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Por Rafael
Bozzano - Membro
Filiado ao Instituto Brasileiro de Direito Desportivo – IBDD
Sobre autor: Advogado,
Mestre em Ciência Jurídica pela Universidade do Vale de
Itajaí-SC (UNIVALI). Mestre em Máster Universitario en
Derecho Ambiental y de la Sostenibilidad na Universidad de
Alicante, Espanha. Coordenador do IBDD (Instituto Brasileiro
de Direito Desportivo). Vice-Presidente da Comissão de
Direito Desportivo da OAB/SC. Procurador do Superior
Tribunal de Justiça Desportiva do Futebol. |
Mudanças nunca são fáceis, seja
nos momentos que precedem a mudança, seja nos momentos de sua
implantação e também nos momentos seguintes com a sua utilização.
Como não poderia ser diferente,
essa lógica também ocorreu com a implantação do Video Assistant
Referee – VAR, que no Brasil é chamado de árbitro assistente de
vídeo.
Esse novo integrante dos membros
da equipe de arbitragem não é mais novidade para aqueles que
acompanham o futebol no Brasil e no mundo, afinal, desde 2018, nas
principais competições esportivas organizadas pela FIFA, UEFA e
também nas competições nacionais, foi implantado essa nova figura
que tem como objetivo principal o de evitar que uma decisão viciada
por um erro claro e óbvio fosse mantida.
Juntamente com o surgimento do futebol, os erros de arbitragem ao se
interpretar e aplicar uma regra, assim como os erros dos próprios
jogadores que perdem pênaltis ou até mesmo erram um passe dentro da
sua área e que acaba por possibilitar um gol do adversário,
alterações técnicas equivocadas e contratações que não dão o
resultado esperado, estão intrinsicamente ligadas ao futebol.
Podemos citar como exemplo desses
erros, citando apenas os ocorridos em Copas do Mundo, o ocorrido da
Final da Copa do Mundo da Inglaterra em 1966, que na prorrogação os
árbitros validaram um gol inexistente em favor da Inglaterra contra
a Alemanha, a mesma Inglaterra foi eliminada na Copa do Mundo de
1986 pela Argentina, com um gol de mão de Diego Maradona e por fim,
o Brasil venceu a Copa do Mundo de 1994 após o italiano Roberto
Baggio errar o pênalti derradeiro.
O FUTEBOL E AS SUAS REGRAS
Alterações das regras de um esporte são complicadas, em especial,
porque muitos dos esportes praticados nos dias de hoje já são
centenários e qualquer alteração impacta milhões de participantes em
diversas regiões do mundo.
No futebol não poderia ser
diferente. As primeiras regras foram implantadas no final do século
19, quando as partidas envolvendo equipes de diferentes países do
Reino Unido precisavam ter as suas regras unificadas, pois em cada
uma dessas quatro associações britânicas o futebol era jogado com
algumas diferenças nas regras.
Diante dessa necessidade, em
reunião realizada em 2 de junho de 1886 em Londres, contando com a
presença de dois representantes de associações inglesas, irlandesas,
escocesas e galesas, foi criada a International Football Association
Boad (IFAB). O IFAB se tornou o responsável pelas Regras do Futebol,
cabe a esta entidade preservar, monitorar estudar e alterar as
regras do futebol.
Foram inúmeras as alterações na
Regra do Futebol, em especial no século 20, a regra do impedimento,
o sistema de cartões amarelos e vermelhos, a proibição dos goleiros
agarrarem com as mãos as bolas recuadas, o número de substituições,
entre outras.
Mas sem sombra de dúvidas a
alteração mais revolucionária ocorrida foi a do árbitro assistente
de vídeo, o VAR, isso pelo fato de que se possibilitou a mudança de
uma decisão do árbitro de campo, por meio do auxílio da tecnologia.
Pelo protocolo, não são todas as
decisões que podem ser revisadas pelo VAR, por este motivo, o IFAB
permitiu que somente seria possível a revisão com o uso do VAR em
quatro decisões/incidentes, (i) gols; (ii) decisões em pênaltis; (iii)
cartões vermelhos direitos (não 2º cartão amarelo) e (iv) identidade
equivocada na aplicação de cartão.
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Árbitro checando VAR no Paulistão -
Crédito: FPF |
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O INÍCIO DO VAR
Novamente um erro claro e óbvio ocorrido em 2009, não em uma Copa do
Mundo, mas sim em sua Eliminatória para o torneio de 2010 abalou as
estruturas do futebol.
Em partida válida pelos play-offs,
o ganhador no placar agregado na disputa entre França e Irlanda
estaria classificado para a Copa do Mundo de 2010, que seria
realizada na África do Sul. Na partida de volta em Paris, após a
França ter vencido o jogo de ida por 1 a 0 em Dublin, a Irlanda
surpreendia os quase oitenta mil espectadores no estádio Saint-Denis
ao vencer no tempo regulamentar pelo mesmo placar de 1 a 0, e assim,
forçar a prorrogação.
