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Árbitra goiana Michelle Safatle -
Crédito: Fábio Lima |
Única árbitra central do quadro da
Federação Goiana de Futebol (FGF), Michelle Safatle é a aposta
feminina no time de arbitragem de Goiás. Depois de 13 anos sem ter
uma mulher para apitar jogos da 1ª Divisão do Goiano – Sirley
Cândida foi a última, em 12 de fevereiro de 2006 -, a ex-jogadora de
futebol está no caminho para quebrar o hiato.
O percurso é longo. Neste ano,
Michelle apitou um jogo da Série A2 do Campeonato Brasileiro
Feminino – Aliança x Taubaté, em 8 de maio – e, pela primeira vez,
uma partida profissional dos homens, na 3ª Divisão do Campeonato
Goiano – Pires do Rio x Raça Sport, em 27 de outubro. Sem pressa
para chegar à 1ª Divisão, a árbitra se dedica para fazer carreira de
qualidade.
“Preciso de mais jogos para ter
bagagem para apitar 1ª Divisão. Conheço a malícia de jogadores, não
quero ser intimidada. A expectativa é alta, mas não quero pular
etapas. Quero estar pronta para não me queimar”, falou Michelle.
A goiana integra o time da FGF há três
anos. Formada em 2016, Michelle consta como interina no quadro da
Confederação Brasileira de Futebol (CBF). É a única mulher do Estado
indicada para compor a equipe nacional de árbitros.
A arbitragem goiana, nas funções de
árbitra e assistente, passa por jejum de mulheres. A última vez em
que um jogo da elite do Goianão teve uma mulher no gramado foi como
assistente, com Gabrielle Sales, em 26 de janeiro de 2011, no jogo
entre Goiás e Morrinhos.
Presidente da comissão de arbitragem
da FGF, Júlio César Mota explica que essa escassez na função se deve
à exigência de aprovação no teste físico masculino. “Diminuiu o
número de mulheres porque começamos a exigir que quem fosse
trabalhar no futebol masculino deveria se habilitar no teste físico
masculino”, justificou o presidente sobre o que passou a ser regra
da CBF em 2007.
Júlio César também explicou o motivo
de Michelle ainda não ser, oficialmente, do quadro da CBF.
“A metodologia de acesso à CBF
mudou nos últimos anos. Para integrar o quadro, o requisito é ter
oito jogos no futebol profissional. Desses, três precisam ser na 1ª
Divisão do Estadual”, disse o dirigente.
Michelle não sabe como foi parar nesse
ambiente de juízes de futebol. Aos 31 anos, a ex-jogadora de futebol
deixou a carreira nos gramados, mas não saiu de dentro das quatro
linhas.
“Eu xingava árbitros. Nunca gostei
deles. Não sei como estou nessa profissão”, disse Michelle, aos
risos. Ao se recuperar das gargalhadas, falou sério sobre a jovem
carreira. “Minha cabeça mudou. Eu achava que sabia de futebol, mas
não sabia nada. A arbitragem me possibilitou esse estudo aprofundado
do esporte”, completou.
O sonho de ser jogadora de futebol foi
substituído pelo de ser árbitra Fifa. No primeiro objetivo, Michelle
chegou perto. Depois de jogar pelo Aliança, quis seguir carreira
internacional. Por ser atleta, ganhou bolsa de estudos nos Estados
Unidos, onde morou dos 20 aos 25 anos.
Além de ter tido formação em quatro
cursos ligados à administração, a árbitra participou de jogos
universitários de futebol. Na posição de meia-atacante, jogou em
torneios semiprofissionais e ganhou chance de fazer teste no
profissional de um time do país. A oportunidade foi comemorada, mas
veio no momento da única lesão no joelho que a jogadora teve.
“Quando jogava no Brasil, tive
muita lesão de tornozelo. Nos Estados Unidos, tive uma no tornozelo,
ao fim da temporada, mas recuperei. Depois, tive lesão no joelho,
antes do teste profissional. Foi em uma partida que joguei com
homens. Lesionei em uma dividida. Não fui para o teste profissional
totalmente recuperada”, disse a árbitra que, nos três anos de
carreira no apito, não jogou futebol por medo de machucar.
A inspiração para seguir carreira vem
em duas figuras de destaque no cenário da arbitragem no País. Wilton
Pereira Sampaio e Edina Alves, ambos categoria Fifa. Na final do
Campeonato Goiano Feminino deste ano, Michelle foi 4ª árbitra na
equipe liderada pelo goiano. O melhor árbitro do Brasileirão de 2019
exaltou a técnica, o condicionamento e a disciplina da goiana.
“Vejo potencial nela. Tem tido
crescimento muito bom desde sua formação. Quando tem dúvidas ou quer
discutir algo interno, nos procura para auxiliar. Eu a vejo com
ótimo futuro. Tem se destacado muito em todos os pilares para se
tornar uma árbitra de elite”, disse Wilton Pereira Sampaio sobre
Michelle.
Presidente da FGF, André Pitta
acredita que depende somente de Michelle alcançar esse feito e ele
pode demorar um pouco. “Arbitragem é trabalho de carreira. Pode ser
que ela chegue lá em cima mais rápido do que pensamos, mas também
pode ser que ela nem chegue a apitar uma 1ª Divisão. Depende dela”,
disse André Pitta.
Teste
físico igual ao dos homens é a maior dificuldade para avançar
O último curso de arbitragem em Goiás,
no ano passado, foi o que teve maior procura de mulheres. Em 2016,
três mulheres se formaram. Em 2018, o número subiu para oito. Mesmo
assim, a presença feminina no quadro da Federação Goiana de Futebol
(FGF) é escassa. A maior dificuldade é a obrigatoriedade do teste
físico.
