada sem o envolvimento do sentimento. O futebol, não”, apontou
Mesquita, citando alguns acontecimentos pontuais.
Para ele, no Brasil, o
esporte dito profissional é dirigido amadoristicamente por elementos
passionais e inconsequentes. Essa relação entre árbitros e administradores,
o papel da mulher no futebol, as particularidades do treinamento e a razão
pela qual não se profissionaliza a função também são abordados com mais
profundidade a seguir.
Universidade do
Futebol – Primeiramente, fale um pouco sobre sua formação acadêmica e a
experiência como árbitro e coordenador de arbitragem ao longo de sua
carreira.
Emídio Marques de Mesquita –
Quando eu tinha 11 anos de idade realizei um teste biométrico em que foi
detectada uma lesão em meu coração. Ficou avaliado que eu teria apenas seis
meses de vida. Com isso, não pude participar da prática esportiva nas aulas
de Educação Física em meu colégio. Sem poder jogar basquete, eles me deram
um apito e esse apito mudou a minha vida. Graças a esse erro médico comecei
a apitar muito cedo em confrontos entre os colégios locais.
Em 1957 fui assistir aos jogos regionais do Vale do Paraíba em Mogi das
Cruzes e, por acaso, acabei apitando uma partida. Depois eles me pediram
para voltar e eu aceitei. Em seguida, o departamento de Educação Física
local abriu um curso de arbitragem em que eu e mais 20 árbitros fomos
selecionados para apitar os jogos abertos do interior em Santo André.
Logo depois, fui convidado
para apitar pela Federação Paulista. Já com 16 anos, o Brasil me propôs para
ser árbitro internacional de basquete. Como não existia uma idade limite e
não me aceitavam como árbitro internacional, acabei apitando todos os jogos
possíveis até chegar às Olimpíadas de Tóquio, onde atuei na final do
basquete entre Estados Unidos e Rússia.
Minha transição para o futebol aconteceu quando fundei a primeira escola de
arbitragem para futebol, em Jacareí, na Liga Municipal de Futebol. Até lá eu
só apitava na várzea, pois era um autodidata. Mas foi durante uma crise da
arbitragem paulista na Era Pelé, quando o Corinthians perdeu o título
estadual para o Santos e exigiu uma reformulação no quadro de árbitros para
que participasse da edição seguinte, que eu realizei o curso da Federação
Paulista de Futebol. Em janeiro de 1968, um grupo de escoteiros com árbitros
selecionados dos demais esportes, liderados por Arnaldo César Coelho,
comandaram o Campeonato Paulista.
Mais tarde, quando a CBD (entidade que comandava cerca de 20 modalidades
esportivas), atendendo a uma resolução da Fifa, criou a primeira relação
nacional de árbitros, a primeira comissão nacional de árbitros e o
Campeonato Brasileiro, eu passei a exercer minha função em âmbito nacional.
Com a criação da categoria de árbitros aspirantes à internacional, para
forçar a classe a manter um bom nível, acabei evoluindo para esta categoria,
atuando na Libertadores, em amistosos e nas Eliminatórias da Copa do Mundo.
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Durante entrega de
prêmios para destaques de edição do Campeonato Paulista, Emídio
Marques de Mesquita (no alto, à esquerda) é eleito o melhor árbitro da
competição
Universidade do
Futebol – Como se dá a relação entre a Fifa e a International Board,
desde a sua criação?
Emídio Marques de Mesquita – A International Board
foi criada antes da Fifa, há 124 anos, em uma taverna com
representantes de Escócia, Inglaterra, Suécia e Países de Gales. Nesta
reunião foi adotada a regra de Cambridge como um padrão internacional.
Mais tarde, em 1913, nove anos após sua criação, a Fifa acabou
entrando como quinto elemento deste sistema, que realizava apenas uma
reunião anual, diferente das duas realizadas atualmente. |
Na verdade, a International
Board não está registrada em nenhum cartório no mundo. Ela é apenas um
estatuto.
Nas reuniões ministradas em março, chamadas de Assembléias Gerais, são
convocados quatro delegados de cada membro. Ou seja, 16 britânicos e mais
quatro da Fifa. Em outubro, tendo a Fifa como sede fixa, é realizada a
Reunião de Trabalho com apenas um representante de cada membro. Nestas
discussões, cada membro apresenta suas propostas para a alteração da regra
com a devida justificativa, que entra em votação.
A partir da gestão de João Havelange, a Fifa passou a arcar com todas as
despesas das reuniões.
