Conheça
como funciona a bolha de convivência dos árbitros do
Campeonato Paulista |
Assim
como os jogadores, juízes e assistentes estão afastados
da família e precisam cumprir protocolo rigoroso contra
a covid-19 |
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Por: Ciro Campos - o Estado de S. Paulo
Confinados em um hotel, sem poder
ver parentes e submetidos com freqüência aos testes contra a covid-19,
os árbitros do Campeonato Paulista 2021 estão com uma rotina
idêntica à dos jogadores. O isolamento social virou lei. Quem
trabalha nas partidas das duas primeiras divisões do Estadual tem
sido obrigado a permanecer em uma bolha e a criar novos hábitos para
amenizar a distância da família e desempenhar atividades
profissionais.
Para conseguir a autorização das
autoridades para a retomada do torneio, há cerca de duas semanas, a
Federação Paulista de Futebol (FPF) criou no protocolo o esquema de
bolhas de segurança. Tanto jogadores como árbitros devem permanecer
isolados em hotéis ou centros de treinamentos e só saírem de lá para
participar das partidas. Os cuidados estão mantidos enquanto não
houver uma flexibilização nas regras estaduais de combate à
pandemia.
Embora não sejam as estrelas dos
jogos, os árbitros estão sob as mesmas regras aplicadas para os
atletas. Todos cumprem a mesma cartilha de cuidados. São testes PCR
a cada três dias e mais o exame antígeno realizado horas antes do
jogo para garantir que não houve contágio. Para aplicar o isolamento
social, a FPF reservou um hotel na Zona Oeste da capital para
abrigar cerca de 70 membros dos quadros de arbitragem e mais alguns
funcionários.
"Cada árbitro está isolado
em um quarto. Eles almoçam e jantam em grupos de seis pessoas e com
revezamento de turmas no refeitório, para que não tenha aglomeração"
Moisés Cohen - Diretor medico da FPF
Os cuidados para a bolha dos
árbitros foram preparados pelo diretor médico da FPF, Moisés Cohen.
"Cada árbitro está isolado em
um quarto. Eles almoçam e jantam em grupos de seis pessoas e com
revezamento de turmas no refeitório, para que não tenha aglomeração.
Todos os funcionários do hotel estão orientados para evitar o
contato" - explicou ao Estadão. As despesas
de hospedagem são bancadas pela FPF.
O esquema de cuidados faz com que
os árbitros só tenham contatos mais freqüentes com os respectivos
assistentes do próprio trio fixo de trabalho. Em alguns horários, há
no máximo a proximidade com mais um outro trio durante as refeições.
Além do quarto e do restaurante do
hotel, os árbitros passam diariamente pela academia. Os equipamentos
de musculação e a esteira são compromissos diários para manter o
preparo físico em dia. Para freqüentar o espaço, há uma norma rígida
de revezamento. A determinação é que no máximo dois trios de
arbitragem compartilhem o mesmo horário na academia. Ainda assim,
sempre com a utilização de máscara e higienização das superfícies
com álcool.
A FPF apenas detectou casos de
contaminação por covid-19 em dois árbitros nos testes prévios ao
início da bolha. Desde então, a rotina controlada e a obediência de
quem precisa impor a disciplina dentro de campo têm sido
fundamentais para evitar problemas.
Apesar do estilo sisudo dentro de
campo, os árbitros têm relato a dificuldade de se afastar da
família. A bolha de segurança teve início no dia 9. Caso não exista
uma flexibilização das regras de combate à pandemia, a moradia no
hotel só vai terminar em 23 de maio, data da final do Campeonato
Paulista.
"A distância da família tem
sido a parte mais difícil para todos. Eu tenho um filho que vai
completar agora dois anos. É difícil lidar com isso. A família é
apoio que a gente tem no dia a dia" - disse o árbitro Flávio
Rodrigues de Souza, membro do quadro da FIFA e um dos principais
nomes da FPF.
Quando não estão nos jogos, nos
treinos ou na academia, os árbitros contam que passam as horas
livres dentro dos quartos e entretidos em alguma tela. Alguns
acompanham futebol pela televisão, estudam pelo laptop para se
preparar para a próxima partida ou usam o celular para conversar com
familiares.
"A tecnologia nos beneficia
para diminuir um pouco dessa saudade. Faço muita chamada de vídeo
com o meu filho e minha esposa. Temos tentado minimizar essa
ausência, até passar o momento em que vou poder voltar para casa"
- explicou Flávio. Para ajudar a passar o tempo, alguns até
passam horas conversando com colegas que estão no mesmo hotel, mas
que não podem encontrar presencialmente por causa das regras de
distanciamento. Há também uma rotina de palestras e atividades para
ajudar os 70 hóspedes a continuarem entretidos.
