
Por Ricardo Magatti / Estadão
Algumas coisas não mudam no
futebol brasileiro ano após ano, rodada após rodada do Brasileirão:
as críticas à arbitragem devidos aos erros em profusão, os
afastamentos constantes dos profissionais e a falta de vínculo
empregatício com as entidades com as quais estão ligados. Nesta
temporada, as cobranças se tornaram mais intensas após as falhas dos
juízes que apitaram Sport 1 x 2 Palmeiras e Inter 3 x 0 Cruzeiro, em
duelos da segunda rodada da competição. Os equívocos foram
reconhecidos pela própria CBF.
As falhas dos árbitros são
“combatidas” com as mesmas medidas há anos: a curto prazo, mandando
os profissionais para a geladeira por alguns dias; a longo prazo,
trocando o comando da arbitragem brasileira. Seguirá a crise no
apito se não for profissionalizado o trabalho da arbitragem de
futebol no Brasil, avalia Carlos Eugênio Simon, comentarista de
arbitragem e ex-árbitro brasileiro que mais apitou jogos de Copas do
Mundo (Japão/Coreia do Sul-2002, Alemanha-2006 e África do
Sul-2010).

Neste ano, cobrado, o presidente
da CBF, Ednaldo Rodrigues, promoveu uma espécie de reformulação ao
demitir Wilson Luiz Seneme, substituído pelo ex-árbitro Rodrigo
Martins Cintra, que coordena uma equipe com seis profissionais: Luiz
Flávio de Oliveira, Marcelo Van Gasse, Fabrício Vilarinho, Luis
Carlos Câmara Bezerra, Eveliny Almeida, Emerson Filipino Coelho.
A CBF também criou um comitê
consultivo permanente para acomodar o chamado Comitê Consultivo de
Especialistas Internacionais (CCEI). Esse grupo tem o italiano
Nicola Rizzoli e o argentino Néstor Pitana, que apitaram as finais
da Copa do Mundo de 2014 e 2018, além do brasileiro Sandro Meira
Ricci.
Foi um parecer do CCEI que apontou
os erros nos jogos Inter x Cruzeiro e Sport x Palmeiras e que serviu
como base para a CBF afastar os árbitros Marcelo de Lima Henrique e
Bruno Arleu de Araújo. “Infelizmente, existem momentos de instruir,
coibir e também de afastar. Neste momento, a Comissão de Arbitragem
afasta para instrução as equipes das partidas em que, na visão do
CCEI, houve equívocos”, argumentou Rodrigo Cintra.
As lambanças da arbitragem
Idealizador do VAR e por 15 anos o
profissional que fazia análise sobre o desempenho dos árbitros
dentro da CBF, o baiano Manoel Serapião entende que mandar os juízes
pra geladeira é uma medida inócua.

Ele argumenta que o afastamento
baixa a autoestima dos juízes, provoca tensão e insegurança e causa
uma exposição desnecessária.
“O certo é após cada jogo, você
analisar o vídeo com o árbitro. A gente só ataca o problema com
punição e vê apenas os erros a cada jogo. Se os árbitros se
dedicassem, com filosofia pré-definida, eles estariam em campo mais
bem preparados” - avalia Serapião, segundo o qual a CBF tira o
árbitro que erra da escala geralmente por causa de “gritaria” de
presidentes de clubes, como o do Sport, Yuri Romão, revoltado com o
pênalti marcado contra seu time.
“A CBF adota uma postura
política e abominável. Você só pune o árbitro que prejudicou o clube
que grita? E o clube que não grita você deixa pra lá?”, questiona.
“A CBF pensa apenas em dar satisfação política”.
Simon concorda que não é eficaz a
chamada “reciclagem”. “O árbitro precisa de tranquilidade para
exercer sua função na plenitude. Punir árbitro assim não dá
tranquilidade”.
Mesmo pensamento tem o ex-árbitro
e comentarista de arbitragem da Record, Sálvio Spínola. “A CBF
não corrige a arbitragem. Ela pune pra galera”.
Spínola considera que uma das
razões da crise no apito é não existir segurança jurídica para os
árbitros, uma vez que eles não são vinculados juridicamente a
nenhuma entidade. Hoje, Segundo a legislação vigente, juízes e
bandeirinhas são trabalhadores autônomos, pagos a cada partida
realizada.