Na prorrogação, após um lançamento
na área da Irlanda, o atacante francês Thierry Henry impediu a saída
da bola pela linha de fundo com as mãos e faz uma assistência para o
seu companheiro fazer o gol da classificação da França para a Copa
do Mundo e consequentemente a perda da chance da Irlanda de
participar da maior competição de futebol do mundo.
O gol foi confirmado pela equipe
de arbitragem, que provavelmente pelo posicionamento dos atletas,
impediram a visão dos dois árbitros que acompanhavam a jogada, o
árbitro principal e o árbitro assistente que estava no lado oposto
da jogada.
O prejuízo sofrido pela Irlanda
por não ter participado da Copa do Mundo de 2010 com certeza superou
os milhões de euros, mas não somente o valor financeiro machucou os
dirigentes e torcedores, a derrota da forma com que ocorreu, em
decorrência de um erro claro e óbvio da arbitragem, deveria ser
minimizado no futebol.
Foi então que um novo movimento no
IFAB se iniciou, com o apoio da Irlanda, perdedora daquela partida
válida pela Eliminatória da Copa do Mundo de 2010 e uma das quatro
integrantes permanentes do IFAB, a ideia de se poder revisar alguns
lances por meio da tecnologia começou a ganhar mais força nos
bastidores do futebol.
Importante fazer um registro
histórico acerca da implantação do VAR, o projeto base adotado pela
IFAB foi idealizado e criado pelo brasileiro Manoel Serapião,
ex-árbitro que integrou os quadros internacionais da FIFA, com o
apoio da Comissão de Arbitragem da Confederação Brasileira de
Futebol e da Escola Nacional de Arbitragem de Futebol (ENAF) e que
hoje, atua como um dos Instrutores VAR para o Brasil.
Foi então que a ideia se tornou
realidade, na 130ª Reunião Geral Anual do IFAB, realizada no dia 5
de março de 2016, ficou aprovado pelo período de dois anos a
realização de experimentos ao vivo com assistência de árbitros de
vídeo para erros claros na partida e que seriam capazes de alterar o
seu resultado, bem como todo o suporte necessário para o
desenvolvimento para o protocolo a ser utilizado.
Em estudos realizados de forma
independente pela universidade belga KU Leuven desde o início do
experimento em março de 2016, juntamente com mais de vinte
associações e competições nacionais, dentre elas Brasil, Inglaterra,
Alemanha, Estados Unidos, Holanda, Bélgica, concluiu que a
utilização do árbitro assistente de vídeo não seria capaz de
garantir acerto em 100% das decisões tomadas em campo, mas traria
excelentes benefícios para o futebol.
Dentre os principais resultados
apresentados com a utilização do árbitro assistente de vídeo após a
realização de 804 partidas competitivas, destacam-se a precisão da
decisão com o auxílio do VAR, que foi de 98,9%, a utilização do VAR
impactou de forma decisiva 8% de todas as partidas e a de que um
erro claro e óbvio não foi corrigido em 1 em 20 jogos (5%).
A conclusão dos estudos foi
encorajadora, considerando que os testes foram realizados em curtos
período de tempo e sendo os erros humanos inevitáveis na percepção,
tomadas de decisões, falta de familiaridade com tecnologia,
comunicação. Mas com a certeza de que estes pontos seriam melhorados
ao longo do tempo com mais experiência, treinamentos e regularidade
de uso.
Sob a filosofia de “mínima
interferência – máximo benefício”, o árbitro assistente de vídeo
tinha concluído a sua fase de estudos com sucesso.
Com os estudos concluídos, o IFAB,
em sua 132ª Reunião Geral Anual, realizada em 3 de março de 2018,
decidiu pela implantação do árbitro assistente de vídeo nas Regras
do Futebol, sendo que no mesmo mês de março, a FIFA anunciou que o
árbitro assistente de vídeo seria utilizado na Copa do Mundo FIFA
2018, realizada na Rússia.
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Até o torcedor aderiu ao VAR - Twitter /
Conmebol |
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DOIS ANOS DE VAR NO BRASIL
Um ano após a aprovação e mudança da regra do futebol, o árbitro
assistente de vídeo foi aprovado pelos clubes e inserido no
Campeonato Brasileiro de Futebol da Série A de 2019.
Em estudo apresentado pela
Comissão de Arbitragem da CBF, o VAR foi acionado 2.344 vezes nas
380 partidas válidas pelo Campeonato Brasileiro da Série A. Segundo
o relatório, houve 98,4% de acertos nas decisões capitais das
partidas.
