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 09/01/2020    06:17hs

Insistência para quebrar barreiras na arbitragem goiana

Única árbitra no quadro da FGF, mas ainda longe de trabalhar na 1ª Divisão do Goiano, Michelle Safatle traça carreira com cuidado. Elite estadual não tem mulher no apito há quase 13 anos

Árbitra goiana Michelle Safatle - Crédito: Fábio Lima
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Única árbitra central do quadro da Federação Goiana de Futebol (FGF), Michelle Safatle é a aposta feminina no time de arbitragem de Goiás. Depois de 13 anos sem ter uma mulher para apitar jogos da 1ª Divisão do Goiano – Sirley Cândida foi a última, em 12 de fevereiro de 2006 -, a ex-jogadora de futebol está no caminho para quebrar o hiato.

O percurso é longo. Neste ano, Michelle apitou um jogo da Série A2 do Campeonato Brasileiro Feminino – Aliança x Taubaté, em 8 de maio – e, pela primeira vez, uma partida profissional dos homens, na 3ª Divisão do Campeonato Goiano – Pires do Rio x Raça Sport, em 27 de outubro. Sem pressa para chegar à 1ª Divisão, a árbitra se dedica para fazer carreira de qualidade.

“Preciso de mais jogos para ter bagagem para apitar 1ª Divisão. Conheço a malícia de jogadores, não quero ser intimidada. A expectativa é alta, mas não quero pular etapas. Quero estar pronta para não me queimar”, falou Michelle.

A goiana integra o time da FGF há três anos. Formada em 2016, Michelle consta como interina no quadro da Confederação Brasileira de Futebol (CBF). É a única mulher do Estado indicada para compor a equipe nacional de árbitros.

A arbitragem goiana, nas funções de árbitra e assistente, passa por jejum de mulheres. A última vez em que um jogo da elite do Goianão teve uma mulher no gramado foi como assistente, com Gabrielle Sales, em 26 de janeiro de 2011, no jogo entre Goiás e Morrinhos.

Presidente da comissão de arbitragem da FGF, Júlio César Mota explica que essa escassez na função se deve à exigência de aprovação no teste físico masculino. “Diminuiu o número de mulheres porque começamos a exigir que quem fosse trabalhar no futebol masculino deveria se habilitar no teste físico masculino”, justificou o presidente sobre o que passou a ser regra da CBF em 2007.

Júlio César também explicou o motivo de Michelle ainda não ser, oficialmente, do quadro da CBF.

“A metodologia de acesso à CBF mudou nos últimos anos. Para integrar o quadro, o requisito é ter oito jogos no futebol profissional. Desses, três precisam ser na 1ª Divisão do Estadual”, disse o dirigente.

Michelle não sabe como foi parar nesse ambiente de juízes de futebol. Aos 31 anos, a ex-jogadora de futebol deixou a carreira nos gramados, mas não saiu de dentro das quatro linhas.

“Eu xingava árbitros. Nunca gostei deles. Não sei como estou nessa profissão”, disse Michelle, aos risos. Ao se recuperar das gargalhadas, falou sério sobre a jovem carreira. “Minha cabeça mudou. Eu achava que sabia de futebol, mas não sabia nada. A arbitragem me possibilitou esse estudo aprofundado do esporte”, completou.

O sonho de ser jogadora de futebol foi substituído pelo de ser árbitra Fifa. No primeiro objetivo, Michelle chegou perto. Depois de jogar pelo Aliança, quis seguir carreira internacional. Por ser atleta, ganhou bolsa de estudos nos Estados Unidos, onde morou dos 20 aos 25 anos.

Além de ter tido formação em quatro cursos ligados à administração, a árbitra participou de jogos universitários de futebol. Na posição de meia-atacante, jogou em torneios semiprofissionais e ganhou chance de fazer teste no profissional de um time do país. A oportunidade foi comemorada, mas veio no momento da única lesão no joelho que a jogadora teve.

“Quando jogava no Brasil, tive muita lesão de tornozelo. Nos Estados Unidos, tive uma no tornozelo, ao fim da temporada, mas recuperei. Depois, tive lesão no joelho, antes do teste profissional. Foi em uma partida que joguei com homens. Lesionei em uma dividida. Não fui para o teste profissional totalmente recuperada”, disse a árbitra que, nos três anos de carreira no apito, não jogou futebol por medo de machucar.

A inspiração para seguir carreira vem em duas figuras de destaque no cenário da arbitragem no País. Wilton Pereira Sampaio e Edina Alves, ambos categoria Fifa. Na final do Campeonato Goiano Feminino deste ano, Michelle foi 4ª árbitra na equipe liderada pelo goiano. O melhor árbitro do Brasileirão de 2019 exaltou a técnica, o condicionamento e a disciplina da goiana.

“Vejo potencial nela. Tem tido crescimento muito bom desde sua formação. Quando tem dúvidas ou quer discutir algo interno, nos procura para auxiliar. Eu a vejo com ótimo futuro. Tem se destacado muito em todos os pilares para se tornar uma árbitra de elite”, disse Wilton Pereira Sampaio sobre Michelle.

Presidente da FGF, André Pitta acredita que depende somente de Michelle alcançar esse feito e ele pode demorar um pouco. “Arbitragem é trabalho de carreira. Pode ser que ela chegue lá em cima mais rápido do que pensamos, mas também pode ser que ela nem chegue a apitar uma 1ª Divisão. Depende dela”, disse André Pitta.

