Foto: Arquivo Pessoal |
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O quadro de arbitragem amazonense conta com dez
mulheres: uma árbitra - com a chancela da Confederação Brasileira de
Futebol - e nove assistentes - três delas com a mesma chancela da
CBF - e, a cada ano que passa, a presença feminina à beira do campo
aumenta. Mas para que isso acontecesse, a estrada foi pavimentada
anos atrás pela pioneira Syria Flores, que foi assistente e árbitra
da Federação Amazonense de Futebol (FAF) e da CBF. Syria atuou até o
fim de 2010, quando se afastou para tratar de um câncer no estômago
que a levou em 17 de março de 2011, aos 37 anos. Apesar de, neste
ano, se completar 10 anos da morte de Syria, o legado dela permanece
até hoje como patrona da escola de arbitragem da Federação local.
Syria iniciou a carreira na arbitragem em 1999,
quando ingressou no curso para árbitros da Federação Amazonense de
Futebol. Em 2002, ela passou a integrar o quadro da CBF e, a partir
de então, passou a atuar em partidas da Copa do Brasil e jogos do
Campeonato Brasileiro, Séries C e B – à época ainda não existia a
Série D. Foi também durante este período que ela se preparou para
tornar-se árbitra principal, chegando a ter seu nome pré-selecionado
para passar pela seletiva para o quadro da Fifa, porém, não chegou a
passar pelos testes, já que adoeceu antes.
"A CBF acompanha os árbitros através dos seus
analistas. Eu mesmo sou analista de arbitragem da CBF e acompanhamos
o trabalho e o desempenho de cada árbitro do Brasil e selecionamos
para que seja feito os testes físicos. Ela (Syria) era uma das
pessoas indicadas para a CBF indicar à Fifa, para entrar para o
quadro da Fifa, onde ela passa por todos esses testes físicos, uma
prova, assim como tem no teste da CBF, que todos fazem anualmente
para validar o ano e, quem passar, trabalha nas categorias em que
são integrantes” - explicou o vice-presidente da Comissão de
Arbitragem da FAF, Raimundo Nonato da Silva.
“Infelizmente, o documento com o convite para a
realização dos testes oficiais chegou alguns meses depois do
desencarne dela” - lamentou a irmã de Syria, Siderlândia Flores.
Foto: Arquivo Pessoal |
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Erros que levaram à arbitragem
O primeiro contato de Syria com o futebol foi como
jogadora. Apaixonada por esportes, ela praticou várias modalidades,
mas ainda jovem se decidiu pelo futebol. Manacapuruense, a jovem
atuou no Radar Esporte Clube, de Manacapuru, e chegou a jogar pela
seleção da cidade. De início, ela jogava no ataque, mas pela
carência de jogadoras em algumas posições, ela acabou virando
goleira, onde se destacou.
“Seus últimos jogos como jogadora foram em 97 e
98. Mas ela se incomodava muito com os erros claros realizados em
nossos jogos, aí tomou a decisão de ingressar no quadro de
arbitragem, onde conseguiu entrar com louvor, já que era uma mulher
rápida, esperta e inteligente” - conta Siderlândia.
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Uma vez no curso, não demorou muito para que Syria
pegasse gosto pela nova função e o fato de ser uma das poucas
mulheres, em um meio dominado por homens, dava ainda mais força para
que ela continuasse.
“Falar de Syria Flores é muito fácil. Ela foi uma
mulher extraordinária, uma das pioneiras da arbitragem do Amazonas e
que elevou o nome da arbitragem do Amazonas ao cenário nacional,
trabalhando com muita dedicação e superação. Foi determinada e
comprometida com o que fazia e tinha um amor exemplar pela profissão
de árbitra de futebol. Como sempre, desde o início, foi muito
difícil o preconceito, que ainda existe com a arbitragem feminina,
mesmo que nós tenhamos evoluído muito” - explicou Raimundo
Nonato.
Pulso Firme
Apesar do reconhecimento e elogios, Syria Flores
passou por momentos difíceis na carreira, onde precisou de muita
determinação para seguir.