Dessas checagens, 356 (16,6%)
corresponderam a cartões vermelhos, 18 (0,8%) erro na identificação
do atleta infrator, 729 (34,2%) pênaltis e 1.241 (48,4%) gols, sendo
que ocorreram 183 mudanças da decisão do árbitro de campo,
contribuindo para a redução dos 188 erros capitais em 2018, para 36
erros capitais em situações protocolares em 2019.
Os números do VAR do Campeonato
Brasileiro da Série A de 2020 ainda não foram disponibilizados, mas
o que se espera, é que a média de acertos nas decisões tomadas em
lances capitais e protocolares devam ser mantidas, ainda que teorias
conspiratórias tendem a não concordar.
E é justamente o que se pode
observar na reta final do Campeonato Brasileiro de 2020, encerrado
em fevereiro de 2021 em razão da alteração do calendário por conta
da pandemia do coronavírus.
Claro que a opinão do torcedor
deve ser relativizada nestes momentos, afinal, a paixão tende a o
cegar e na grande maioria das vezes um impedimento claro, um cartão
vermelho direto ou até mesmo um impedimento contra o seu time, mesmo
estando a decisão de campo correta, não parecia a mais “justa”
naquele momento.
Mas um outro grupo de pessoas, que
não deixam de ser torcedores, mas que também atuam como atletas;
treinadores; diretores e presidentes de clubes, devem, ou pelo menos
deveriam, manter a postura e ao invés de atacar a falha da
tecnologia, procurar o erro interno, na gestão, nas contratações,
nas escalações ou até mesmo nas partidas que deixou de ganhar pontos
durante as 38 rodadas de uma campeonato de pontos corridos, em que
são disputados 114 pontos.
Infelizmente citada postura é
cultural e não se limita a apenas duas ou três equipes, é muito mais
fácil terceirizar a derrota, transferir para outra pessoa o próprio
equívoco.
Os erros nas partidas de futebol decorrem justamente devido a
percepção humana e subjetividade na tomada de decisão de todos
aqueles que são responsáveis pela interpretação e aplicação da
regra.
Os empecilhos muitas vezes
trazidos pela tecnologia, dos mais variados que ocorrem no dia a
dia, muitas das vezes acabam por nos frustrar, mas nem por isso
desejamos viver longe das suas facilidades.
Afinal, nenhum sistema é
infalível, ainda mais quando se necessita da interferência humana
para a sua aplicação.
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CONCLUSÃO
O VAR veio para ficar, ainda bem! A demora de três, cinco ou sete
minutos – mesmo sendo esses minutos acrescidos ao final de cada
tempo – para uma revisão de uma jogada que acaba por validar um gol
mal anulado em campo, ainda será melhor do que lembrarmos das
injustiças que ocorrem em grandes decisões e momentos do futebol.
Muito se fala do VAR e dos
árbitros de futebol, que seriam os supostos responsáveis pelas
derrotas nos jogos mais importantes, ocorre que estes mesmos clubes,
que investem milhões de reais em suas equipes e infraestrutura,
esquecem que os únicos responsáveis pela aplicação das regras do
jogo, é tratado pela Lei Geral do Desporto, independentemente da sua
atuação como árbitro, será considerado autônomo.
O princípio da primazia da
realidade, tão defendido na seara trabalhista, é simplesmente
anulado pelo Poder Judiciário quando se tenta reconhecer o vínculo
empregatício do árbitro de futebol com as entidades responsáveis
pelas suas escalas. E o pior, sem direito VAR.
Já passou do momento de os clubes,
diretamente interessados com a profissionalização dos árbitros de
futebol, se sentarem com as entidades de administração do desporto e
debaterem acerca da profissionalização e melhora das condições dos
árbitros.
Não parece razoável que um clube
de futebol, que se concentra e treina a semana inteira para uma
decisão de campeonato, depois de ter investido milhões de reais para
alcançar o objetivo, tenha a partida conduzida por uma equipe de
arbitragem que durante toda a semana anterior se preocupou com o seu
trabalho “principal”, seja como dentista, advogado, enfermeiro ou
motorista, quase sem tempo para se dedicar aos treinamentos.
Ou talvez aquela suposição acima
citada, quanto a terceirização da culpa, realmente seja a mais fácil
e continuará a acompanhar a “evolução” do futebol profissional.
Afinal, como dizia um ex-árbitro de futebol que integrou os quadros
da FIFA no Brasil, “ser árbitro de futebol é muito difícil e sua
decisão nunca será unanime, pênalti a favor é obrigação, pênalti
contra é sacanagem”.
* O conteúdo do presente artigo
não necessariamente representa a opinião do Instituto Brasileiro de
Direito Desportivo, sendo de total responsabilidade do Autor deste
texto.
As informações são do IBDD - www.ibdd.com.br