Teste físico igual ao dos homens é a maior dificuldade para avançar

O último curso de arbitragem em Goiás, no ano passado, foi o que teve maior procura de mulheres. Em 2016, três mulheres se formaram. Em 2018, o número subiu para oito. Mesmo assim, a presença feminina no quadro da Federação Goiana de Futebol (FGF) é escassa. A maior dificuldade é a obrigatoriedade do teste físico.

Para o presidente da Federação Goiana de Futebol (FGF), André Pitta, a divulgação do futebol feminino no Estado pode incentivar as mulheres a seguirem carreira na arbitragem. Mesmo assim, acredita que a função não depende de gênero. “Não dá para colocar um árbitro para apitar um jogo importante só porque é mulher. Independentemente se é homem ou mulher, precisa estar bem fisicamente, mostrar amadurecimento e conhecimento de técnica”, disse o presidente da FGF.

A entidade conta com apenas três mulheres na composição do quadro: uma árbitra central – Michelle Safatle - e duas assistentes – Jordana Batista e Michele Caixeta. O teste físico é a maior barreira feminina. No entanto, outros fatores intimidam.

“Gostar de futebol, muitas mulheres gostam, mas é difícil ter coragem de colocar um apito ou uma bandeira na mão. O número de mulheres na arbitragem vem crescendo. Estamos, aos poucos, conquistando o nosso espaço”, disse a assistente Michele Caixeta.

As duas assistentes da FGF se formaram no curso de 2018. A motivação para seguir carreira é a mesma, paixão pelo futebol, já que ambas são ex-jogadoras. “Nós, mulheres, temos as mesmas oportunidades que os homens. Porém, para se destacar, é exigido um pouco mais de nós, por conta da diferença biológica com o sexo masculino. Com isso, mesmo com demanda de mulheres nos cursos de arbitragem, a maioria não consegue o desempenho necessário em atividades físicas”, opinou Jordana.

A análise da assistente é confirmada pela realidade. Das oito formandas de 2018, quatro não conseguiram passar pelos testes físicos necessários - Raíza Ritucci, Thays Rodrigues, Thaissa Alves e Thais Cristina. Outras duas – Geliainne de Barros e Sara do Nascimento – sequer tentaram, ao final do curso.

“Os testes físicos são a maior dificuldade. Ainda não consegui entrar por esse motivo”, disse Raíza, que continua a sonhar com carreira na profissão.

Outros fatores justificam o afastamento das mulheres na profissão, segundo a aspirante a árbitra.

“É um universo muito masculino ainda. O preconceito é muito presente. Também acho que outras dificuldades impedem o ingresso de mulheres, como parte física, desinformação e falta de incentivo”, finalizou.

Thays, que não passou na prova física, entende a importância da exigência, apesar de reconhecer a dificuldade. A vontade de ser árbitra vem de exemplo em casa. “Meu pai, Josenildo Rodrigues, é árbitro amador nas horas vagas. Sempre achei legal. Quero seguir carreira, mas preciso passar nos testes. É essencial para um árbitro”, falou Thays.

As outras duas formandas da turma em que se formou, em 2016, a árbitra central Michelle Safatle, continuam a tentar. Izabelly Rosa e Laís Meirelles podem apitar competições amadoras não oficiais da FGF.

Laís quer seguir carreira, mas encontra dificuldades para conciliar a rotina na faculdade de Pedagogia e no esporte. Izabelly segue barrada no teste físico.

“Objetivo, desde que fiz o curso, é seguir em frente. Desde que estou formada, sempre tenho feito as provas, mas não tive êxito na física”, disse Izabelly.

Procura de mulheres pelo curso de arbitragem aumentou em 2018

O curso de arbitragem é autorizado pela FGF e realizado pelo Sindicato dos Árbitros. Antes de começarem as atividades, os inscritos passam por seletiva. Após a formação, vêm os testes avaliadores e mantenedores. Só integra o quadro da FGF quem passa por todas estas etapas. As avaliações devem ser atualizadas duas vezes por ano.

A previsão é que novo curso seja lançado no primeiro semestre do ano que vem. A divulgação normalmente é feita no site da FGF e, também, em faculdades de Educação Física.

“Concordo que o curso não é muito anunciado. A divulgação precisa ser mais abrangente. Muitas pessoas têm vontade de fazer, mas não têm acesso à informação, não sabem nem por onde começar”, disse Júlio César Mota, presidente da comissão de arbitragem da FGF.

Para Luciano Joka, presidente do Sindicato dos Árbitros de Futebol de Campo do Estado de Goiás (Safego), a procura no último curso foi maior devido à intenção anunciada de fazer cursos específicos para mulheres. Só que a iniciativa não deu certo, segundo ele, por causa do baixo número de inscritas. Apenas 12 se matricularam e oito finalizaram o curso.

No curso previsto para 2020, a iniciativa será melhorada.

“Temos a intenção de fazer o curso específico para o quadro feminino, em muitos estados já existe. Buscaremos incentivos para que elas possam seguir, como custeio de despesas com inscrição, mensalidades e treinamentos. Queremos que elas venham e possam ingressar no quadro estadual”, disse Luciano Joka.

Para Júlio César, é a questão física que afasta as mulheres da arbitragem. Para apitar jogos a partir da categoria sub-20, é preciso passar por testes físicos masculinos.

“O esforço é diferente, não dá para exigir menos.”

Segundo o presidente da comissão de arbitragem goiana, ainda há um detalhe.

“Não é a dificuldade que leva mulheres a irem para a assistência, mas aptidão e biotipo. É preciso ter altura para enxergar bem o jogo. Além disso, para virar árbitra central é preciso adequar a carreira, as oportunidades são reduzidas. Em cada jogo, se tem dois assistentes e um árbitro”, disse.

As informações são de Aline Carlêto - O popular

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