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Decisões políticas, amadorismo e estrutura: por que a arbitragem brasileira está em crise

Ex-árbitros afirmam que profissionalização ajudaria, mas não seria suficiente para resolver os problemas, e dizem que afastamento deixam juízes tensos e inseguros
    São Paulo - 13/04/2025    07:19hs
Crise no apito fez CBF organizar treinamentos para árbitros no Rio - Foto: Thais Magalhães/CBF
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Por Ricardo Magatti / Estadão

Algumas coisas não mudam no futebol brasileiro ano após ano, rodada após rodada do Brasileirão: as críticas à arbitragem devidos aos erros em profusão, os afastamentos constantes dos profissionais e a falta de vínculo empregatício com as entidades com as quais estão ligados. Nesta temporada, as cobranças se tornaram mais intensas após as falhas dos juízes que apitaram Sport 1 x 2 Palmeiras e Inter 3 x 0 Cruzeiro, em duelos da segunda rodada da competição. Os equívocos foram reconhecidos pela própria CBF.

As falhas dos árbitros são “combatidas” com as mesmas medidas há anos: a curto prazo, mandando os profissionais para a geladeira por alguns dias; a longo prazo, trocando o comando da arbitragem brasileira. Seguirá a crise no apito se não for profissionalizado o trabalho da arbitragem de futebol no Brasil, avalia Carlos Eugênio Simon, comentarista de arbitragem e ex-árbitro brasileiro que mais apitou jogos de Copas do Mundo (Japão/Coreia do Sul-2002, Alemanha-2006 e África do Sul-2010).

Neste ano, cobrado, o presidente da CBF, Ednaldo Rodrigues, promoveu uma espécie de reformulação ao demitir Wilson Luiz Seneme, substituído pelo ex-árbitro Rodrigo Martins Cintra, que coordena uma equipe com seis profissionais: Luiz Flávio de Oliveira, Marcelo Van Gasse, Fabrício Vilarinho, Luis Carlos Câmara Bezerra, Eveliny Almeida, Emerson Filipino Coelho.

A CBF também criou um comitê consultivo permanente para acomodar o chamado Comitê Consultivo de Especialistas Internacionais (CCEI). Esse grupo tem o italiano Nicola Rizzoli e o argentino Néstor Pitana, que apitaram as finais da Copa do Mundo de 2014 e 2018, além do brasileiro Sandro Meira Ricci.

Foi um parecer do CCEI que apontou os erros nos jogos Inter x Cruzeiro e Sport x Palmeiras e que serviu como base para a CBF afastar os árbitros Marcelo de Lima Henrique e Bruno Arleu de Araújo. “Infelizmente, existem momentos de instruir, coibir e também de afastar. Neste momento, a Comissão de Arbitragem afasta para instrução as equipes das partidas em que, na visão do CCEI, houve equívocos”, argumentou Rodrigo Cintra.

As lambanças da arbitragem

Idealizador do VAR e por 15 anos o profissional que fazia análise sobre o desempenho dos árbitros dentro da CBF, o baiano Manoel Serapião entende que mandar os juízes pra geladeira é uma medida inócua.

Ele argumenta que o afastamento baixa a autoestima dos juízes, provoca tensão e insegurança e causa uma exposição desnecessária.

“O certo é após cada jogo, você analisar o vídeo com o árbitro. A gente só ataca o problema com punição e vê apenas os erros a cada jogo. Se os árbitros se dedicassem, com filosofia pré-definida, eles estariam em campo mais bem preparados” - avalia Serapião, segundo o qual a CBF tira o árbitro que erra da escala geralmente por causa de “gritaria” de presidentes de clubes, como o do Sport, Yuri Romão, revoltado com o pênalti marcado contra seu time.

“A CBF adota uma postura política e abominável. Você só pune o árbitro que prejudicou o clube que grita? E o clube que não grita você deixa pra lá?”, questiona. “A CBF pensa apenas em dar satisfação política”.

Simon concorda que não é eficaz a chamada “reciclagem”. “O árbitro precisa de tranquilidade para exercer sua função na plenitude. Punir árbitro assim não dá tranquilidade”.

Mesmo pensamento tem o ex-árbitro e comentarista de arbitragem da Record, Sálvio Spínola. “A CBF não corrige a arbitragem. Ela pune pra galera”.

Spínola considera que uma das razões da crise no apito é não existir segurança jurídica para os árbitros, uma vez que eles não são vinculados juridicamente a nenhuma entidade. Hoje, Segundo a legislação vigente, juízes e bandeirinhas são trabalhadores autônomos, pagos a cada partida realizada.

Mesmo arrecadando mais de R$ 1 bilhão em 2023, a CBF, sob Ednaldo, engavetou projeto apresentado por Seneme para construção um centro de treinamento exclusivo para árbitros, como mostrou reportagem da revista Piauí, e cortou verba para qualificar os juízes a partir de uma escola de arbitragem.

