Por Agência Estado
Dono do apito na final da Copa do Mundo de 1982, entre Itália e
Alemanha, na Espanha, Arnaldo Cezar Coelho marcou gerações com seu
trabalho como comentarista de arbitragem na TV Globo, com parceria
duradoura com Galvão Bueno e criação de bordões célebres. A regra é
clara, mas as discussões sobre arbitragem sempre estão sobre as
mesas (de bar, programas esportivos e das redações) mundo afora e,
normalmente, não adianta recorrer a novos ângulos, tecnologias e
imagens para determinar impedimentos ou gols, porque, no futebol, o
trabalho de convencimento tem um grande rival: as paixões.
Longe das câmeras, Arnaldo
continua sua vida como empresário, mas está ligado em lances
duvidosos e é consultado por amigos para desvendar erros e acertos
dos árbitros no futebol brasileiro. Comumente, usa de metáforas com
questões cotidianas para exemplificar decisões que tomaria se ainda
estivesse apitando.
Com experiência na função, o
ex-comentarista revelou ter sido convidado, após deixar a televisão,
a assumir a chefia de arbitragem da CBF, cargo ocupado atualmente
por Leonardo Gaciba. Ele também aponta problemas da arbitragem no
País, do uso exagerado do VAR e nega que sinta falta do trabalho na
TV. Confira sua entrevista no Estadão.
Como o senhor avalia o momento
da arbitragem brasileira e a falta de um critério único entre os
árbitros?
A arbitragem sempre teve problemas
sérios. Aqui no Brasil, você ter um critério único é difícil, porque
o País é muito grande. Um instrutor de arbitragem no Sul talvez dê
instruções diferentes de um instrutor em Manaus. Ainda mais porque o
brasileiro, de um modo geral, tem temperamentos diferentes. Com a
criação do VAR (árbitro de imagens), praticamente muitas
interpretações e conceitos foram alterados, e você passa a ver
coisas que confundem muito o torcedor.
A falta de conhecimento das
regras por parte dos jogadores, torcedores e da própria imprensa
gera essas polêmicas recorrentes?
Se você não tiver educação
esportiva, sim. Jogador brasileiro, infelizmente, está muito
mal-acostumado. Reclamam até de lateral. Os árbitros estão omissos
quanto a esse tipo de lance. A única coisa que o árbitro não pode
perder é o respeito. E os árbitros perderam o respeito
completamente, não estão se impondo. Esse é o maior defeito da
arbitragem brasileira.
Os árbitros perderam autoridade
agora que as principais decisões passam pela validação do árbitro de
vídeo?
Eles (os árbitros) se submetem ao
VAR. Para mim, o VAR só deveria entrar quando for um erro
escandaloso. O VAR está fazendo mais média que o próprio juiz.
Antigamente se falava esse árbitro é fazedor de média, agora quem
faz média é o VAR. A arbitragem está muito difícil, porque a
presença de mais um ou dois interpretando na sala do árbitro de
vídeo deixou o jogo gelado, e o videoteipe não pensa, é a imagem
fria do lance. A arbitragem é pensar.
O que acha do protocolo adotado
na arbitragem de deixar um lance ajustado de impedimento seguir até
sua conclusão para evitar que seja assinalado incorretamente e anule
um gol?
A palavra mais feia que existe
hoje na arbitragem chama-se protocolo. E tem a palavra “ajustado”.
Ajustado era ter um terno um pouco folgado e você pedia para
ajustar. Agora, ajustado é quando o lance é muito na linha. Nessa
semana, houve um lance dificílimo que culminou em gol, e o
assistente levantou a bandeira depois da bola entrar. Por que
levantar a bandeira? Para mostrar que está em dúvida? Não precisa,
deixa lá embaixo, porque o gol vai ser examinado. Qual é a função do
assistente agora? Marcar tiro de meta, lateral e olhe lá.
Como classifica o trabalho de
Leonardo Gaciba à frente da comissão de arbitragem da CBF?
Eu acho que ele insiste em
determinados árbitros que já deram no que tinham que dar. Estou
vendo que estão surgindo árbitros novos, e ele está fazendo esse
trabalho de renovação. Uma coisa que você tem de prestar atenção e
evitar é escalar árbitro mineiro para apitar o jogo do Flamengo,
quando se sabe que Atlético-MG e Flamengo estão disputando o título,
por exemplo. Mas é muito difícil ser presidente de comissão de
arbitragem.
Você aceitaria essa função?
