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    São Paulo - 21/03/2021    08:33hs

Marçal Mendes denuncia e Ministério Público do Trabalho apura condições dos vestiários da arbitragem no Carioca

MPT abre inquérito a partir de denúncia do sindicato dos árbitros e pede vistoria nos estádios. Queixas vão desde falta de papel higiênico até luz elétrica: "O tratamento não tem sido digno"

Árbitro posa ao lado dos capitães de Fluminense e Resende, pelo Campeonato Carioca - Credito: Mailson Santana/Fluminense
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O Ministério Púbico do Trabalho abriu inquérito para apurar as condições dos vestiários da arbitragem no Rio de Janeiro e começou a pedir explicações à Federação de Futebol do estado, a Ferj, com relação aos estádios utilizados no Campeonato Carioca. A investigação do MPT partiu de uma denúncia do Sindicato dos Trabalhadores da Arbitragem Esportiva, o Sintrace-RJ.

Na sexta-feira da semana passada, dia 26 de fevereiro, a procuradora Luciene Rezende Vasconcelos, responsável pelo inquérito, promoveu uma audiência pública com a participação de José Carlos Santiago de Andrade, presidente da Comissão Operacional de Arbitragem do Rio. Santiago foi confrontado diante do conteúdo da denúncia, que vai desde falta de papel higiênico nos vestiários até a ausência de luz elétrica ou mesmo mesas para escrever a súmula em alguns casos.

Representada na audiência por um advogado, a Ferj informou "que um delegado indicado pela Federação comparece ao estádio antes de cada partida para verificar as condições de segurança e higiene". E acrescentou que "todos os estádios de futebol devem encaminhar os laudos previstos na resolução do Ministério do Esporte".

Ficou decidido na audiência que a Ferj terá 30 dias para escalar um delegado para tirar fotos dos vestiários da arbitragem nos estádios do Bangu (Moça Bonita), Madureira (Conselheiro Galvão), Boavista (Elcyr Resende) e Volta Redonda (Raulino de Oliveira), e enviá-las ao MPT.

A reportagem perguntou à procuradora se haverá o acompanhamento de algum fiscal do MPT nessas vistorias. Por meio de assessoria, ela respondeu:

"Inicialmente, foi determinado que a própria Federação junte aos autos fotografias de alguns estádios por amostragem. Essas fotografias serão feitas pelos delegados indicados pela Federação que comparecem antes dos jogos nos estádios. Não haverá presença de nenhum membro do MPT. Tais fotografias serão avaliadas pela nossa perícia quanto aos atendimentos das Normas da NR-24 e visam verificar a estrutura física e condições de higiene dos vestiários e banheiros".

A NR citada pela Drª Luciene é a Norma Regulamentadora 24, que serviu como base para a denúncia do Sintrace-RJ e que especifica em seu anexo II as condições sanitárias e de conforto que devem ser oferecidas a trabalhadores que prestam serviço externo, que é o caso dos árbitros de futebol.

Dentre os principais pontos, os vestiários de arbitragem são obrigados por Lei a ter:
• Luz elétrica
• Vaso, chuveiro elétrico e pia
• Material para lavagem e enxugo das mãos (sabonete e toalhas)
• Local para refeição (mesa, cadeiras...)
• Água fresca e potável em recipientes térmicos em bom estado de conservação
• Dispositivo térmico para guardar refeição
• Ventilação para o exterior ou sistema de exaustão
• Armários individuais com trancas

A reportagem procurou a administração dos 11 estádios que serão utilizados neste Campeonato Carioca. Desses, apenas cinco informaram que atendem a todas as exigências: Maracanã, São Januário, Nilton Santos, Raulino de Oliveira e Laranjão.

Maracanã é um dos cinco estádios do Carioca que atendem às exigências da NR24 - Crédito: André Durão

A Portuguesa da Ilha do Governador disse que o Luso-Brasileiro não dispõe de dispositivo térmico para armazenar refeições e nem de armários individuais com trancas - os armários são a única pendência do Elcyr Resende, informou o Boavista. Já o vestiário do Estádio Eduardo Guinle (que pertence ao Friburguense, mas que será utilizado pelo Macaé no estadual) não possui local para refeição dos árbitros e também não oferece dispositivo para guardar a comida.

O Madureira preferiu não responder sobre as condições do Estádio Conselheiro Galvão. Por sua vez, Bangu e Resende (que jogam em Moça Bonita e Estádio do Trabalhador, respectivamente) não retornaram até o fechamento desta reportagem.

