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Igor Benevenuto, primeiro árbitro FIFA a se assumir gay: 'No futebol, ainda hoje, tem casos de jogadores que vivem uma vida dupla'

    São Paulo - 26/06/2024    15:22hs
Árbitro Igor Junio Benevenuto durante jogo entre Goiás e Palmeiras - Crédito: Cesar Greco/Ag Palmeiras
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Há dois anos, Igor Benevenuto trocou os gramados pelas cabines de VAR. Estava com 41 anos. Mas a grande mudança não foi essa. Também em 2022 ele decidiu assumir publicamente que era gay no futebol. Foi o primeiro árbitro FIFA a fazer isso.

Ele anunciou no podcast "Nos Armários do Vestiário", da jornalista Joanna de Assis, incerto sobre o impacto. Profissionalmente, continuou como enfermeiro e presente na arbitragem, tanto em jogos das Séries A e B como nas eliminatórias. Foi ainda o único árbitro brasileiro na Mundial sub-17, em 2023, na Indonésia. Pessoalmente...

"Foi muito importante. Primeiramente, para me libertar, viver plenamente quem sou eu hoje em dia. Não enganar ninguém. Não me enganar e poder viver meus relacionamentos. Hoje eu posso sair onde eu quero, conviver com quem eu quero, posso ter um relacionamento sem ser julgado. E quem quiser julgar é problema dele. Isso não me incomoda mais" - disse Benevenuto à ESPN, em entrevista em 2023.

O futuro no futebol chegou a ser alvo de preocupação de Benevenuto porque o tema ainda é um tabu, mesmo com campanhas de conscientização da CBF e dos clubes, mesmo em uma semana como esta, de orgulho LGBTQIA+. Mas ele decidiu correr o risco e se abrir para a modalidade que ele escolheu na infância por ser "diferente".

“Esse foi o ponto chave porque eu odiava futebol até meus 14 anos. E todos os meus amigos eram só futebol, enquanto eu não participava de nada. Eu já tinha atração por homens, mas não vivia nenhum tipo de contato. Ficava excluído de tudo. E já tinha aquele bullying: 'Quem não joga bola é viadinho. Gosta de outra coisa'. Aquilo me incomodava muito, e eu tinha uma família evangélica muito rígida. Então, eu tinha que arrumar alguma estratégia para poder participar."

"Foi no ano da Copa do Mundo de 1994. Eu assisti meu primeiro jogo e eu vi aquela figura diferente, especial, comandando o jogo. Achei muito interessante. Aí eu falava com os meninos: 'Agora vou apitar. Vocês vão jogar, e eu vou ser o juiz'. Eu comecei assim" - disse.

O futebol foi uma ferramenta de inserção social para o garoto Igor, mas a orientação sexual era mantida em segredo, até em casa. Foi um acidente que acabou fazendo com que ele saísse do armário para a mãe e a irmã mais velha.

"Quando eu tinha 24 pra 25 anos, eu tinha uma namorada, terminei esse namoro com ela e daí eu tive meu primeiro contato com uma boate gay. A partir daí eu comecei a frequentar e numa dessas eu fiquei com um rapaz. Ocasionalmente minha mãe tinha uma amiga que trabalhava com ela, que era lésbica, e ela me viu. No outro dia, ela disse para minha mãe: 'Graça, seu filho é gay? Eu estava em tal lugar e eu o vi com um cara'. Minha mãe enlouqueceu" - relembrou Benevenuto.

"Aí no outro dia, primeiro dia de férias da minha faculdade, eu estava em casa e ela falou: 'Eu sou sua mãe. Pode abrir o coração que eu vou te apoiar de qualquer forma. Você gosta de homens ou de mulheres?'. Eu tentei até amenizar a situação e disse: 'Não vou mentir para você. Mas eu gosto de meninas e meninos'. Aí ela surtou, começou a chorar: 'Eu já sabia que você era porque desde os quatro anos de idade você ficava olhando para os homens e isso me incomodava'. Ficou três meses sem falar comigo. Entrou em crise. Ficou depressiva. Aí ela chegou e contou pra minha irmã. Aí minha irmã veio conversar comigo. Aí a família ficou sabendo assim" - completou.

Igor Benevenuto em ação durante uma partida de futebol Getty Images

O choque durou um tempo, mas a mãe do árbitro acabou se tornando uma das pessoas mais solidárias quando ele decidiu que deveria expor publicamente.