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Mesquita compôs quadro
internacional da Fifa e hoje atua como instrutor de arbitragem da
entidade: contato com Havelange e Blatter
Universidade do
Futebol – Os equívocos da arbitragem na Copa do Mundo da África do Sul
fizeram retornar a pressão pela introdução de inovações tecnológicas
que venham a minimizar os erros de arbitragem. Qual a sua opinião
sobre o tema? Quais os benefícios e desvantagens que esta medida pode
trazer à modalidade?
Emídio Marques de Mesquita – Porque não se chegou uma
conclusão até hoje, por exemplo, na introdução de um sistema que
detecte a entrada da bola no gol? Por uma razão simples. No tênis a
bola atinge uma superfície plana; no futebol, é vertical. Tentaram com
o chip na bola, mas não foi suficiente. |
No Campeonato Mundial Sub-17,
no Peru, houve uma tentativa frustrante deste sistema.
Quando começou o futebol, não
havia rede e existia um assistente para avaliar se a bola tinha realmente
entrado no gol. Com a chegada das redes, eles viraram bandeirinhas. Agora,
Platini está promovendo a volta destes, o que aumenta muito o custo.
Sobre a utilização de replays pela arbitragem, a International Board não
aceita, pois não se pode utilizar este mecanismo em todos os jogos do mundo.
Portanto, é uma proposta natimorta.
O que não está previsto na
regra tem que estar administrativamente contido no regulamento das
competições. Assim, ele complementa as regras no aspecto administrativo. E o
que não está previsto nos dois, deve aparecer nos códigos judiciais
esportivos.
Por exemplo, a regra do jogo
não diz que o campo tem que ter grama, ou que o árbitro deve usar um apito.
Esses pontos devem estar estabelecidos no regulamento da competição.
Quanto à parte disciplinar, a
Fifa tem o seu código internacional, mas cada entidade tem a sua. Na Copa do
Mundo, com dois cartões amarelos um jogador é suspenso. Já no Campeonato
Brasileiro, que segue as normas da CBF, são necessários três.
Universidade do
Futebol – De que maneira o senhor avalia a participação dos árbitros durante
a Copa do Mundo de 2010?
Emídio Marques de
Mesquita – Tudo o que aconteceu serve como parâmetro de avaliação.
Mas cabe uma pergunta mais genérica, a todos: por que os árbitros erram?
Dividimos a arbitragem em
quatro pedestais: a parte técnica, a parte física, a parte administrativa e
a parte psicológica. A primeira se refere às regras, aos regulamentos e aos
códigos. É a própria razão.
O maior problema que
observamos durante o Mundial na África do Sul em termos de arbitragem foi na
parte psicológica, na área do sentimento.
A parte administrativa já
está na internet, como informação. A parte física é mantida por conta do
planejamento realizado pela Fifa e seus critérios pré-estabelecidos.
O torcedor não aceita que o
árbitro erre, pois ele só vê o lado do time dele no jogo. A imprensa é
tendenciosa. Aceitamos que o erro sempre irá existir, dentro de alguns
limites. O que nós não aceitamos é o dolo. E estudamos mecanismos para
tentar fazê-lo errar menos.
Fato novo é aquilo que
aconteceu pela primeira vez e você não sabe como resolver. O grande problema
dessa Copa: a bola entrou [jogo entre Argentina e Alemanha]. Todos estavam
treinados para aquele momento, mas os dois responsáveis pelo lance não
viram. O mesmo vale para o jogo entre Argentina e México.
Houve uma falha de razão na
mecânica de arbitragem e uma falha de sentimento. Toda ação determina uma
reação, e a situação determina a ação. Se existe uma manifestação coletiva,
e não apenas uma reclamação particular, a percepção fica clara.
Na minha vida, tive três
fases simultâneas. Uma fase como engenheiro, outra como professor, e outra
como árbitro. Essas três se interligavam de uma mesma forma: que se dane o
mais próximo. E este era eu.
Se um funcionário da obra
dormisse durante o expediente e depois pudesse cobrar as horas de serviço,
ele o faria; se o aluno colasse durante a prova e depois pudesse reivindicar
uma boa nota, ele o faria; assim como o jogador, se pudesse fazer um gol de
mão, ele faria.
Sempre tive que sobreviver a
esses três pontos de pressão com naturalidade. As pressões existentes são
internas e externas: do jogador para o árbitro, do banco de reservas para o
árbitro, da imprensa e da torcida para o árbitro.
Esse universo mexe com o
sentimento. Qualquer atividade humana pode ser programada sem o envolvimento
do sentimento. O futebol, não. No Brasil, costumo dizer, esse esporte é dito
profissional, dirigido amadoristicamente por elementos passionais e
inconsequentes. Se fosse minha empresa, teria de fechar ontem, pois só daria
prejuízo. E é uma realidade que já perdura 50 anos.