Mesmo arrecadando mais de R$ 1
bilhão em 2023, a CBF, sob Ednaldo, engavetou projeto apresentado
por Seneme para construção um centro de treinamento exclusivo para
árbitros, como mostrou reportagem da revista Piauí, e cortou verba
para qualificar os juízes a partir de uma escola de arbitragem.
“A CBF é a única confederação
no mundo que não forma árbitro. Quem forma árbitro no Brasil são as
27 federações. Ela qualifica, dá treinamento, mas é a única que não
forma” - constata Spínola.
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Bruno Arleu de Araújo foi o responsável
pela arbitragem de Sport x Palmeiras - Foto: Cesar Greco/SE
Palmeiras |
Depois do péssimo desempenho de
alguns dos principais árbitros brasileiros, a CBF resolveu
concentrar árbitros e assistentes antes do início da quarta rodada
do Brasileirão para um treinamento. Eles vão se apresentar no dia 14
para as atividades no campo do Clube da Aeronáutica (CAER) e no
Centro de Excelência da Arbitragem Brasileira (CEAB), no Rio. Antes,
os profissionais vinham somente assistindo a aulas online. “O
objetivo é fazer todo o trabalho de campo, de mecânica de
arbitragem, simulação de jogo com a nossa equipe de instrutores”,
afirmou Cintra.
Serapião e Spínola apontam
decisões políticas da CBF, e não técnicas, como outros motivos que
impedem o avanço da arbitragem do futebol brasileiro. “A CBF pensa
apenas em dar satisfação política. Toda a estrutura precisa mudar”,
critica Serapião.
Quanto ganha um árbitro no
Brasil?
Os árbitros mais bem remunerados
no Brasil são os que têm pertencem ao quadro da Fifa: ganham R$
7.280,00. Os quem tem escudo da CBF recebem R$ 5.250,00. Já
bandeirinha e árbitro de vídeo faturam R$ 4.370,00 (FIFA) e R$
3.150,00 (CBF) a cada jogo. Os valores foram atualizados neste ano.
Há, também, o pagamento de diárias e taxas de deslocamento. Os
valores contrastam com os altos salários de algumas das estrelas da
elite do futebol brasileiro, que recebem mais de R$ 1 milhão por
mês.

A remuneração é justa, avaliam os
ex-árbitros ouvidos pelo Estadão. No entanto, eles apontam a
necessidade de haver um salário fixo, e não apenas o pagamento por
jogo. “Reduzir por jogo e pôr um fixo para os árbitros dá segurança
para os árbitros”, opina Spínola, segundo o qual os donos do apito
vivem inseguros e tenso à espera da escala de cada partida. “A CBF é
quem melhor paga por jogo e quem pior paga por mês”.

Todos os árbitros são formados,
embora a maioria dos que compõem a elite não atuem mais em suas
áreas porque obtêm remuneração alta apitando jogos importantes. Juiz
que revoltou o Sport ao marcar pênalti para o Palmeiras no último
domingo, Bruno Arleu de Araújo é policial militar do Rio de Janeiro.
Já Edina Alves é professora de educação física e Flavio Rodrigues de
Souza, representante comercial.
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Ednaldo Rodrigues, presidente da CBF,
criou comitê consultivos com ex-árbitros internacionais -
Foto: Staff Images/CBF |
Como é em outras ligas
Segundo o The Athletic, LaLiga é
quem melhor remunera seus árbitros. Árbitros espanhóis têm salário
de US$ 157,1 mil (R$ 944 mil), além de um adicional de US$ 5,31 mil
(R$ 31 mil) por partida. No caso de árbitros de vídeo, o valor
adicional é de US$ 2,65 mil (R$ 16 mil). Eles ainda recebem US$
27,68 mil (R$ 166 mil) por ano, referentes a direitos de imagens
pelas propagandas no uniforme.
Na Inglaterra, o pagamento é feito
conforme uma escala que depende do nível de experiência e
classificação do árbitro, podendo pagar entre U$ 92,37 mil (R$ 555
mil), US$ 132,84 mil (R$ 800 mil) e US$ 185,84 (R$ 1,1 mil). Por
jogo, há o pagamento de US$ 1,4 mil (R$ 8,4 mil) ou US$ 1,05 mil (R$
6 mil) em caso de assistentes de vídeo.
A Premier League também oferece um
bônus de desempenho e acertos, com base na supervisão do
Professional Game Match Officials Limited (PGMOL), órgão responsável
pelo desenvolvimento e as nomeações de árbitros no futebol inglês.
Conforme o The Athletic, os valores pagos na MLS, liga
norte-americana, são similares aos dessas duas ligas europeias. Na
sequência, vêm Itália, Alemanha e França.
A Inglaterra é um dos poucos
países onde a arbitragem é profissionalizada, com uma estrutura que
disponibiliza preparador físico, psicólogo, médico e fisioterapeuta
aos juízes. Lá, os contratos são por temporada e, ao final de cada
jornada, o desempenho dos profissionais é avaliado. Os piores não
têm seus contratos renovados. Em Portugal, apenas árbitros com
escudo FIFA podem aderir à profissionalização. A federação do país
limita o número argumentando os altos custos com encargos
trabalhistas.