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Edina sonhava em apitar a série A -
Crédito: Arquivo pessoal |
Foi no dia 27 de maio de 2019, no jogo entre CSA e
Goiás, que Edina Alves Batista realizou seu maior sonho: apitar um
jogo da série A do Brasileirão. Havia 14 anos que uma mulher não
ocupava esse posto - desde Silvia Regina de Oliveira, que foi a
última a fazer parte do quadro de árbitros da CBF.
"O sonho da minha carreira sempre foi esse:
trabalhar na série A. Um jogo. Era o que eu queria e nunca ia
desistir" - conta ela, que desde então já atuou como árbitra de
uma dezena de partidas do Brasileirão masculino.
"O primeiro jogo foi inesquecível. Pensei em tudo
o que passei para estar lá e valeu a pena. Faria tudo de novo. A
gente nunca deve desistir de nossos sonhos. Não pode ter medo da
caminhada, tem que ter medo é de não caminhar."
Edina, 40, é árbitra FIFA atualmente e atuou em jogos
da Copa do Mundo Feminina na França, no ano passado.
Leia, abaixo, trechos da entrevista.
Curso de datilografia, aula de
pintura
Edina nasceu na pequena Goioerê, no Paraná, e sempre
foi apaixonada por esportes. Na escola, amava a aula de educação
física, especialmente futebol e basquete.
"Meu pai era caminhoneiro, e minha mãe ficava mais
em casa. Eles não gostavam muito de esporte, não, mas também não
impediam. Queriam que eu fizesse outra coisa, curso de datilografia,
aula de pintura. Tinham essa visão de que esporte era coisa para
menino."
Foi o pai de uma amiga que viu nela o talento para
arbitragem.
"Ele era árbitro da liga de futebol da cidade e me
chamou para trabalhar num jogo. Era um amistoso, mas me senti
desafiada. Nunca mais consegui sair."
Adrenalina em campo
Foi amor ao primeiro apito para Edina, e ela nunca
mais se afastou dos campos. Já são mais de 20 anos desde que tudo
começou.
"A adrenalina que envolve a arbitragem me pegou de
vez. Comecei a bandeirar e fui fazer o curso" - lembra ela que
sonhava em se formar em educação física, mas só teve condições de ir
para a faculdade depois que já estava trabalhando como árbitra. "A
arbitragem me deu tudo. Devo a ela tudo o que eu tenho e tudo o que
eu sou."
Viveiro de mudas durante a semana
Fazer o curso de arbitragem não foi nada simples.
Edina começou no final de 1999 e, na época, se revezava entre
arbitrar partidas de futebol amador e o trabalho em um viveiro de
mudas de plantas.
"Todo fim de semana a gente viajava para um lugar
diferente para ter aula. Saía de madrugada e tinha que dividir o
combustível e a alimentação. Foi bastante sacrificante, mas, quando
a gente quer alguma coisa de verdade, isso não importa."
Eram em quatro mulheres nas aulas.
"Uma dava força para a outra para ninguém
desistir. Não era fácil. As meninas diziam que queriam ser
assistente, mas eu sempre quis ser árbitra central. Todo o mundo
falava que era difícil. Mas era o que eu queria ser! Essa era a
minha vontade."
Virou presidente!
Após se formar, Edina deixou o emprego no viveiro e
passou a trabalhar na Liga de Futebol de Goioerê, no Paraná, como
secretária. Sabe o que aconteceu a partir daí? Ela foi mudando de
cargo até que assumiu a presidência!
"Fazíamos um dos maiores campeonatos regionais de
futebol do interior do Paraná. Quando nós, mulheres, queremos algo,
basta dedicação. Somos boas em tudo."
Edina ficou dez anos como presidente, de 2008 a 2018.
Ela seguia arbitrando, mas não em jogos de sua liga.
"Sempre tive ética e, por isso, só trabalhava para
fora. Nunca nos campeonatos que eu organizava. Sempre achei
importante ter respeito e caráter."
Aos 34 anos, começar tudo de novo
Em 2007 Edina ficou sabendo que a CBF havia aberto
vagas para árbitros do Paraná. Conseguiu uma indicação de sua
federação e passou a atuar como assistente, trabalhando com futebol
feminino. Em 2013, saiu uma circular dizendo que bastava o
profissional passar nos testes e poderia atuar tanto no feminino
quanto no masculino.
