campo por cerca de 15
minutos na partida Portuguesa
0 x 0 Grêmio
- RS,
disputada no dia 08-12-2013, em São Paulo. Ou seja, acabou por
cumprir apenas a suspensão automática de um jogo. A Portuguesa foi
representada por um advogado no julgamento, mas fora comunicada
oficialmente da decisão do Tribunal apenas no dia posterior à
realização da última rodada do campeonato. A perda de pontos
inverteu a posição da Portuguesa e
do Fluminense na
tabela do
brasileirão, rebaixando o clube paulista à segunda divisão.
Nesta entrevista,
concedida por e-mail ao sítio do Instituto
Humanitas Unisinos – IHU, Piraci
Oliveira investiga
a organização do STJD,
o controle sobre o poder de indicação de seus membros, o fato desses
membros não receberem remuneração e a possibilidade da justiça
desportiva ser integrada à justiça comum, entre outros pontos. Para
ele, os limites do poder da CBF no
julgamento de questões jurídicas envolvendo o futebol
brasileiro:
“São praticamente
ilimitados. O Tribunal e
a forma de aplicação das penas podem ser desenhados de acordo com os
interesses da Confederação, que deve seguir apenas as regras ‘bases’
da formatação dos campeonatos (como pontuação por vitórias e
empates, por exemplo)”, avalia Piraci Oliveira.
|
"Jamais haverá independência plena se houver
dependência financeira. Não há almoço grátis" |
Confira abaixo a entrevista na integra.
IHU On-Line
- A
subordinação administrativa e financeira do Superior Tribunal de
Justiça Desportiva - STJD à Confederação Brasileira de Futebol - CBF
prejudica o funcionamento de uma justiça desportiva para o futebol?
Piraci Oliveira
- É
evidente. Não pode haver independência administrativa nem técnica se
não houver total separação entre as instituições. Uma vez que as
despesas são suportadas pela CBF
haverá, sempre, a estranha sensação de favorecimento de seus
interesses. Esse fato é ainda agravado quando se tem notícias de que
o procurador geral do STJD,
dentre outros, gozou de favores como viagens ao exterior para
acompanhar jogos do Brasil com custos suportados pela Confederação.
Jamais haverá independência plena se houver dependência financeira.
“Não há almoço grátis.”
"Tem
notícias de que o procurador geral do STJD,
dentre outros, gozou de favores como viagens ao exterior
para acompanhar jogos do Brasil com custos suportados
pela CBF" |
|
Esse é apenas um dos
pontos que levam o STJD da CBF ao
descrédito popular. Há outros ainda mais relevantes, como a ditadura
do procurador geral (Paulo
Schmitt)
e a dinastia Zveiter na
Presidência (são ex-presidentes os irmãos Sérgio e Luiz
Zveiter,
este último pai de Flávio
Zveiter,
que ocupa o cargo atualmente). A credibilidade da entidade foi
reduzida ao extremo. De se notar que, no caso específico da Portuguesa,
poderia haver também a condenação da CBF,
pois, bem sabemos, em cada jogo, à beira do gramado, há um
representante da entidade.
Poderia (ou deveria)
esse cidadão ter avisado que o atleta (Héverton) não
teria condição de jogo (na última rodada do campeonato brasileiro de
2013). Do contrário, para que serve esse representante? Qual a
função dele à beira do gramado senão “fiscalizar” o que se passa?
|
"Alguém realmente acredita que os
árbitros indicam membro sem que a CBF possa
intervir?" |
IHU On-Line -
Esta subordinação à CBF influencia o teor dos julgamentos realizados
pelo STJD?
Piraci Oliveira - Sim,
na medida em que jamais (exceto raras exceções) a CBF é
julgada. Uma vez que a própria CBF
nomeia
2 membros do STJD e
tem forte influência na indicação de outros 2 (dos clubes), não há
como se pretender independência de poderes. O STJD é
um “departamento” da CBF,
nada mais.
IHU On-Line -
Como é composto e organizado o STJD? De que forma e por quem são
indicados seus membros?
Piraci Oliveira - A
indicação se dá a teor do que estabelece o art.
55 da Lei 9.615/98 (Lei Pelé).
