Crédito: Clever Felix/Agência O Dia |
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O árbitro sequer é tratado como manda
a Lei, como profissional. Isso porque a Lei Pelé
estabelece que os árbitros não têm vínculo de emprego
com a entidade pagadora do seu "salário". Ele é um
"profissional autônomo" |
A culpa também é nossa. A gente adora derrubar, mas
tem dificuldade em construir. A arbitragem brasileira passa por uma
séria crise de credibilidade, catalisada pela implantação do VAR.
Concordo com várias, mas o que não dá para concordar é alimentar
"teorias da conspiração" ao invés de discutir o que realmente
importa: nossos árbitros precisam ser, de fato e de direito,
profissionais do apito.
Aqui não se vai falar do absurdo da caixa preta do
VAR. Claro que áudios e imagens precisam ser liberados, pela
transparência necessária e pela credibilidade no uso da ferramenta.
E claro que árbitros precisam ser julgados por suas decisões
equivocadas em campo. Mas a questão aqui é outra: discutir a
necessária profissionalização da atividade.
Sou jornalista e advogado. Tenho compromisso com
fatos e apuração, não com discursos vazios e distantes de provas. O
que sei é que se cobra da arbitragem pelos erros, mas esquecemos que
árbitros brasileiros sequer são profissionais por aqui, apesar de
uma lei que que diz o contrário.
É importante a gente falar dessa lei que perdeu sua
razão de ser. Ou seja, ela existe, mas não tem eficácia.
Segundo Hans Kelsen - austríaco e um dos maiores
influenciadores da história do direito -, a eficácia do direito se
dá quando os homens agem de acordo com as normas jurídicas. Ou seja,
uma lei só é válida quando atinge sua finalidade. Não é o caso da
Lei do Árbitro, a Lei 12867/13.
Costumo trazer neste espaço histórias que
transformaram as regras do jogo. Seja por uma lei, por um movimento
do esporte, por uma decisão da justiça, ou até em função de uma
tragédia (quando um fato mostra a necessidade de se proteger mais a
integridade dos atletas).
A começar pelo fato de que o árbitro sequer é tratado
como manda a Lei, como profissional. Isso porque a Lei Pelé, a Lei
Geral do Esporte, estabelece que os árbitros não têm vínculo de
emprego com a entidade pagadora do seu "salário". Ele é um
"profissional autônomo".
Em função disso, muitos têm outras atividade além da
arbitragem, até como forma de complementar a renda. Claro que a
preparação fica prejudicada.
A Lei do Árbitro não protege o árbitro, apenas
reforça um abandono jurídico tipificado na Lei Pelé.
Em função dessa construção jurídica, pipocam
problemas.
Como se vende um patrocínio para a camisa do árbitro
e ele não recebe nada para virar garoto-propaganda em um jogo visto
por milhões de pessoas?
Árbitro é garoto-propaganda
Já existem decisões judiciais que determinam que o
árbitro receba por esses patrocínios. Magistrados entendem que as
entidades esportivas que escalam os árbitros e determinam o uso do
uniforme exploram de maneira abusiva a imagem deles ao firmar
contratos com terceiros para exposição de marcas nesses uniformes. E
isso acontece sem qualquer repasse a quem aparece expondo o nome
dessas empresas.
E aqui uma consideração se faz importante.
Diferentemente do direito de arena, o direito de imagem é um direito
fundamental, personalíssimo e inviolável, garantido pela
Constituição Federal, com direito a indenização pelo dano material
ou moral decorrente de sua violação. Além disso, a CF também protege
as participações individuais em obras coletivas e a reprodução da
imagem e voz humanas nas atividades desportivas.
E tudo isso acontece porque não existe uma
profissionalização de fato dos árbitros. Com medo das implicações
que isso traria, nem sequer se cobra dos árbitros dedicação
exclusiva à atividade.
Agora, os fatos mostram que os árbitros têm uma
relação muito próxima com as entidades esportivas.
Eles recebem ordens, precisam cumprir escala, para
dar entrevistas buscam autorização, o trabalho é permanente, recebem
por isso, e se dedicam - pelo menos a maioria que apita na elite do
futebol brasileiro - exclusivamente ao jogo.
Não precisa de muito esforço para encontrar os
elementos que caracterizam vínculo estabelecidos na legislação (CLT).
Pelo Princípio da Primazia da Realidade, que define
que o que realmente importa em uma relação de trabalho são os fatos
que ocorrem, mesmo que algum documento formalmente indique o
contrário, até poderia se imaginar um vínculo. Mas não tem sido o
entendimento dos tribunais.
É que a Lei Pelé e a Lei do Árbitro, reforçando aqui,
jogam contra.
Lá fora é diferente
Em países como Inglaterra, Espanha, a relação é
outra. O árbitro tem salário e uma remuneração a mais por jogo
trabalhado. É possível. E seria mais justo.
A remuneração e a dedicação exclusiva seriam
importantes para a atividade, e são reivindicações antigas dos
profissionais do apito.
A profissionalização não elimina erros, mas os
diminui. Diminui porque traz com ela uma preparação mais adequada,
um compromisso maior. E também deixa mais legítima qualquer
reclamação por erro.
A arbitragem no Brasil precisa ser repensada. Ela tem
que ser discutida e debatida por todos os operadores do esporte.
Legisladores, associações esportivas e árbitros, claro. São muitos
os problemas.
A crise de credibilidade que o VAR sofre passa muito
pela qualidade da nossa arbitragem. E a qualificação passa também
pela profissionalização.
Nossa legislação precisa mudar! E você, que está
preocupado com o VAR e com o futebol, precisa ajudar nessa
transformação, que vai contribuir no aprimoramento da arbitragem
brasileira. Aí, a cobrança de todos nós será muito mais legítima.
Fonte: Lei em Campo/Andrei Kampff – Uol Esportes