Crédito: Que fim levou/3º tempo |
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Da esquerda, Dirceu Fernandes
(comissão), Alberto Ferreira, Roberto Nunes Morgado,
Adriano Tito Correa e Leonerte dos Santos |
O árbitro Roberto Nunes Morgado marcou época no
futebol brasileiro dos anos 80. Parecia um personagem tirado da
ficção. O bom nível técnico de sua arbitragem era, às vezes,
ofuscado por certas decisões controversas, como a de expulsar quatro
jogadores do Palmeiras no mesmo jogo em 1987 ou dar cartão vermelho
para soldados da Polícia Militar que patrulhavam um Ferroviário x
Vasco em 1983.
As extravagâncias levaram a comissão de arbitragem da
Federação Paulista a exigir um exame de sanidade mental ao juiz, que
costumava se gabar: "Agora, sou o único juiz da praça que tem
atestado de sanidade mental." As pernas esguias e o estilo um tanto
espalhafatoso fizeram Morgado ser conhecido como a "Pantera de
Cor-de-Rosa".
Bissexual assumido e praticante de religião de matriz
africana, ostentava um vasto bigode que cobria parcialmente os
lábios. Costumava frequentar a Boca do Lixo, tradicional ponto de
produção de cinema, farra e prostituição do centro de São Paulo,
onde andava liderando um séquito de amigos.
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"Todo mundo abandonou o
Morgado quando ele adoeceu", lembra Luciano, que tinha 8
anos quando o pai morreu em um leito do hospital Emílio
Ribas em São Paulo em 1989. Um ano antes, o árbitro tinha
descoberto que havia contraído o HIV, vírus que nos anos 80
era considerado mortal.
"Ele tinha muitos amigos, pagava a conta de todo mundo nas
baladas, mas quando descobriu que tava com a doença, todos
se afastaram", conta o filho. Luciano recebeu o sobrenome do
árbitro quando Morgado se casou com Lígia, mãe biológica de
Luciano, que hoje trabalha vendendo lanches na zona leste da
capital. O casal também teve uma filha mais nova, Viviane. |
Morgado na capa da Placar de novembro de
1984 Imagem: Reprodução |
"Quando ele era vivo, a Federação ajudava a nossa
família, mas depois que ele morreu, minha mãe casou de novo e a
ajuda foi encerrada. Passamos muita dificuldade", conta o filho do
juiz. Morgado tinha dificuldade para manter seu dinheiro consigo.
Segundo a imprensa da época, costumava proferir uma frase clássica
que servia de chamariz para os amigos se juntarem: "Eu assino o
cheque porque a letra mais bonita daqui é minha."
O descontrole financeiro levou alguns de seus amigos
mais próximos a administrar os rendimentos de Morgado. Segundo o
filho Luciano, era José Astolphi, presidente da comissão de árbitros
paulista, quem cuidava do dinheiro do pai. O único bem que Morgado,
aspirante ao quadro da Fifa, conseguiu adquirir foi um apartamento
na Praia Grande, litoral paulista.
Seus últimos dias foram vividos praticamente sozinho
no hospital, de acordo com uma reportagem intitulada "O drama de um
aidético" da Revista Placar, de dezembro de 1988. Morreu meses
depois. Embora tenha sido usado na reportagem, atualmente, o termo
aidético é uma forma pejorativa de tratar pessoas que vivem com HIV,
tornando-as sinônimas da doença.
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Reportagem da Placar de dezembro de 1988
sobre o árbitro Roberto Nunes Morgado Imagem: Reprodução |
"O Morgado é um juiz que em várias oportunidades
demonstrou um desequilíbrio psicológico muito grande", afirmava
Galvão Bueno, narrador de São Paulo 3 x 1 Palmeiras, a segunda
semifinal do Paulista de 1987.
"Ele se mostra excessivamente nervoso, gesticula
demais, faz muita confusão no jogo, às vezes irrita o jogador. Eu vi
uma vez o Morgado apitar o jogo fora de campo, que nem um maluco. E
mostrou cartão vermelho pra polícia, pra gandula, ficou com o cartão
na mão correndo fora de campo." A expulsão de quatro palmeirenses e
a confusão que se armou no final da partida decretaram o fim da
carreira do árbitro.
A personalidade excêntrica do juiz, sempre enfatizada
pela crônica esportiva dos anos 80, contrastava com seu lado doce e
apegado à família, segundo o filho Luciano. Um momento desses ficou
registrado nas páginas da "Placar".
Em 1979, o juiz, aos 33 anos, posou ao lado da mãe,
Nair, com um uniforme preto engomado por ela. Os pais, imigrantes
portugueses de origem pobre, eram sustentados pelo dinheiro que o
filho fazia no futebol e nos outros empregos que teve.