Dentro de campo, por exemplo, a bandeirinha teve seu
nome citado em uma representação do Nacional em agosto de 2007,
juntamente com Milton Cézar Silva por erros que, segundo a
diretoria, prejudicaram o clube azulino na derrota por 3 a 1 contra
o Fast, pela Série C. No mesmo ano, mas na final do torneio início
do Campeonato Amazonense, ela mandou voltar uma cobrança defendida
pelo então goleiro do São Raimundo, Weber, contra o Princesa do
Solimões. Revoltados com a decisão, os jogadores do time da Colina
tiraram o time de campo. A época, para o jornal A Crítica, ela disse
que não se intimidava com xingamentos de jogadores ou torcedores.
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Patches e cartões que Syria usava. Foto:
Arquivo Pessoal |
“Já ouvi muita coisa durante a vida. Hoje faço
parte da Comissão Nacional de Arbitragem (CNA) e sei que posso
crescer mais. Estou com a consciência tranquila” -
declarou à época.
Apesar da agressividade que enfrentou dentro e fora
dos campos não abalar Syria, os episódios recorrentes afastaram um
pouco a família dela dos estádios, na época em que ela apitava os
jogos.
“Meus pais tinham muito orgulho dela, porém, foram
poucas vezes assistir seus jogos. Até que nossa mãe esteve em um
jogo que, a cada 10 palavras ditas pela torcida à ela, 11 eram
palavrões, e isso foi durante o jogo todo. Depois desse evento eles
nunca mais foram aos jogos dela” - relembra a irmã.
Homenagem
Após a morte da árbitra amazonense, em 17 de março de
2011, a Federação Amazonense de Futebol decidiu homenagear a escola
de arbitragem com o nome de Syria Flores.
“Nada mais justo do que escolher esse nome na
escola, em homenagem a essa pessoa maravilhosa, que foi a Syria
Flores” - comentou Raimundo Nonato sobre a homenagem, que hoje
enche a família de orgulho por representar um legado da ex-árbitra.
Foto: Arquivo Pessoal |
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“É complicado falar, temos orgulho, não posso
negar. Porém, nós vimos ela passar por cada situação para poder
fazer o que mais amava. No início, meus pais não aceitaram muito bem
essa homenagem, tanto que somente o filho mais velho dela foi para
inauguração. Já hoje, eles vêem como um reconhecimento. Tardio, mas
um reconhecimento” - relatou Siderlândia.
Legado na família
O ingresso de Syria na carreira de árbitra
influenciou a entrada das outras duas irmãs no curso de arbitragem
da Federação Amazonense de Futebol: Siderlândia e Fabiana. O sonho
das três irmãs era formar um trio de arbitragem em família, mas o
sonho não chegou a se concretizar.
“Me formei um ano antes dela morrer, antes de
minha graduação na faculdade. Mas não tinha como eu seguir na
arbitragem (após a morte de Syria). Não conseguia, nem eu e nem a
Fabiana (nossa irmã do coração e adotada por nossos pais). Nenhuma
de nós duas conseguimos continuar na arbitragem, porque o sonho era
ter as três irmãs juntas: a Syria apitando e eu e a Fabiana
auxiliando, mas esse sonho morreu junto com ela” - lamenta
Siderlândia.
Syria deixou dois filhos: Matheus e Sophya. O mais
velho chegou a jogar futebol, mas parou quando a mãe adoeceu e não
voltou mais. Já Sophya cursa veterinária, mas sonha em, um dia,
cursar educação física em homenagem à mãe, que era formada na área e
foi professora.
“Me sinto um filho muito orgulhoso da mãe que ela
se tornou. Sempre que tenho a oportunidade de comentar sobre ela,
encho a boca para falar, pois existem muitas pessoas que reconhecem
a mulher, a mãe, a irmã, a filha e a profissional que ela sempre
foi” - declarou o filho mais velho de Syria, Matheus.
Fonte: Camila Leonel -
acritica.com