Na semana passada, a árbitra Edina
Alves recebeu a notícia que marca um recomeço em sua trajetória: sua
mãezinha, de 64 anos, está curada do câncer. Um linfoma, descoberto
um pouco antes do fatídico jogo entre São Paulo e Novorizontino pelo
Campeonato Paulista deste ano, tirou a paranaense do prumo.
O pai de Edina morreu pela mesma
doença anos atrás, e as previsões ruins dos médicos em relação ao
estado de saúde da mãe causaram meses de tensão. Hoje, depois de
muita terapia, ela compreende que, naquele momento, deveria ter dado
um tempo na arbitragem. Mas foi com a notícia da cura que a árbitra
consagra sua nova fase: apitou, no domingo (26), uma final histórica
do Brasileirão feminino, com 100% do elenco de arbitragem formado
por mulheres —desde assistentes até o VAR. Em campo, o Corinthians
atropelou o Palmeiras e foi campeão.
Edina Alves apita pela CBF desde
2007. Foram 12 anos até que chegasse à arbitragem de uma partida da
série A —20 de futebol profissional. Período de testes. A cada jogo
ruim, ela voltava várias casas. Regras, todos passam por isso.
Entretanto, a reportagem apurou que o tempo de testagem do jovem
árbitro catarinense Ramon Abatti, de 32 anos, foi menor: três anos.
Ele entrou no quadro de árbitros da CBF em 2017, e apitou sua
primeira partida pela Série A do Brasileiro em 2020.
É bastante sinuosa a escada que
mulheres precisam subir para alcançar posições de destaque no
futebol. E é por isso que a final do Brasileiro feminino foi tão
importante. Bateu recorde de pedidos de credenciamento para a
imprensa: 224. Quase duas vezes mais que a quantidade de
solicitações para o dérbi masculino, que aconteceu no mesmo fim de
semana.
"Nós, mulheres, temos que
provar o tempo todo que somos capacitadas. Mesmo quando a gente
consegue mostrar, não adianta mostrar uma, duas vezes. A gente tem
que mostrar sempre. E, quando a gente erra, a tolerância é bem
menor", diz Edina em entrevista ao UOL.
“O homem vem com selo de
qualidade aprovado pela sociedade, principalmente no futebol. Quando
a menina nasce, ganha uma boneca. O menino, uma bola."
Ainda assim, ela diz querer ser
reconhecida pelo trabalho, e não pelo gênero.
"A gente tem vivido uma nova
fase, que é resultado de uma construção de anos. Um passo de cada
vez, um na frente do outro. Com competência e muita capacidade, as
mulheres têm requisitado o próprio espaço. Não me refiro só à
arbitragem feminina, mas também ao futebol feminino, que tem
crescido cada vez mais".
"Brigamos, trabalhamos e
construímos para conquistar esse espaço. Amamos futebol como os
homens". A árbitra-assistente da partida foi a querida dupla de
Edina, Neuza Back, com quem a paranaense coleciona histórias e jogos
importantes. Ela diz: "Essa parceria foi fundamental para o meu
crescimento".
O número de mulheres na arbitragem
tende a aumentar. Isso porque, Edina explica, há muitas garotas
ingressando na área. "Eu tenho 22 anos de profissão, mas tem muita
menina começando, e, na arbitragem, não se deve pular fases. É
importante construir a própria história com paciência, para chegar
com capacidade e qualidade que ninguém vai poder questionar. Logo,
haverá muitas mulheres apitando".
Depressão por
erro
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Luciano foi derrubado em choque com
Giovanni, goleiro do Novorizontino: Edina depois admitiu que
deveria ter dado pênalti Imagem: Crédito: Rubens Chiri /
saopaulofc.net |
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A cada erro, os árbitros são
penalizados —as punições envolvem um período sem apitar partidas. E,
para quem não sabe, árbitro ganha por jogo —eles não têm salário
fixo, como é o caso dos jogadores.
"Ressaltar isso é importante,
porque os torcedores acham que a gente erra de propósito, para
favorecer um time. Isso não existe. Errar deixa a gente sem
trabalho, sem receber. A gente paga pelo erro —que é extremamente
doloroso, não só pela punição, mas pela nossa própria cobrança".
Em março deste ano, pelo
Campeonato Paulista, Edina cometeu um equívoco na arbitragem de uma
partida entre São Paulo e Novorizontino. Foram seis meses até que
ela conseguisse falar sobre isso. Ao se posicionar de forma
equivocada, a árbitra não teve visão na hora de um lance dentro da
área. Seria pênalti para o São Paulo, mas Edina não marcou.
"Eu não vi. Falei para o VAR
que estava em dúvida porque não tinha conseguido enxergar. Ele me
disse que não havia sido pênalti, e eu segui", relembra. Ao chegar
no vestiário ao fim da partida, ela reviu o lance por meio de um
vídeo no celular. "Ali, desabei. Falei para meus colegas: 'Eu errei,
foi pênalti'. Eles tentaram me consolar dizendo que o VAR havia me
dito que não. Mas eu estava vendo no vídeo, foi pênalti, sim. E eu
não dei."
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O VAR
Adriano de Assis Miranda
(ao lado), 41 anos, o mesmo da polemica final paulista de
2018 entre Palmeiras e Corinthians, onde teria havido
intervenção externa nas decisões da arbitragem, foi no
árbitro de vídeo da partida e confirmou para a árbitra que
não tinha sido penalidade.
Na época, em matéria, o
Apitonacional publicou
esta informação, agora confirmada pela própria árbitra.
Crédito: CBF |
"Esse lance me machucou. Fiquei
deprimida, em uma fossa absurda por meses. Precisei de terapia para
me recompor daquele dia, e essa é a primeira vez que falo sobre isso
abertamente. Foi um erro inadmissível, eu me posicionei mal e não
consegui ver. Não gosto de errar, ainda mais desse jeito", lamenta.
"Pedi desculpa para a minha equipe de arbitragem. Disse que queria
me redimir com os jogadores do São Paulo, mas não foi possível".
"Eu não vi.
Falei para o VAR que estava em dúvida porque não tinha conseguido
enxergar. Ele me disse que não havia sido pênalti, e eu segui",
relembra Edina.
Foi naquele mesmo período que
Edina descobriu o linfoma da mãe, que ainda mora no Paraná. "Hoje,
eu percebo que deveria ter parado de apitar naquele período. Eu não
conseguia pensar em outra coisa senão isso, era muita preocupação.
Mesmo tensa, apreensiva, eu tinha obrigação de tranquilizar minha
mãe, de dizer que iria passar, que ela venceria, mesmo sem qualquer
certeza disso. E eu estava longe. Foi difícil. Sei que não ter
parado me prejudicou na arbitragem, mas são escolhas que a gente
faz".
Edina conta que, durante o
tratamento de quimioterapia, a mãe parou de assistir aos jogos
apitados pela filha —antes do câncer, ela não perdia um. O
procedimento a deixava bastante debilitada. "Na mesma semana que
recebi a notícia da cura dela, também soube que apitaria uma final
exclusivamente feminina na série A do Brasileirão. Foi um presente,
que compartilhei com ela.
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"Mãe, você sabia que vou apitar
um jogo todo de mulher? Vai ter mulher em campo, na arbitragem e até
na cabine", falei, e ela respondeu: "Tudo mulher? Em todos os
lugares? Que legal, minha filha. Vou torcer por vocês".
As informações são de Talyta Vespa - Do UOL, em
São Paulo