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Árbitro posa ao lado dos capitães de
Fluminense e Resende, pelo Campeonato Carioca - Credito:
Mailson Santana/Fluminense |
O Ministério Púbico do Trabalho abriu inquérito para
apurar as condições dos vestiários da arbitragem no Rio de Janeiro e
começou a pedir explicações à Federação de Futebol do estado, a
Ferj, com relação aos estádios utilizados no Campeonato Carioca. A
investigação do MPT partiu de uma denúncia do Sindicato dos
Trabalhadores da Arbitragem Esportiva, o Sintrace-RJ.
Na sexta-feira da semana passada, dia 26 de fevereiro, a procuradora
Luciene Rezende Vasconcelos, responsável pelo inquérito, promoveu
uma audiência pública com a participação de José Carlos Santiago de
Andrade, presidente da Comissão Operacional de Arbitragem do Rio.
Santiago foi confrontado diante do conteúdo da denúncia, que vai
desde falta de papel higiênico nos vestiários até a ausência de luz
elétrica ou mesmo mesas para escrever a súmula em alguns casos.
Representada na audiência por um advogado, a Ferj informou "que um
delegado indicado pela Federação comparece ao estádio antes de cada
partida para verificar as condições de segurança e higiene". E
acrescentou que "todos os estádios de futebol devem encaminhar os
laudos previstos na resolução do Ministério do Esporte".
Ficou decidido na audiência que a Ferj terá 30 dias
para escalar um delegado para tirar fotos dos vestiários da
arbitragem nos estádios do Bangu (Moça Bonita), Madureira
(Conselheiro Galvão), Boavista (Elcyr Resende) e Volta Redonda (Raulino
de Oliveira), e enviá-las ao MPT.
A reportagem perguntou à procuradora se haverá o acompanhamento de
algum fiscal do MPT nessas vistorias. Por meio de assessoria, ela
respondeu:
"Inicialmente, foi determinado que a própria
Federação junte aos autos fotografias de alguns estádios por
amostragem. Essas fotografias serão feitas pelos delegados indicados
pela Federação que comparecem antes dos jogos nos estádios. Não
haverá presença de nenhum membro do MPT. Tais fotografias serão
avaliadas pela nossa perícia quanto aos atendimentos das Normas da
NR-24 e visam verificar a estrutura física e condições de higiene
dos vestiários e banheiros".
A NR citada pela Drª Luciene é a Norma
Regulamentadora 24, que serviu como base para a denúncia do
Sintrace-RJ e que especifica em seu anexo II as condições sanitárias
e de conforto que devem ser oferecidas a trabalhadores que prestam
serviço externo, que é o caso dos árbitros de futebol.
Dentre os principais pontos, os vestiários de
arbitragem são obrigados por Lei a ter:
• Luz elétrica
• Vaso, chuveiro elétrico e pia
• Material para lavagem e enxugo das mãos (sabonete e toalhas)
• Local para refeição (mesa, cadeiras...)
• Água fresca e potável em recipientes térmicos em bom estado de
conservação
• Dispositivo térmico para guardar refeição
• Ventilação para o exterior ou sistema de exaustão
• Armários individuais com trancas
A reportagem procurou a administração dos 11 estádios
que serão utilizados neste Campeonato Carioca. Desses, apenas cinco
informaram que atendem a todas as exigências: Maracanã, São
Januário, Nilton Santos, Raulino de Oliveira e Laranjão.
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Maracanã é um dos cinco estádios do
Carioca que atendem às exigências da NR24 - Crédito: André
Durão |
A Portuguesa da Ilha do Governador disse que o
Luso-Brasileiro não dispõe de dispositivo térmico para armazenar
refeições e nem de armários individuais com trancas - os armários
são a única pendência do Elcyr Resende, informou o Boavista. Já o
vestiário do Estádio Eduardo Guinle (que pertence ao Friburguense,
mas que será utilizado pelo Macaé no estadual) não possui local para
refeição dos árbitros e também não oferece dispositivo para guardar
a comida.
O Madureira preferiu não responder sobre as condições
do Estádio Conselheiro Galvão. Por sua vez, Bangu e Resende (que
jogam em Moça Bonita e Estádio do Trabalhador, respectivamente) não
retornaram até o fechamento desta reportagem.
E nas divisões inferiores?
