Não é comum, mas não se trata de
algo tão raro assim. O telefone celular de Wilson Luiz Seneme toca
no domingo. Ele olha o visor. Se não reconhece o número, não
responde. Caso algum dirigente de clube do Campeonato Brasileiro
diga ter reclamado para o chefe da comissão de arbitragem da CBF
(Confederação Brasileira de Futebol), desconfie, recomenda o
próprio.
"Eu não atendo. Posso falar com
qualquer presidente, mas institucionalmente. Manda email, marca um
dia, horário, e pode vir aqui que eu recebo sem problemas" -
afirma ele, responsável pela escala do quarteto de arbitragem e do
VAR (quando é o caso) de cerca de 80 jogos por semana durante 11
meses no ano.
"Nos seis meses em que estou
aqui [na CBF], nunca conversei com um presidente de clube por
telefone."
Ex-árbitro, ele é instrutor da
Fifa e integra a comissão de arbitragem da entidade máxima do
futebol. Já foi chefe dos árbitros da Conmebol (Confederação
Sul-Americana de Futebol) e desempenha a mesma função na CBF desde
abril de 2022.
Nessa posição, Seneme evita saber
o que se fala em redes sociais.
"Às vezes, minha mulher vem
comentar algo, e peço para mudar de assunto. Melhor conversar sobre
outra coisa."
Ele deixa claro que, quando recebe
algum cartola, o tom da conversa usado pelo dirigente é bem
diferente do empregado diante de um microfone.
"Existe o mundo da entrevista
que ele dá e existe [outro mundo] quando ele se senta aqui para
conversar comigo. Apesar de ser uma reclamação, ela é feita de outra
maneira" - explica, habituado às críticas.
Ele se acostumou, quando comandava
a arbitragem dos torneios sul-americanos, a ouvir Mariano Closs
berrar seu nome. A cada marcação duvidosa em campo, aquele que é um
dos mais importantes narradores da TV e da rádio argentina gritava
na transmissão: "Seneme!".
Virou um bordão do jornalista.
"Eu gostava. Falei com o
Mariano sobre isso, dei entrevistas para ele. Quando é algo
divertido assim, a gente tem de aceitar com bom humor" - diz.
Sem perder o sotaque de quem
nasceu no interior de São Paulo, em São Carlos, "Seneme!" tem a
missão de tornar mais transparente a tomada de decisões durante as
partidas. A CBF já solicitou à Fifa a liberação para que os árbitros
usem microfones durante os 90 minutos e que o áudio possa ser
transmitido ao vivo pela dona dos direitos de transmissão.
"Dissemos até que podemos ser
nós [no Brasil] a fazer esse teste. Acho que estamos preparados para
isso" - afirma.
Na única vez em que algo assim
ocorreu no futebol nacional, foi um escândalo. José Roberto Wright
aceitou apitar um clássico entre Flamengo e Vasco, em 1982, na final
Taça Guanabara, com um microfone acoplado ao uniforme. Era uma ideia
da Globo, que depois mostrou os áudios. Wright acabou suspenso.
As conversas dos juízes com os
árbitros de vídeo são disponibilizadas em até 24 horas na Série A.
São escolhidos os lances que suscitaram dúvidas ou aqueles em que
houve intervenção do recurso eletrônico. As partidas da Série B
levam 48 horas, prazo diferente por se tratar de outra empresa.
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Árbitros no Brasil tem sido
bastante questionados - Crédito: Carla Carniel/Reuters |
Funcionários do departamento de
arbitragem, vários deles ex-árbitros, reúnem-se na sala de Seneme,
no terceiro andar da sede da CBF na Barra da Tijuca, zona oeste do
Rio. Na mesa do presidente da comissão estão a tela do computador e
um monitor. É onde ele analisa jogadas e atuações de juízes em
campo.
Eles formam um grupo unido, que
anda junto pelo prédio. Ficam sozinhos em uma mesa no restaurante da
entidade na hora do almoço. Serve para desmistificar a imagem de que
as escalas são feitas às escondidas, com anotações secretas para
prejudicar um time ou outro.
Apesar das críticas, duras e
recorrentes, Seneme é um defensor da arbitragem brasileira. Não se
irrita com a percepção de que ela seja ruim, nem altera o seu jeito
de falar, de quem faz a pergunta para si mesmo, assim pode dar a
resposta. Ou termina a frase com "né?". Mas defende a qualidade dos
juízes do Brasil com veemência. Insiste que é boa e vai melhorar.
"Por que pode existir essa
percepção? Porque o que eu tenho visto é que a arbitragem no Brasil
é vista com uma lupa maior e se vê o aspecto negativo muito mais do
que em qualquer outro país do mundo. Isso me incentiva a trabalhar,
mas dificulta em alguns momentos. Sabe por que dificulta? Há a falta
de conhecimento, né? Nos últimos seis anos a regra do jogo mudou
mais de 300 vezes, algo que não havia ocorrido nos cem anos
anteriores" - observa.
Seneme tem otimismo com a melhora
porque está empenhado na ideia de que os profissionais da
arbitragem, assim como os jogadores, precisam treinar. Devem
praticar situações que ocorrem nas partidas. Quanto mais informações
tiverem, mais estarão preparados e mais decisões corretas tomarão.
A cada 15 dias, um grupo passa por
treinamentos no Rio com jogadores das categorias de base. São
simuladas situações de jogo para as quais o presidente da comissão
deseja que os juízes estejam preparados. A próxima sessão será com
um time amador do Bangu.
O chefe acompanha de perto e age
como se fosse um técnico. Dá alertas, avisa como devem proceder,
elogia, reclama. Diz que os árbitros devem entender também da tática
do futebol, não apenas das regras. Se souberem as tendências das
equipes, como costumam jogar, saídas de bolas, estarão sempre
próximos ao lance.
"Conhecer as regras eles
aprendem na escola. Eles precisam entender tudo o que envolve uma
partida. Nós temos 700 contas em empresas de estatísticas, as mesmas
que os clubes também assinam. Mas eu não sou o pai dessa criança. É
ideia da Fifa. É tudo o que eu aprendi como instrutor da Fifa, né?"
- afirma.
Ter informação também serve no
momento de montar a escala. Quem faz as designações está obrigado a
conhecer as características das equipes e não escalar um juiz que
deixa mais o jogo correr em um confronto que promete ser pegado, ou
vice-versa.
"O árbitro de futebol é um ser
humano. Eu não consigo ter a mesma característica em todos, o que a
gente tenta fazer é diminuir as diferenças. Por isso que é uma arte
de quem escala identificar o perfil de cada árbitro para cada jogo."
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Wilson Seneme quando árbitro, expulsando
Roberto Carlos num clássico contra Palmeiras - Crédito:
Ricardo Nogueira/FolhaPress |
Ser presidente da comissão não
deixa de ser uma aflição. É uma profissão, assim como a de árbitro,
sobre a qual ninguém diz nada se tudo dá certo. Não há elogios. Mas
o equívoco é exacerbado em um ambiente onde o que vale é a paixão. E
Seneme sabe que os erros podem ser minimizados no futebol. Mas nunca
serão eliminados.
"Se o futebol fosse matemática,
não seria um número exato. Teria vírgula. A arbitragem tem situações
que são interpretativas e vão continuar sendo interpretativas."
Ele faz a constatação inevitável
de que irrita milhões de torcedores todos os finais de semana no
país e dá de ombros.
"Né?"
As informações são de Alex Sabino - FolhaPress