Era difícil acreditar que, do
outro lado da linha do telefone, estava o mesmo homem que fez graves
denúncias contra a Comissão Nacional de Arbitragem (Conaf) no início
do ano. Poucos meses após divulgar a existência de uma "sujeirada"
na entidade, o ex-árbitro carioca Gutemberg de Paula Fonseca usou um
tom de voz extremamente calmo para dizer que "tudo aquilo ficou no
passado". Inclusive a sua rusga com Sérgio Corrêa, a quem havia
desferido insultos como "mentiroso, mariquinha e corrupto" em
entrevista à Rádio Jovem Pan.
Presidente da Conaf na época das
acusações e agora chefe do recém-criado Departamento de Arbitragem
da Confederação Brasileira de Futebol (CBF), Corrêa se encontrou com
Gutemberg na semana passada, em uma audiência judicial. Foi o último
episódio do processo que o dirigente movia contra o ex-árbitro.
"O Gutemberg me pediu desculpas
na frente da juíza por tudo aquilo que havia falado de mim na mídia.
Eu aceitei. Não estou a fim de ganhar o dinheiro de ninguém. Não
preciso disso. Da minha parte, é um assunto resolvido" -
garantiu Sérgio.
A outra parte também não quer mais
controvérsia. Apesar de ter preferido não se alongar em suas
respostas quando ouviu o nome de Sérgio Corrêa, Gutemberg avisou:
"O caso foi definido. Ficou
tudo como deveria".
Para falar sobre a briga judicial,
mais duas frases do ex-árbitro:
"Foram vários processos. De
tudo isso, prevaleceu a integridade dos homens".
E, por fim, outras duas para negar
que o pedido de desculpas (além da obrigatoriedade de doar uma cesta
básica ao Instituto Nacional do Câncer) tenha transformado um
desafeto em um amigo próximo:
"Nunca mais nos falamos, até
porque ele fica em São Paulo, e não no Rio. Quando conversávamos,
era em encontros de arbitragens".
Em janeiro, Gutemberg propagou uma
polêmica conversa que teria mantido com Corrêa. Seu superior, nas
palavras do ex-árbitro, havia dito antes da vitória por 5 a 1 do
Corinthians sobre o Goiás, pelo Campeonato Brasileiro de 2010:
"Boa sorte. Vai apitar o jogo
do Timão, hein?".
O ex-árbitro encarou a suposta
declaração como uma prova de que a Conaf desejava o favorecimento da
equipe paulistana naquela partida.
Para os atingidos por Gutemberg, ele só havia desabafado com tanta
veemência por ter perdido o status de árbitro internacional no
momento da promoção do também carioca Pericles Bassols. Sérgio
Corrêa ainda pensa assim.
"Ele estava sob forte emoção
quando saiu do quadro da FIFA" - relevou o ex-presidente da
Conaf, relatando que o rebaixamento de categoria costumava ser
angustiante para os profissionais.
"Até o episódio Edílson Pereira
de Carvalho, era muito raro um árbitro deixar de pertencer à FIFA.
Na minha gestão, eu disse que discordava disso. É preciso ter
regularidade para se manter. Passamos a promover árbitros mais novos
e a tirar aqueles que deveriam sair" - disse o dirigente.
Corrêa deixou o comando da Conaf
há menos de um mês. A última grande discussão sobre arbitragem que
ocorreu durante a sua passagem pela presidência foram os três
impedimentos consecutivos ignorados pelo assistente Emerson Augusto
e Carvalho no lance do segundo gol da vitória do Santos sobre o
Corinthians, por 3 a 2, em jogo válido pela 18ª rodada do Campeonato
Brasileiro. Hoje com um cargo burocrático na CBF, ele alega que as
dores provocadas pelo vírus da herpes-zóster motivaram a mudança de
posto.
Os erros de Emerson Augusto de
Carvalho contra o Corinthians (o mesmo clube que Gutemberg dizia ter
sido incitado a ajudar contra o Goiás) foram exaustivamente
comentados e reprisados nas últimas semanas.
"Mas, cara, juro para você que
não vi esse lance" - garantiu o carioca, argumentando que
surpreende muita gente com o seu distanciamento do futebol.
"Confesso que me afastei mesmo.
Venho mantendo a minha condição física por questão de saúde, mas
evito ver os jogos. Não quero sentir saudades da arbitragem. Alguns
amigos me ligaram em 11 de setembro, Dia do Árbitro, para me elogiar
e parabenizar. Mas é só isso. Nas ruas, os torcedores me reconhecem
e pedem para comentar algumas coisas. Eu digo que não vi, poxa. Eles
acham que estou mentindo porque não quero dar opinião" - sorriu
ele.
Gutemberg não se furta a opinar
sobre a troca de comando na arbitragem nacional, com o seu
conterrâneo Aristeu Leonardo Tavares no lugar de Sérgio Corrêa.
"Isso me surpreendeu por ter
acontecido no meio do campeonato, mas não pela capacidade dos
homens. Temos a expectativa de que o nível da arbitragem melhore,
mas não vamos deixar de dar atenção ao legado que ficou na comissão.
Por mais que os críticos digam que as coisas não vinham bem, alguma
coisa de bom está aí. É só dar continuidade" - afirmou, agora na
contraditória condição de defensor do trabalho exercido por Corrêa.
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Gutemberg chamou Sérgio Corrêa de
mentiroso, mariquinha e corrupto - Crédito: Divulgação |
Quando atacou o ex-presidente da
Conaf, no entanto, Gutemberg alardeava que possuía um dossiê de
1.100 páginas sobre a "sujeirada" na arbitragem nacional.
"Ah, deixa isso para lá. Vou
colocar os papéis no meu baú, trancados, com outras lembranças da
carreira. Tive algumas tristezas, alegrias, ganhei medalhas... Fica
tudo guardado para eu mostrar para os meus netos futuro" -
desconversou, negando qualquer arrependimento pelas acusações de
meses atrás.
"Só me arrependo daquilo que
não faço. Pauto as minhas coisas em cima daquilo que busco para a
minha vida. Sempre fui atrás do melhor. Quero que meus filhos saibam
que têm um pai correto com as suas obrigações".
Gestor público de formação,
Gutemberg de Paula Fonseca atualmente trabalha como assessor
parlamentar do vereador carioca Fernando Moraes, além de dirigir uma
agência de publicidade. Nas horas vagas, apita jogos de várzea no
bairro de Jacarepaguá, onde iniciou a trajetória como árbitro.
"É bem gostoso voltar ao local
onde nasci e fui criado. Trabalhei pela primeira vez em uma partida
profissional em 2004. De lá para cá, nossa liga amadora continuou
igual, com estádio cheio. Sou eu quem administra o campeonato. As
cobranças são as mesmas de antes, talvez até maiores do que em uma
Série A. E ainda arrecadamos toneladas de alimentos para doações"
- divulgou, com satisfação.
Sérgio Corrêa avisou que também
faria benemerência se recebesse dinheiro na ação contra Gutemberg de
Paula Fonseca. Mas o pedido judicial de desculpas já foi suficiente
para satisfazê-lo. Ele não faz questão nem de uma retratação
pública.
"Se aquilo tudo me causou
danos, não há mais problema. Isso não está me incomodando. Um pedido
de desculpas na mídia não vai resolver nada para mim nem para o
Gutemberg. A partir de agora, cada um toca a sua vida" -
finalizou o dirigente.