A denúncia que originou o inquérito do Ministério
Público do Trabalho foi encaminhada pelo Sintrace-RJ em abril do ano
passado. Presidente do Sindicato, Marçal Rodrigues explicou o que
levou o caso ao MPT porque se cansou de tentar reivindicar os
direitos da classe administrativamente.
"O nosso Sindicato é novo, a carta sindical é de
2018. A denúncia surgiu em função do esgotamento administrativo. A
Ferj não responde nenhum dos e-mails nossos, ela não se mostrou
interessada em resolver de forma administrativa. Eles não estão
interessados em fazer nada que traga benefícios para a classe dos
árbitros" - disse Marçal, 46 anos, que preside o Sintrace-RJ há
cinco.
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Marçal Mendes durante audiência publica
no Ministério Publico do Trabalho - Crédito: Marcelo Marçal |
Em nota, a Ferj informou que "todos os estádios são
utilizados mediante inspeção da Vigilância Sanitária, conforme
legislação. Além disso, os delegados visitam e avaliam as
dependências nos dias de jogos e não há notícias de irregularidades
nos relatórios. A FERJ afirma ainda que está prestando os
esclarecimentos ao Ministério Público".
Marçal diz que vai brigar para levar as
fiscalizações, também, aos estádios utilizados em divisões
inferiores e amadoras do Rio, onde, segundo ele, a situação é
"precária".
"O MPT está fazendo avanços pontuais. O Sindicato
vai propor ainda que sejam apurados todos os campeonatos promovidos
pela Ferj, ou seja, que a NR seja aplicada não apenas no campeonato
profissional, mas no campeonato de liga, no amador da capital,
feminino... Tem que ser igualitário. Onde tem prestação de serviço
tem que ter aplicabilidade da norma, não pode ter distinção de
tratamento. Se quem está no topo não cumpre, imagina quem está
embaixo?" - declarou Marçal.
A procuradora Luciene Rezende Vasconcelos esclareceu
que "foi determinado inicialmente o envio de fotografias dos
estádios da Séria A", que acabou de começar. E que, "posteriormente,
após o início dos outros campeonatos, serão requisitados, por
amostragem, novos documentos". Ela também acrescentou que "a
denúncia foi apresentada de forma genérica, denunciando
irregularidades em todos os estádios do Rio de Janeiro e, como não
houve uma delimitação do objeto denúncias, inicialmente será feita
por amostragem, salvo recebimento de novas denúncias".
Procurados pela reportagem, dois ex-árbitros de
futebol confirmaram o conteúdo da denúncia do Sintrace-RJ: Dibert
Pedrosa Moisés, que foi bandeirinha do quadro da FIFA por quatro
anos e que fez parte do quadro da federação do Rio até 2019; e Mário
Vinícius Baptista Valentim, que apitou até 2019 principalmente jogos
de divisões inferiores do Rio.
"Com exceção dos clubes grandes e de um Boavista
ou Volta Redonda, eu não consigo pensar ou lembrar qualquer outro
clube que realmente reúna condições mínimas de atender a arbitragem.
Isso até na Primeira Divisão. Não existe, não existe mesmo. Imagina
na Segunda... Tenho certeza que, se houvesse fiscalização, só uns
três ou quatro estádios estariam liberados na Primeira Divisão. Na
Segunda, não teria nem campeonato" - afirma Dibert.
"Em alguns estádios, o vestiário não tem nem
porta, as portas ou foram roubadas ou caíram. Em relação ao
chuveiro, normalmente tem um cano, não tem nem a boca do chuveiro.
Mas mesmo tendo chuveiro, não quer dizer que era elétrico, não. O
futebol carioca sempre foi precário" - denuncia o ex-árbitro
Dibert.
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Ex-assistente Dibert Pedrosa - Crédito:
Arquivo Pessoal |
Mário Vinícius Baptista Valentim corrobora os
relatos:
"Água quente a gente raramente via. Quando tem
chuveiro, às vezes as condições são meio precárias mesmo, com fio
para fora, remendado. Às vezes não tem mesa. A gente precisa fazer a
súmula, mas não tem mesa. Às vezes não tem energia elétrica, aí se
tiver algum problema no jogo, tem que ficar até tarde fazendo súmula
no escuro. Já aconteceu de eu ter que terminar a súmula com luz de
celular" - disse.
Por Tébaro Schmidt - GE/Rio de Janeiro