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Rossetti e assistente
são pressionados por jogadores no duelo entre México e Argentina e
Neuer observa bola ultrapassando a linha em chute de Lampard; erros no
Mundial são explicados
Universidade do
Futebol – O senhor acredita que a formação de árbitros ligados às
ciências humanas possa minimizar o número de problemas e,
consequentemente, a resolução destes durante uma partida de futebol?
Emídio Marques
de Mesquita – A Universidade Federal do Paraná foi a primeira
a tratar sobre esse tema da formação acadêmica. Criou-se um curso
elitista de arbitragem. Eles achavam que se todos os árbitros tivessem
um título universitário, seria criada uma nata privilegiada, e os
problemas estariam resolvidos. |
Não, o árbitro de sucesso não
é aquele que está na universidade, mas o que está no povo. É aquele que sabe
resolver um problema. A figura do árbitro nasceu justamente diante desta
necessidade, baseado na confiança e na independência.
Esse cidadão é aquele que tem
uma média nos quatro aspectos principais. Não posso ter um grande fundista,
e um péssimo psicólogo. Ele tem de ter um denominador comum. E o grande
árbitro é aquele que tem uma regularidade de atuações, nas quais ele
consegue suplantar os atos novos e resolver os principais problemas.
Só há um problema quando você
pode resolvê-lo. Toda vez que isso não é possível, o problema não pertence à
sua esfera. O problema não existe quando não há respostas. O homem que sabe
resolver suas adversidades familiares e cotidianas é o homem ideal à
arbitragem.
Quando ele tem sua
personalidade formada e sua atividade profissional não interfere na
arbitragem, ele está pronto para ser um árbitro de sucesso. Por conta disso
consideramos que a idade ideal para todo árbitro internacional é entre os 35
anos e os 45 anos. Ele está na plenitude de sua realização profissional e
maduro o suficiente para exercer a nova função.
Hoje o futebol possui uma
velocidade diferenciada. E nosso questionamento não se baseia mais na
avaliação física, mas na faixa etária justamente por conta disso. Aquele de
46 anos muitas vezes se acomoda e acredita que possui direitos adquiridos,
sem nada mais a crescer.
Arbitragem não é hobby e nem
emprego: é vocação. Ela está condicionada àqueles dois postulados, que são a
confiança e a independência.
Divido a carreira do árbitro
em três momentos: ele apita onde deixam, apita onde ele quer, e apita onde
ele gostaria. Quando chegar à plenitude, é necessário ter consciência e
retornar para casa, não sendo apenas mais um.
Universidade do
Futebol – Qual a diferença entre o árbitro e o “apitador”?
Emídio Marques de
Mesquita – O apitador é aquele que saiu da escola e apita de uma
forma inconsequente. O árbitro é aquele que toma uma decisão que pode
desagradar ao mundo todo, menos à sua consciência.
Entre ambos, existe o
relações públicas, o mediador. É aquele que aplica cartão para o jogador de
um time e para o outro, ele é o bonzinho, sempre querendo estar em evidência
nas escalas para ser prestigiado.
Os erros no último Mundial
estiveram muito ligados à postura “mediadora” da maioria dos árbitros.
Desagradaram a sua consciência, apitaram roboticamente, e geraram uma grande
frustração. Este tem que ir pra casa.
Universidade do
Futebol – Existe um modelo de treinamento específico realizado para os
árbitros de futebol?
Emídio Marques de
Mesquita – Quando eu atuava, cada país tinha no máximo sete
árbitros internacionais. Estes funcionavam como árbitros e juízes de linha,
que era a terminologia da época. A partir de 1990 após o Mundial na Itália,
alterou para 10 árbitros e mais 10 árbitros assistentes, cada qual em sua
função específica. A cabeça foi disciplinada.
Naquela época, a idade máxima
era 50 anos – agora, 45 anos. Além disso, o referencial era o teste de
Cooper, dos 12 minutos. Hoje é o teste no campo, andando, trotando e
correndo. Muito mais difícil e exigindo bem mais fisicamente.
O trio também era misto em
termos de nacionalidade. Agora, o idioma é o mesmo, sendo que todos têm de
saber falar o inglês. Houve, consequentemente, uma diminuição dos erros,
apesar de não ser o ideal. Por quê?
O problema não está quando a
bola está parada, mas quando ela está em movimento. A velocidade do árbitro
é uma, e a da bola é outra. O árbitro anda no mínimo a 2 metros por segundo
de velocidade. Quando trota, vai a quatro metros por segundo. Num sprint, a
sete metros por segundo. O tempo da bola é imprevisível.