“A CBF é a única confederação no mundo que não forma árbitro. Quem forma árbitro no Brasil são as 27 federações. Ela qualifica, dá treinamento, mas é a única que não forma” - constata Spínola.

Bruno Arleu de Araújo foi o responsável pela arbitragem de Sport x Palmeiras - Foto: Cesar Greco/SE Palmeiras

Depois do péssimo desempenho de alguns dos principais árbitros brasileiros, a CBF resolveu concentrar árbitros e assistentes antes do início da quarta rodada do Brasileirão para um treinamento. Eles vão se apresentar no dia 14 para as atividades no campo do Clube da Aeronáutica (CAER) e no Centro de Excelência da Arbitragem Brasileira (CEAB), no Rio. Antes, os profissionais vinham somente assistindo a aulas online. “O objetivo é fazer todo o trabalho de campo, de mecânica de arbitragem, simulação de jogo com a nossa equipe de instrutores”, afirmou Cintra.

Serapião e Spínola apontam decisões políticas da CBF, e não técnicas, como outros motivos que impedem o avanço da arbitragem do futebol brasileiro. “A CBF pensa apenas em dar satisfação política. Toda a estrutura precisa mudar”, critica Serapião.

Quanto ganha um árbitro no Brasil?

Os árbitros mais bem remunerados no Brasil são os que têm pertencem ao quadro da Fifa: ganham R$ 7.280,00. Os quem tem escudo da CBF recebem R$ 5.250,00. Já bandeirinha e árbitro de vídeo faturam R$ 4.370,00 (FIFA) e R$ 3.150,00 (CBF) a cada jogo. Os valores foram atualizados neste ano. Há, também, o pagamento de diárias e taxas de deslocamento. Os valores contrastam com os altos salários de algumas das estrelas da elite do futebol brasileiro, que recebem mais de R$ 1 milhão por mês.

A remuneração é justa, avaliam os ex-árbitros ouvidos pelo Estadão. No entanto, eles apontam a necessidade de haver um salário fixo, e não apenas o pagamento por jogo. “Reduzir por jogo e pôr um fixo para os árbitros dá segurança para os árbitros”, opina Spínola, segundo o qual os donos do apito vivem inseguros e tenso à espera da escala de cada partida. “A CBF é quem melhor paga por jogo e quem pior paga por mês”.

Todos os árbitros são formados, embora a maioria dos que compõem a elite não atuem mais em suas áreas porque obtêm remuneração alta apitando jogos importantes. Juiz que revoltou o Sport ao marcar pênalti para o Palmeiras no último domingo, Bruno Arleu de Araújo é policial militar do Rio de Janeiro. Já Edina Alves é professora de educação física e Flavio Rodrigues de Souza, representante comercial.

Ednaldo Rodrigues, presidente da CBF, criou comitê consultivos com ex-árbitros internacionais - Foto: Staff Images/CBF

Como é em outras ligas

Segundo o The Athletic, LaLiga é quem melhor remunera seus árbitros. Árbitros espanhóis têm salário de US$ 157,1 mil (R$ 944 mil), além de um adicional de US$ 5,31 mil (R$ 31 mil) por partida. No caso de árbitros de vídeo, o valor adicional é de US$ 2,65 mil (R$ 16 mil). Eles ainda recebem US$ 27,68 mil (R$ 166 mil) por ano, referentes a direitos de imagens pelas propagandas no uniforme.

Na Inglaterra, o pagamento é feito conforme uma escala que depende do nível de experiência e classificação do árbitro, podendo pagar entre U$ 92,37 mil (R$ 555 mil), US$ 132,84 mil (R$ 800 mil) e US$ 185,84 (R$ 1,1 mil). Por jogo, há o pagamento de US$ 1,4 mil (R$ 8,4 mil) ou US$ 1,05 mil (R$ 6 mil) em caso de assistentes de vídeo.

A Premier League também oferece um bônus de desempenho e acertos, com base na supervisão do Professional Game Match Officials Limited (PGMOL), órgão responsável pelo desenvolvimento e as nomeações de árbitros no futebol inglês. Conforme o The Athletic, os valores pagos na MLS, liga norte-americana, são similares aos dessas duas ligas europeias. Na sequência, vêm Itália, Alemanha e França.

A Inglaterra é um dos poucos países onde a arbitragem é profissionalizada, com uma estrutura que disponibiliza preparador físico, psicólogo, médico e fisioterapeuta aos juízes. Lá, os contratos são por temporada e, ao final de cada jornada, o desempenho dos profissionais é avaliado. Os piores não têm seus contratos renovados. Em Portugal, apenas árbitros com escudo FIFA podem aderir à profissionalização. A federação do país limita o número argumentando os altos custos com encargos trabalhistas.

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