"Com o tempo ela foi absorvendo, vendo que não mudava o meu caráter. Acho também que o que vem na cabeça dos pais é a questão da agressão, a questão do preconceito, da pessoa sofrer algum tipo de problema grave, igual a gente vê várias pessoas que às vezes são mortas até hoje por causa da sua orientação sexual. No dia que liguei para ela e disse: 'Amanhã vai sair uma reportagem que estou me assumindo'. Ela mora na Nova Zelândia com a minha irmã. Ela começou a chorar muito: 'Pra que você vai fazer isso? Não precisa. Só quem tem que saber é a gente'. Depois disso ela me ligou e falou: 'Você tem que fazer mesmo, tem que se libertar, eu te apoio. Se der problema, você vem para a Nova Zelândia porque aqui é aceito. Você tem que ser feliz'. E hoje a gente tem uma convivência supersaudável em relação a esse assunto."

"Ela conseguiu absorver, conseguiu mudar o comportamento dela e eu acho que é o natural porque ela vem de uma geração totalmente ao contrário. Ela foi ensinada de uma forma muito mais rígida. Não teve nenhum tipo de aparato, nenhum tipo de ensinamento do que é a questão homossexual. Ela aprendeu, está aprendendo. Eu também. Tem algumas coisas que ainda a gente tem que melhorar, mas é evoluindo sempre. Viver a vida e ser feliz é liberto. Eu me libertei" - disse.

No mundo profissional, especificamente no futebol, a condução de Igor até assumir foi um pouco mais desgastante. Ele revelou que criou uma máscara para sobreviver.

"Eu comecei a arbitragem com 17, então foram 25 anos sem poder assumir pelo medo da minha carreira ser encerrada e eu não realizar meus sonhos. E eu sei que vários jogadores, principalmente de base, que tinham algum estereótipo ou alguém tinha alguma suspeita tiveram as carreiras ceifadas. Por isso, ainda hoje, no meio do futebol, a gente tem casos que eu conheço anonimamente, pessoas me contaram, de jogadores que são casados, mas que vivem uma vida dupla."

"A gente acaba montando algumas estratégias. Eu era uma pessoa menos acessível, uma pessoa mais restrita. Às vezes, tinha alguns comportamentos de agressividade, de dar respostas ríspidas. De excluir as pessoas para não ter tanta proximidade. As pessoas geralmente falavam: 'Ah, você é um homem bonito, interessante, estudioso, trabalhador. Cadê sua namorada?'. Eu sofria mesmo internamente. Todo dia deitava na cama ali e ficava pensando qual seria a estratégia para outro dia para poder levantar e não demonstrar isso para ninguém. Eu sofri. Tive depressão, já tive que tomar medicamento. Custei a encontrar uma psicóloga que eu pudesse verbalizar e colocar isso para fora" - disse.

Hoje, tudo é aprendizado para ele, que passou a falar abertamente, inclusive fora do Brasil. Repercutiu mundialmente a notícia de que Igor Benevenuto foi o primeiro árbitro FIFA a se assumir. Além de dizer que está mais leve, ele também se deparou com uma outra situação. Pessoas do futebol dividindo com ele seus dramas.

"Recebi muitas mensagens pelo Instagram de pessoas, até de forma anônima, que vivem no futebol e que não se assumem pelo medo do preconceito. A gente vê casos de torcedores, de jogadores, né, sendo agredidos verbalmente, às vezes até fisicamente. Às vezes não conseguir um clube de primeira divisão ou até mesmo ser tirado do futebol. A maioria não se liberta, não se mostra, não se assume, por ter esse preconceito ainda muito latente até hoje. Eu tive uma experiência feliz. Tive apoio da comissão de arbitragem, da CBF. A Fifa mandou um e-mail agradecendo a minha postura. E recebi várias mensagens, várias pessoas me agradecendo pelo que eu fiz. Recebi telefonemas de dirigentes, de pessoas que tinham isso dentro da família. Começou a olhar de uma forma diferente para poder ajudar seus filhos, ajudar os próprios jogadores de base, introduzir esse tipo de assunto porque era uma coisa que era totalmente reprimida, não era conversada e muitos jovens sofrem esse tipo de situação. Eu acho que foi apenas um pequeno passo, mas um passo importante pra gente democratizar. A gente tem que colocar o futebol acessível a todas as pessoas, independente da orientação sexual dela” - completou Igor Benevenuto.

As informações são da ESPN

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