Para o presidente da Federação Goiana
de Futebol (FGF), André Pitta, a divulgação do futebol feminino no
Estado pode incentivar as mulheres a seguirem carreira na
arbitragem. Mesmo assim, acredita que a função não depende de
gênero. “Não dá para colocar um árbitro para apitar um jogo
importante só porque é mulher. Independentemente se é homem ou
mulher, precisa estar bem fisicamente, mostrar amadurecimento e
conhecimento de técnica”, disse o presidente da FGF.
A entidade conta com apenas três
mulheres na composição do quadro: uma árbitra central – Michelle
Safatle - e duas assistentes – Jordana Batista e Michele Caixeta. O
teste físico é a maior barreira feminina. No entanto, outros fatores
intimidam.
“Gostar de futebol, muitas mulheres
gostam, mas é difícil ter coragem de colocar um apito ou uma
bandeira na mão. O número de mulheres na arbitragem vem crescendo.
Estamos, aos poucos, conquistando o nosso espaço”, disse a
assistente Michele Caixeta.
As duas assistentes da FGF se formaram
no curso de 2018. A motivação para seguir carreira é a mesma, paixão
pelo futebol, já que ambas são ex-jogadoras. “Nós, mulheres, temos
as mesmas oportunidades que os homens. Porém, para se destacar, é
exigido um pouco mais de nós, por conta da diferença biológica com o
sexo masculino. Com isso, mesmo com demanda de mulheres nos cursos
de arbitragem, a maioria não consegue o desempenho necessário em
atividades físicas”, opinou Jordana.
A análise da assistente é confirmada
pela realidade. Das oito formandas de 2018, quatro não conseguiram
passar pelos testes físicos necessários - Raíza Ritucci, Thays
Rodrigues, Thaissa Alves e Thais Cristina. Outras duas – Geliainne
de Barros e Sara do Nascimento – sequer tentaram, ao final do curso.
“Os testes físicos são a maior
dificuldade. Ainda não consegui entrar por esse motivo”, disse
Raíza, que continua a sonhar com carreira na profissão.
Outros fatores justificam o
afastamento das mulheres na profissão, segundo a aspirante a
árbitra.
“É um universo muito masculino
ainda. O preconceito é muito presente. Também acho que outras
dificuldades impedem o ingresso de mulheres, como parte física,
desinformação e falta de incentivo”, finalizou.
Thays, que não passou na prova física,
entende a importância da exigência, apesar de reconhecer a
dificuldade. A vontade de ser árbitra vem de exemplo em casa. “Meu
pai, Josenildo Rodrigues, é árbitro amador nas horas vagas. Sempre
achei legal. Quero seguir carreira, mas preciso passar nos testes. É
essencial para um árbitro”, falou Thays.
As outras duas formandas da turma em
que se formou, em 2016, a árbitra central Michelle Safatle,
continuam a tentar. Izabelly Rosa e Laís Meirelles podem apitar
competições amadoras não oficiais da FGF.
Laís quer seguir carreira, mas
encontra dificuldades para conciliar a rotina na faculdade de
Pedagogia e no esporte. Izabelly segue barrada no teste físico.
“Objetivo, desde que fiz o curso, é
seguir em frente. Desde que estou formada, sempre tenho feito as
provas, mas não tive êxito na física”, disse Izabelly.
Procura de mulheres pelo curso de arbitragem aumentou em 2018
O curso de arbitragem é autorizado
pela FGF e realizado pelo Sindicato dos Árbitros. Antes de começarem
as atividades, os inscritos passam por seletiva. Após a formação,
vêm os testes avaliadores e mantenedores. Só integra o quadro da FGF
quem passa por todas estas etapas. As avaliações devem ser
atualizadas duas vezes por ano.
A previsão é que novo curso seja
lançado no primeiro semestre do ano que vem. A divulgação
normalmente é feita no site da FGF e, também, em faculdades de
Educação Física.
“Concordo que o curso não é muito
anunciado. A divulgação precisa ser mais abrangente. Muitas pessoas
têm vontade de fazer, mas não têm acesso à informação, não sabem nem
por onde começar”, disse Júlio César Mota, presidente da
comissão de arbitragem da FGF.
Para Luciano Joka, presidente do
Sindicato dos Árbitros de Futebol de Campo do Estado de Goiás (Safego),
a procura no último curso foi maior devido à intenção anunciada de
fazer cursos específicos para mulheres. Só que a iniciativa não deu
certo, segundo ele, por causa do baixo número de inscritas. Apenas
12 se matricularam e oito finalizaram o curso.
No curso previsto para 2020, a
iniciativa será melhorada.
“Temos a intenção de fazer o curso
específico para o quadro feminino, em muitos estados já existe.
Buscaremos incentivos para que elas possam seguir, como custeio de
despesas com inscrição, mensalidades e treinamentos. Queremos que
elas venham e possam ingressar no quadro estadual”, disse
Luciano Joka.
Para Júlio César, é a questão física
que afasta as mulheres da arbitragem. Para apitar jogos a partir da
categoria sub-20, é preciso passar por testes físicos masculinos.
“O esforço é
diferente, não dá para exigir menos.”
Segundo o presidente da comissão de
arbitragem goiana, ainda há um detalhe.
“Não é a dificuldade que leva
mulheres a irem para a assistência, mas aptidão e biotipo. É preciso
ter altura para enxergar bem o jogo. Além disso, para virar árbitra
central é preciso adequar a carreira, as oportunidades são
reduzidas. Em cada jogo, se tem dois assistentes e um árbitro”,
disse.