"Alguns árbitros estão
aproveitando o tempo para trabalharem do hotel, como se fosse um
esquema home office. Vários deles têm empreendimentos próprios e
continuam se dedicando a isso"
Moisés Cohen, Diretor médico da FPF
"Alguns árbitros estão
aproveitando o tempo para trabalharem do hotel, como se fosse um
esquema home office. Vários deles têm empreendimentos próprios e
continuam se dedicando a isso. Eu vejo que há muita dedicação deles
para manter a realização do torneio" - disse o diretor médico da
FPF, Moisés Cohen.
CONTÁGIO
Apesar de não serem protagonistas
do espetáculo, os árbitros têm apresentado uma taxa de contágio por
covid-19 superior à dos jogadores no âmbito nacional. Segundo dados
de um levantamento feito pela Associação Nacional de Árbitros de
Futebol (Anaf), entre agosto de 2020 e fevereiro de 2021, as
competições nacionais organizadas pela CBF registraram testes
positivos para covid-19 em 35% dos árbitros. Nesse mesmo período, a
taxa entre os atletas foi de 2%.
A Anaf não apresentou causas para
o número de testes positivos. Uma das possíveis justificativas é que
a contaminação tenha ocorrido fora do ambiente do futebol, durante
as respectivas atividades profissionais. A entidade realizou o
levantamento ao aplicar questionários para os mais de 700 filiados.
DEPOIMENTO: 'Tudo é
controlado para evitar as aglomerações'
Flávio Rodrigues de Souza,
árbitro do Campeonato Paulista
Ficar na concentração é um pouco
diferente agora. Nas fases finais do Campeonato Paulista geralmente
nós ficamos concentrados antes das partidas, mas agora é outra
situação por causa da restrição que nós temos com a pandemia.
Normalmente tínhamos um campo
disponível para fazer um treino ou simulações de jogos. Desta vez,
não. Ficamos em um quarto, descemos para as refeições e passamos
bastante tempo em reuniões para falar sobre os jogos que teremos. A
gente até já se acostumou a entrar nesse ritmo, até porque a maioria
dos árbitros que está no hotel tem como renda principal o trabalho
com futebol.
A maior dificuldade que
enfrentamos aqui no momento é a restrição de sair para treinar em um
campo aberto, como estamos acostumados. Os treinos físicos têm sido
um pouco difíceis porque fazemos em uma academia, com no máximo dois
a três árbitros ao mesmo tempo na sala. É um treino diferente,
porque nos limita um pouco. Uma das grandes dificuldades tem sido
isso, manter a forma física de acordo com a demanda pesada que os
jogos do Campeonato Paulista sempre têm.
"Uma das grandes dificuldades
tem sido isso, manter a forma física de acordo com a demanda pesada
que os jogos do Campeonato Paulista sempre têm"
Flávio Rodrigues de Souza, Árbitro
Nas horas livres aqui no hotel
também não temos muito o que fazer. Tudo por aqui tem sido
controlado para evitar aglomerações e encontros. Nas refeições, tem
um grupo que já tem um determinado horário com meses individuais e
bem distanciadas. Depois, no outro horário, vem outra turma para
almoçar e assim por dia. Também temos feito os exames de covid-19 de
forma periódica. Temos o teste antígeno realizado no dia do jogo e
mais outros exames a cada três dias, tudo para controlar a doença.
Os árbitros têm evitado o contato
próximo por causa da doença. Ficamos a maior parte das horas livres
no nosso quarto mesmo. Fazemos chamadas de vídeo com a família e
consumimos muito futebol pela televisão, com as transmissões de
campeonatos.
Na parte profissional tem sido
possível cuidar de outros afazeres enquanto a gente continua
hospedado no hotel. Devido ao grande tempo que passamos dentro dos
nossos quartos, temos de procurar outras opções. Eu me dedico
exclusivamente à arbitragem. Não tenho outra profissão. Por ser do
quadro da FIFA, tenho uma demanda grande de estudos. Mas muitos
companheiros meus têm aproveitado para fazer do hotel o home office,
cuidar dos trabalhos que têm fora do futebol.
É claro que não é a mesma coisa
que em uma rotina normal, mas a gente sempre acaba dando um jeito e
resolvendo os nossos problemas e tarefas do dia a dia. Temos
procurado levar tudo de maneira tranqüila e leve, até chegar a nossa
hora de voltar para casa.