Não, já fui convidado e não
aceitei, porque tenho outros afazeres. Quem aceita tem de virar um
profissional no negócio. Hoje, o Gaciba mora em um prédio ao lado da
CBF. Tem um salário bom, mas trabalha feito um condenado. Eles me
convidaram quando eu saí da Globo, mas neguei. Propuseram criar uma
comissão, e eu seria uma espécie de presidente, mas não… Fui
convidado pelo próprio presidente Rogério Caboclo, por intermédio do
secretário-geral Walter Feldman, que me ligou duas vezes. Agradeci a
lembrança, mas tenho outras coisas que cuidar.
Qual árbitro brasileiro tem se
destacado para representar o País na Copa do Mundo de 2022?
Tem dois candidatos: Raphael Claus
e Wilton Pereira Sampaio. Eles têm características diferentes. O
Claus era mais proativo, agora tem estilo mais sóbrio. Já o Wilton
apita com convicção lances mais polêmicos, mas aumentam as chances
de errar. O nível da arbitragem, com o ingresso do VAR, se igualou
bastante. Hoje, o juiz usa o VAR como uma bengala ou paraquedas.
Antes a marcação do árbitro era soberana, agora deixou de ser a
decisão final. Quando você tira esse poder do árbitro, permitindo
que algo mude sua decisão, você está acabando com a autoridade, e os
jogadores, inteligentemente, usam de subterfúgio.
Profissionalização é a solução
para a arbitragem?
Não. O juiz já é profissional.
Sabe onde mora o Anderson Daronco? Ele vive no interior do Rio
Grande do Sul. Sabe o que acontece com ele? Acorda de madrugada,
pega o carro, dirige até Porto Alegre, sobe no avião e vai apitar no
Recife. Chega na véspera, sai no dia seguinte ao jogo e já viaja
para outro lugar. Ele não tem tempo de voltar para casa e trabalhar
com outra coisa. Tem árbitro que junta R$ 30 ou 40 mil por mês, não
precisam de outra atividade. Sei que isso não acontece com todos,
mas não dá para dizer que a arbitragem não é profissional.
Em 1982, você apitou a final da
Copa na Espanha. Quatro anos depois, foi a vez de Romualdo Arppi
Filho. Em 1990, o José Roberto Wright passou perto de ser o juiz da
decisão. Nesses últimos anos, o Brasil perdeu protagonismo na
arbitragem internacional?
Não sei dizer. O árbitro argentino
(Nestor Pitana) apitou abertura e final da Copa do Mundo de 2018.
Não sei se é desprestígio ao Brasil. Sinceramente, não sei explicar.
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Sente falta de ser comentarista
de arbitragem?
Não, nada. Outro dia estávamos
conversando e disse que chegou a hora de dar adeus. Ainda mais agora
com essa história de árbitro de vídeo. Parecia que eu estava
adivinhando. Ainda bem que eu parei. A Copa do Mundo da Rússia
(2018) foi decidida pelo VAR. A dinâmica do jogo foi afetada. Depois
de qualquer lance mais duvidoso, o juiz já coloca a mão no ouvido
para escutar a opinião do árbitro de vídeo. E, muitas vezes, usa o
VAR para coagir o jogador.
O que achou dos protestos dos
árbitros no último fim de semana, após a agressão que o juiz Rodrigo
Crivellaro sofreu no Rio Grande do Sul, no jogo entre Guarani e São
Paulo pela divisão de acesso?
Como a Federação Gaúcha aceita a
inscrição desse jogador? Precisa ser analisado seu histórico, seus
antecedentes… É a impunidade. Precisa haver uma preocupação por
parte dos clubes e da Federação.
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Galvão e Arnaldo - Foto: Divulgação
Santander / Estadão |
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Como está a amizade com o
Galvão Bueno? Recentemente, estiveram juntos nos Estados Unidos. O
narrador dá algum indício de aposentadoria?
Nós dois e as famílias se dão
muito bem. O Galvão acha que pode e deve ir até os Jogos Olímpicos
de Paris-2024, quando completa 50 anos de profissão. É uma questão
dele para ser avaliada junto à Globo.
Com tanto tempo na televisão
deve ser complicado se desligar dos holofotes…
Essa é outra coisa com a qual
temos de nos acostumar. De uma hora para outra, você sai do vídeo e
já começa a reparar que o reconhecimento na rua muda. Mas quem fez
alguma coisa de bem para o esporte sabe que será sempre reconhecido.
As informações são do Estadão
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