O poder de indicação é assim dividido: os clubes, a CBF,
a (Ordem
dos Advogados do Brasil -) OAB e
a (Federação
Nacional dos Atletas Profissionais de Futebol -) FENAPAF indicam
dois membros cada e os árbitros indicam um, compondo nove membros ao
total. Note que todos, exceto a OAB,
são extremamente vinculados à CBF. Alguém realmente acredita que os
árbitros indicam membro sem que a CBF possa
intervir? E o que se dirá dos clubes?
IHU On-Line -
Além do estatuto da CBF, que outros instrumentos legais regulamentam
o funcionamento do STJD?
Piraci Oliveira - Basicamente
o STJD é
pautado pela Lei
Geral do Desporto (Lei Pelé),
o Estatuto
do Torcedor e
o próprio Regulamento
das Competições.
Por sua vez, por se tratar de um órgão que se pretende “julgar” os
fatos ocorridos nas competições, há aplicação completa de todo
ordenamento jurídico nacional. Tanto o Código
Penal
quanto o Civil podem
e são utilizados subsidiariamente nos julgamentos, a despeito de
terem um peso menor.
|
IHU On-Line -
Na sua avaliação, a punição da Associação Portuguesa de
Desportos com a perda de quatro pontos no campeonato
brasileiro de 2013 pode ser classificada como uma
decisão técnica ou teve um caráter político
preponderante?
Piraci Oliveira - Qualifico
como um histórico erro técnico. Havia argumentos de
sobra para que os julgadores mantivessem o resultado da
competição penalizando a Lusa (no
pior cenário) no campeonato brasileiro de 2014(Série
A).
Para não ir longe é assim que a FIFA indica
deva ser feito.
Juridicamente falando há outros tantos argumentos como:
A)
Razoabilidade - A
aplicação da lei deve ser flexibilizada para perfeita
adequação ao caso prático e rebaixar um clube por
escalar um atleta por 12 minutos, convenhamos,
ultrapassa o limite do razoável; |
B) Mudança
da Lei - Em
2013 houve mudança do Estatuto
do Torcedor (Lei
Federal 10.671/2003),
tornando obrigatório que as decisões sejam publicadas de acordo com
a publicitação do Poder
Judiciário,
o que obriga haver intimação formal;
C) Contagem
dos prazos - Pela
nova regra a contagem nunca poderia ser iniciada no mesmo dia;
D) Bagatela
- O
mal causado ao campeonato (12 minutos) é insignificante para o
grande dano aplicado;
E) Ausência
de Dolo - Não
há crime sem vítima. A Lusa não
sabia que o atleta estava suspenso. Agiu de boa-fé e não pode ser
punida por isso. E muitos outros.
Em Direito se diz que
“não há texto sem contexto” e foi justamente nesse ponto que o STJD pecou.
Tomou a letra fria de um regulamento (ato administrativo) como se
fosse superior à Lei e aos princípios gerais de direito. Faltou
conhecimento aos julgadores.
"O Tribunal distanciou-se
dos torcedores deixando o amargo gosto de virada
de mesa.
A Lusa foi nitidamente prejudicada por um julgamento mal
conduzido” |
|
IHU On-Line -
Como você avalia a possibilidade de uma decisão que punisse o clube
em questão com a perda de pontos na próxima edição do campeonato
brasileiro, de forma a evitar a interferência do tribunal nos
resultados obtidos dentro de campo?
Piraci Oliveira - Seria
a melhor alternativa caso houvesse decisão pela punição. Insisto
que, na minha opinião, deveria haver absolvição, mas caso o STJD (como
um tribunal de penas e não de direito) decidisse por punir, que ao
menos respeitasse o resultado do campo, aplicando a punição em 2014.
Punir ao rebaixamento foi um acinte ao bom entendimento jurídico
desportivo. O Tribunal distanciou-se
dos torcedores deixando o amargo gosto de “virada
de mesa”.
IHU On-Line -
Qual deverá ser o papel da justiça comum neste caso?
Piraci Oliveira - Penso
que a Lusa deve
procurar a Justiça
Comum,
pois, obedecendo à Constituição
Federal de 1988,
esgotou as instâncias desportivas. Foi nitidamente prejudicada por
um julgamento mal conduzido, e buscar seu direito junto ao Poder
Judiciário é
algo que ela deve fazer. Não à toa praticamente totalidade da
comunidade jurídica está em defesa de sua manutenção na Série
A. Ou
estamos todos errados ou estão os julgadores do STJD.