E nas divisões inferiores?

A denúncia que originou o inquérito do Ministério Público do Trabalho foi encaminhada pelo Sintrace-RJ em abril do ano passado. Presidente do Sindicato, Marçal Rodrigues explicou o que levou o caso ao MPT porque se cansou de tentar reivindicar os direitos da classe administrativamente.

"O nosso Sindicato é novo, a carta sindical é de 2018. A denúncia surgiu em função do esgotamento administrativo. A Ferj não responde nenhum dos e-mails nossos, ela não se mostrou interessada em resolver de forma administrativa. Eles não estão interessados em fazer nada que traga benefícios para a classe dos árbitros" - disse Marçal, 46 anos, que preside o Sintrace-RJ há cinco.

Marçal Mendes durante audiência publica no Ministério Publico do Trabalho - Crédito: Marcelo Marçal

Em nota, a Ferj informou que "todos os estádios são utilizados mediante inspeção da Vigilância Sanitária, conforme legislação. Além disso, os delegados visitam e avaliam as dependências nos dias de jogos e não há notícias de irregularidades nos relatórios. A FERJ afirma ainda que está prestando os esclarecimentos ao Ministério Público".

Marçal diz que vai brigar para levar as fiscalizações, também, aos estádios utilizados em divisões inferiores e amadoras do Rio, onde, segundo ele, a situação é "precária".

"O MPT está fazendo avanços pontuais. O Sindicato vai propor ainda que sejam apurados todos os campeonatos promovidos pela Ferj, ou seja, que a NR seja aplicada não apenas no campeonato profissional, mas no campeonato de liga, no amador da capital, feminino... Tem que ser igualitário. Onde tem prestação de serviço tem que ter aplicabilidade da norma, não pode ter distinção de tratamento. Se quem está no topo não cumpre, imagina quem está embaixo?" - declarou Marçal.

A procuradora Luciene Rezende Vasconcelos esclareceu que "foi determinado inicialmente o envio de fotografias dos estádios da Séria A", que acabou de começar. E que, "posteriormente, após o início dos outros campeonatos, serão requisitados, por amostragem, novos documentos". Ela também acrescentou que "a denúncia foi apresentada de forma genérica, denunciando irregularidades em todos os estádios do Rio de Janeiro e, como não houve uma delimitação do objeto denúncias, inicialmente será feita por amostragem, salvo recebimento de novas denúncias".

Procurados pela reportagem, dois ex-árbitros de futebol confirmaram o conteúdo da denúncia do Sintrace-RJ: Dibert Pedrosa Moisés, que foi bandeirinha do quadro da FIFA por quatro anos e que fez parte do quadro da federação do Rio até 2019; e Mário Vinícius Baptista Valentim, que apitou até 2019 principalmente jogos de divisões inferiores do Rio.

"Com exceção dos clubes grandes e de um Boavista ou Volta Redonda, eu não consigo pensar ou lembrar qualquer outro clube que realmente reúna condições mínimas de atender a arbitragem. Isso até na Primeira Divisão. Não existe, não existe mesmo. Imagina na Segunda... Tenho certeza que, se houvesse fiscalização, só uns três ou quatro estádios estariam liberados na Primeira Divisão. Na Segunda, não teria nem campeonato" - afirma Dibert.

"Em alguns estádios, o vestiário não tem nem porta, as portas ou foram roubadas ou caíram. Em relação ao chuveiro, normalmente tem um cano, não tem nem a boca do chuveiro. Mas mesmo tendo chuveiro, não quer dizer que era elétrico, não. O futebol carioca sempre foi precário" - denuncia o ex-árbitro Dibert.

Ex-assistente Dibert Pedrosa - Crédito: Arquivo Pessoal

Mário Vinícius Baptista Valentim corrobora os relatos:

"Água quente a gente raramente via. Quando tem chuveiro, às vezes as condições são meio precárias mesmo, com fio para fora, remendado. Às vezes não tem mesa. A gente precisa fazer a súmula, mas não tem mesa. Às vezes não tem energia elétrica, aí se tiver algum problema no jogo, tem que ficar até tarde fazendo súmula no escuro. Já aconteceu de eu ter que terminar a súmula com luz de celular" - disse.

Por Tébaro Schmidt - GE/Rio de Janeiro

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