O referencial é: árbitro e
bola têm de correr na mesma direção, sendo que o ser humano precisa manter
uma distância razoável do objeto, para não atrapalhar o desenvolvimento das
ações.
Quanto menos interrupção
houver, melhor o jogo. Temos de estudar, então, esse sincronismo entre todos
os árbitros do mundo, algo muito difícil. NBA e FIBA, por exemplo, já
conseguiram essa homogeneidade. O futebol, não.
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No basquete, Mesquita
deu seus primeiros passos como árbitro principal; dificuldades são
maiores do que no futebol, acredita ele
Universidade do
Futebol – Como é feita a análise do desempenho dos árbitros e a
interação com ele, após a atuação em uma partida oficial?
Emídio Marques
de Mesquita – Todo trabalho pressupõe que se tenha um
controle. E o árbitro tem de saber que está sendo avaliado, para ter
um retorno. Eu analiso o trabalho dele de acordo com alguns critérios
específicos.
Nota 10 é excelente.
Nove é ótimo; oito é muito bom; sete é bom; seis é mais que regular;
cinco é regular; quatro é mais que sofrível; três é sofrível; dois é
mais que insuficiente; um é insuficiente; e zero é nulo |
São seis aspectos. Primeiro, a
personalidade (peso 1). Tenho de responder se o árbitro foi imparcial ou
não. Aquele ponto como ele se livrou das reclamações de jogadores, banco e
público, por exemplo. Necessito escrever a razão de determinada atribuição,
ponto a ponto.
Segundo ponto é a parte
física (peso 2). Analiso a sincronia do árbitro com o jogo, o modo como ele
se situa nas jogadas. Sempre justificando.
Terceiro ponto, de peso maior
(peso 3), é a aplicação das regras do jogo. Ele tem de ter uniformidade de
critérios para que os envolvidos tenham uma noção de como se desenvolverá o
duelo. A aplicação da lei da vantagem também se insere nesse quesito. O
árbitro é o guardião da regra, ele tem o poder disciplinar, e não é o juiz
da questão.
Quarto ponto é a mecânica de
arbitragem. A forma como o quinteto se realiza. No meu tempo, o árbitro
assistente discordava bastante de você. Hoje, parece que é proibido se
pensar diferente. Erra-se igual em detrimento do conserto do erro. O peso é
dois.
O resultado final resulta em
uma média – é o espelho da atuação do árbitro. Mas os jogos são diferentes.
Tenho de ver o grau de dificuldade da partida, em si, com pontos extras
conferidos ao árbitro. Cada um dos itens é justificado. Não é possível se
manipular a informação.
No relatório, ainda cito três
pontos positivos e três pontos negativos da atuação do árbitro. Mando o
documento para a Fifa, que tira uma cópia e envia diretamente para a
residência do envolvido na partida.
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"Nunca me preocupei em
agradar ninguém. E esse tipo de atitude me fez chegar aonde eu
cheguei, sem hipocrisia, com o coração"
Universidade do
Futebol – A medida mais interessante para reeducar o árbitro quando
ele comete uma sequência de erros é o afastamento dele?
Emídio Marques
de Mesquita – Sim, mas a punição do árbitro tem de ser
intramuros. Ele não pode ser meramente exposto e tem de passar por uma
reciclagem específica. Seja em termos técnicos, físicos ou
psicológicos.
Universidade do
Futebol – Como o senhor vê o papel da mulher dentro do mundo da
arbitragem? Quais são as diferenças em relação à situação masculina?
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Emídio Marques de
Mesquita – O problema da mulher está totalmente desvirtuado no
Brasil. No mundo existe futebol feminino, e aqui o desenvolvimento da
modalidade é muito pequeno. Por conta disso, elas foram colocadas para
trabalhar em meio aos homens.
A natureza biológica da
mulher é diferente da do homem. O teste físico da mulher é diferente do
homem. A cabeça da mulher é diferente da do homem. São estranhos no ninho.
Nós estamos andando na
contramão do mundo. Jogos masculinos somente são dirigidos por homens, assim
como são as mulheres quem arbitram os jogos femininos.
A mulher tem uma visão
periférica melhor do que o homem. Por causa da procriação, da cria. Assim,
ela é melhor assistente do que o homem e tem a visão de conjunto.
Geralmente, comete menos erros quando atua nessa função.
Universidade do
Futebol – O senhor teve um início de carreira ligada ao basquete. É possível
traçar um paralelo entre modalidades diferentes e as peculiaridades em cada
tipo de arbitragem? Qual esporte é mais difícil de ser apitado?