Os exames são diferentes para cada modalidade e
bastante desgastantes. Mas Edina sempre apitou jogos masculinos e
conseguiu passar. "Comecei a bandeirar também no masculino. Fiz
jogos de base, sub 15, sub 18, sub 20, série D, C, B e cheguei à
série A em 2014. Fui subindo meus degrauzinhos, mas ainda estava
como assistente."
No final de 2014 surgiu uma oportunidade de virar
árbitra central - o grande sonho de Edina—, mas ela teria que
começar a trilhar o caminho até a série A tudo de novo.
"Tinha que recomeçar na base, e eu já estava com
34 anos. Eu falei: 'É é isso que quero'. É o trabalho que eu amo,
sempre falei que queria ser árbitra. Eu estava na elite e tinha que
descer, mas não importava."
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Edina Alves, única mulher a apitar a
série A do Brasileirão na década - Crédito: Julia Rodrigues/UOL |
E lá foi ela
"Conforme eu ia bem, não dava problema nos jogos,
ia subindo."
Hoje Edina é a única árbitra central mulher da série
A do Brasileirão masculino.
Será que ela sabe o que está
fazendo?
Edina é muito elogiada pelo trabalho que realiza em
campo e pela forma como lida com os jogadores, sempre com respeito.
"Acho que quando me viram pela primeira vez devem
ter pensado se eu sabia o que eu estava fazendo. Muita gente não
acreditava que uma mulher pudesse apitar a série A do Brasileiro.
Mas fui conquistando respeito por minhas atitudes corretas dentro do
campo de jogo."
Ela conta que os desafios maiores que enfrentou ao
longo de sua carreira foram fora de campo, pela descrença de que
pudesse chegar aonde sonhava. Mas com a bola rolando tudo sempre foi
bem.
"Eu respeito os jogadores e gosto que me
respeitem. Até agora tem sido mútuo. Não é fácil estar ali, é
preciso estar preparada e saber conduzir a partida da melhor
maneira."
Segundo Edina, os salários para homens e mulheres são
os mesmos —desde que estejam realizando a mesma função. "A CBF tem
tratado a gente como iguais. As mesmas cobranças e as mesmas
oportunidades para todos."
Copa do Mundo inesquecível
"Eu nunca sonhei em ir a uma Copa. Nunca na minha
vida pensei nisso", conta Edina. "Mas surgiu essa vaga e falei:
'Vamos agarrar e levar o Brasil para o Mundial'. Estava concorrendo
com quase 50 meninas de todos os países, só 27 foram selecionadas.
Temos o melhor futebol do mundo e queríamos mostrar também que temos
as melhores árbitras", conta, referindo-se ao trio brasileiro
escalado para a Copa feminina da França: ela, Neuza Back e Tatiane
Sacilotti (ambas assistentes).
"Vencemos etapas, testes, avaliações. E, quando
chegamos lá, só queríamos fazer grandes jogos. Começamos devagarinho
e, no fim, atuamos em quatro partidas, inclusive na semifinal entre
EUA e Inglaterra. Era um dos jogos mais aguardados e, para mim, foi
um sonho."
Uma incentivando a outra
As oportunidades para as árbitras mulheres estão aos
poucos crescendo, de acordo com Edina. E, com elas, os sonhos
também. A Fifa começou a escalar mulheres para os jogos masculino de
base.
Crédito: CBF |
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"Por isso, eu e
a Neuza, quando tivemos oportunidade, nos mudamos
para São Paulo [elas dividem apartamento em Jundiaí,
no interior]. Falei: 'Vamos nos unir, porque se a
gente tiver entrosamento vai melhorar nossa
qualidade técnica. Hoje, uma incentiva a outra. Nos
preparamos para a Olimpíada. Temos parceria nisso." |
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Neuza Back e Edina Alves moram juntas em
Jundiaí/SP |
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Edina afirma que as árbitras estão unidas e se
apoiando.
“Buscamos juntas qualidade, aperfeiçoamento e
informações. A gente tem que se ajudar. Uma tem que ajeitar a coroa
da outra.
Que legado ela gostaria de deixar para outras
mulheres que sonham em trabalhar com arbitragem?
"Eu só queria que elas nunca desistissem. Nada vai
cair do céu. Não ia vir para mim um jogo da série A se eu não
corresse atrás. Mas se você ama aquilo que está fazendo e faz com
qualidade, não é impossível. Cada jogo em que eu trabalho é uma
vitória."