Que a
Justiça Comum seja
chamada para dirimir essa questão.
|
"Desconfio
muito de quem trabalha por 7, 8, 9 anos “de graça”. Para
mim isso não cheira bem" |
IHU On-Line -
A justiça desportiva poderia integrar a justiça comum?
Piraci Oliveira - Sou
contra. Os prazos e a informalidade da esfera desportiva não seriam
atendidos pela Justiça Ordinária. Acredito que o STJD deve
ser mantido dessa forma, porém, com ingresso por concurso, mandatos
por prazo certo e remuneração condizente. Como já disse antes,
desconfio muito de quem trabalha por 7, 8, 9 anos “de graça”. Para
mim isso não cheira bem.
IHU On-Line -
Que experiências podem ser apontadas como alternativas ao modelo de
gestão do futebol implementada pela CBF, que é um órgão privado
caracterizado pela ausência de participação pública e de prestação
de contas dos atos?
Piraci Oliveira - No
mundo inteiro o sistema de julgamento é muito parecido. No Brasil parece-me
haver mais formalismo, o que não creio atrapalhar. Como dito antes,
acredito que um sistema de preenchimento de postos por concurso
público com mandatos por prazo certo (talvez 3 anos) e remuneração
faria com que os julgamentos fossem técnicos, deixando de lado
suspeitas de favorecimento ou ausência de independência.
IHU On-Line -
Qual a contribuição da FIFA para este modelo de justiça desportiva
no futebol?
Piraci Oliveira - A FIFA não
interfere nos julgamentos de clubes de um mesmo país. Não havendo
litígio internacional, a FIFA não
se envolve, até para respeitar as peculiaridades de cada cultura
desportiva e social. Não acredito que num futuro próximo possa haver
uma uniformização ou implementação de modelos similares patrocinadas
pela FIFA.
Cada país deve julgar seus litígios com as leis e regras internas,
mas, óbvio, dentro do contexto pregado pela entidade máxima. No caso
da Lusa,
a própria FIFA entende
que o resultado do jogo deve ser mantido, havendo punição no ano
seguinte.
IHU On-Line -
Quais são os limites do poder da CBF na gestão do futebol
brasileiro?
Piraci Oliveira - Na
questão da justiça desportiva são praticamente ilimitados. O Tribunal e
a forma de aplicação das penas podem ser desenhados de acordo com os
interesses da Confederação,
que deve seguir apenas as regras “bases” da formatação dos
campeonatos (como pontuação por vitórias e empates, por exemplo).
"Entristece ter acompanhado a forma infeliz e
contraditória como o julgamento foi conduzido" |
|
IHU On-Line -
Gostaria de realizar algum comentário adicional?
Piraci Oliveira - Na
linha do que foi antes descrito e como membro da comunidade jurídica
desportiva nacional, sinto-me decepcionado com a decisão do “caso
Lusa”,
pois o Tribunal (do
qual nunca se maculou por má-fé) agiu em desatendimento de preceitos
básicos do direito desportivo, mudando o resultado do jogo e
rebaixando uma equipe que a duras penas conseguiu os resultados
necessários para ficar na série principal.
Entristece-nos ter
acompanhado a forma infeliz e contraditória como o julgamento foi
conduzido e o resultado prolatado. Depois das oitivas das
testemunhas e das defesas orais dos advogados, os relatores (de
primeiro e segundo graus) sacaram os votos do bolso
(pré-elaborados), demonstrando que a convicção deles já estava
tomada há tempos. Como advogado, (digo que) foi triste, pobre,
medíocre. Como torcedor, sinto que a esperança num desporto melhor
foi aniquilada, o que é ainda mais triste. Pobre “país-do-futebol”.
Piraci Ubiratan Oliveira Junior:
é advogado e contabilista, possui MBA em Direito Empresarial
pela Fundação Getúlio Vargas – FGV e mestrado em Direito Social pela
Faculdade Autônoma de Direito – Fadisp.
É autor dos livros Clubes
Brasileiros de Futebol: reflexos fiscais (Rio
de Janeiro: Mauad Editora, 2004) e Autonomia
das Associações Desportivas e o Clube Empresa (São
Paulo: Iglu Editora, 2012), além de torcedor e conselheiro da
Sociedade Esportiva Palmeiras.
Fonte: Luciano Galla-
Instituto
Humanitas Unisinos