Emídio Marques de
Mesquita – O esporte mais difícil de apitar chama-se pólo aquático.
Fora da piscina, você tem de ter noção da “sacanagem” que está ocorrendo
embaixo da água. O requisito para ter um grande árbitro dessa modalidade é
que ele tenha sido jogador de pólo aquático. O mesmo não vale para o
basquete e para o futebol.
Um ex-jogador de basquete ou
futebol vai com o apito na boca e a cabeça de atleta. O jogo conduzido por
esses árbitros acaba tendo um grau de intensidade tão grande, fazendo-os
perder o controle. São permitidas determinadas ações faltosas, por exemplo,
que eles consideravam normais.
Dos esportes coletivos, de
quadra, o mais difícil de apitar é o voleibol. O árbitro fica estático e tem
de analisar situações à distância em que é necessário criar uma uniformidade
de critérios para não desarmonizar o jogo. Ele exige uma concentração e uma
disciplina muito grandes.
Como não existe a vantagem no
basquete e no voleibol, estes árbitros permanecem com o apito na boca.
Diferentemente do futebol. Ele entre para deixar de apitar e permitir a
fluidez do jogo.
A primeira coisa que ele tem
de fazer é ver. A segunda, interpretar. A terceira, sentir. A quarta,
analisar. E a quinta, emitir um sinal. Se um desses tópicos não acontecer em
uma fração de segundo, o raciocínio dele está errado.
Tive uma experiência na final
da Copa Intercontinental de Clubes de 1971, entre Panathinaikos, da Grécia,
e Nacional, do Uruguai. Ouço um barulho, mas não vi o lance. Senti que o
jogador havia quebrado a perna. Me virei, e apliquei o cartão vermelho ao
adversário que estava próximo, em pé.
No jantar, à noite, o húngaro
Puskas, que era treinador do Panathinaikos, dirigiu-se até mim e me disse
que pensava que eu estava louco por ter expulsado o jogador. “Como você o
expulsou?”. E eu respondi: “pelo barulho”. Isso é sentir. Analisar é o
princípio da ação e reação. A situação determina a ação, e não o inverso.
Universidade do
Futebol – Mesmo com toda a importância que tem o futebol na atualidade, a
arbitragem ainda não pode ser considerada como profissão, já que são
necessárias atividades paralelas para garantir o sustento de um árbitro.
Quais as dificuldades criadas com esta situação? O que pode ser feito para
alterar este contexto?
Emídio Marques de
Mesquita – Na última Copa do Mundo, ao pé da letra, tínhamos apenas
um árbitro profissional, ligado à federação inglesa, que é o Howard Webb. Em
1995, o Blatter enviou uma circular para todos os países do mundo, à época
eu estava na CBF, para que pensássemos sobre a profissionalização da
arbitragem. Em 15 anos não se encontrou uma solução, por vários aspectos.
A legislação trabalhista na
Argentina é diferente da encontrada no Brasil, que também é diferente da
inglesa. E surge uma pergunta: quem é o patrão do árbitro?
A Fifa diz que apenas usa os
árbitros das entidades associadas a ela. A CBF, por exemplo, diz que tem a
relação anual dos árbitros, e usa os representantes das federações
estaduais. Estas dizem que formam os árbitros, sendo intermediárias de um
campeonato que ela organiza, com o administrador de um condomínio, que são
os clubes.
Pela legislação brasileira, a
relação entre empregado e empregador é a carteira de trabalho, com diversas
especificidades. Não existe na legislação brasileira, entretanto, a
profissão “árbitro de futebol”. O Ministério do trabalho apenas dá ao
sindicato as cartas sindiciais, mas não há uma lei singular.
Onde está o árbitro? O lado
do qual ele veio não o aceita. Onde ele está, também não é aceito. Até agora
não se encontrou uma resposta.
Dos 208 países filiados à
Fifa, quantos têm condições de profissionalizar essa função? Peguemos os
principais europeus, sul-americanos e asiáticos. Não passamos de 11 com essa
possibilidade. Portanto, é exceção. O problema é insolúvel. E se mexer
nisso, mexe com a independência.
No momento em que o árbitro
necessita receber pelo seu serviço, ele passa a ser um mediador e se
importar apenas com a próxima escala.
Para ter independência, eu
tinha de ter o meu ganha-pão, proveniente da engenharia e do corpo docente.
Do contrário, seria um mero fabricador de resultados. Nunca me preocupei em
agradar ninguém. E esse tipo de atitude me fez chegar aonde eu cheguei, sem
hipocrisia, com o coração.
Fonte:
Artur Capuani e Bruno Camarão -
Universidade do Futebol