14/12/2004    Atualizado 13/01/2014 às 10:25hs

Ex-Árbitro Paulista Chuta o Balde

Rodrigo Innocente publica carta renuncia onde relata indignação com o sistema, trote dos "veteranos", calote dos clubes, humilhação e falta de organização

Em 2004, o então árbitro da Federação Paulista de Futebol, Rodrigo Innocente, (foto) publicou um texto no Orkut onde comunicava o fim da sua carreira. Na ocasião, o ex-árbitro escreveu o texto para explicar seu desligamento dos quadros da FPF.

No texto, Rodrigo que chegou a participar da pré-temporada de árbitros da FPF em 2004, relata toda sua indignação com o sistema daquela época que não era muito diferente dos dias atuais. Também relata trote dos "veteranos", calote de clubes, humilhação e falta de organização.

Leia abaixo o texto-carta que foi reproduzido pelo extinto site "Cartão Vermelho"
A/C Comissão de Arbitragem da Federação Paulista de Futebol

"São Paulo, 07 de dezembro de 2004.

Informo através desta que desde o dia 27/11/04, com muita tristeza, decidi deixar de ser árbitro da Federação Paulista de Futebol. Minha indignação tornou-se tão grande que não havia outra decisão a ser tomada. Vou citar os principais motivos (citar todos seria impossível) pois ao contrário de alguns vocês tenho educação para dar satisfação àqueles com os quais trabalhei durante alguns anos.

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Para não perder muito meu tempo vou relatar os fatos ocorridos desde janeiro de 2003. Fui escalado para apitar na Copa São Paulo de Futebol Jr. e como de costume, fui muito bem nas três primeiras rodadas da primeira fase da competição sendo que no terceiro jogo fui observado pelo Roberto Perassi (um ex-árbitro fracassado na minha opinião que é um dos principais membros da Comissão) que disse ter gostado muito do meu trabalho. Na fase das oitavas-de-final novamente fui elogiado pelo Roberto Perassi e graças as minhas atuações fui escalado para apitar a decisão do terceiro lugar entre Internacional de Limeira e Vasco da Gama-RJ (25/01/03) e novamente tive uma excelente atuação.

Depois disso realizei e passei no teste físico com os árbitros que atuariam nas séries A do Paulistão e não haviam sido convocados para a Pré-Temporada. Para minha surpresa cerca de um mês e meio depois do teste que realizei, sem ter sido escalado sequer uma vez nesse período, recebi uma ligação da Viviane, ex-funcionária da Federação, marcando uma data para a realização do 'meu' teste físico. Indignado, disse a ela que eu já havia realizado e passado no teste semanas antes. Em seguida ela confirmou que eu estava correto, que havia um erro no controle e que seria impossível a Comissão de Arbitragem me escalar, afinal para eles eu ainda não havia realizado os referidos testes. Ou seja, no mínimo foram amadores e/ou incompetentes pois me prejudicaram graças a uma falta de organização se é que não houve má fé.

Como 'prêmio de consolação' fui escalado mais de dois meses depois (lamentável, fiquei todo esse tempo de 'molho') em alguns jogos da série B1 e mais uma vez fui bem nos jogos. Em seguida fui escalado para dois jogos na série B3 e depois fiquei fora de escala. Com o objetivo de saber se eu havia cometido algum erro liguei para Roberto Perassi e o questionei se havia ocorrido algo de anormal. Ele me disse que eu não podia menosprezar a B3 e eu disse a ele que não menosprezava divisão alguma. Então, ele disse que eu ficasse tranqüilo pois na semana seguinte eu participaria do sorteio. Mentira, pois fiquei quase dois meses sem ser escalado e sem participar de qualquer sorteio. Ou seja, essa conversa de que as portas estão sempre abertas para os árbitros é conversa pra boi dormir. Os árbitro não podem confiar na Comissão.

A única coisa que eu poderia fazer era ficar quieto esperando uma nova oportunidade, uma nova 'chance' (como me humilhava tanto? como os árbitros se humilham tanto?). Pois bem, voltei a ser escalado nos jogos do SUB20 e quando tudo estava indo muito bem, após eu ter recebido uma nota 8,1 no jogo entre Palmeiras X Atlético Sorocaba, fui 'rebaixado”'para o SUB17 e SUB20 da Segunda. A única coisa que podia fazer era esperar sem reclamar (era a escravidão? a ditadura?). Bom, logo depois apitei um jogo SUB17 entre Ponte X Guarani e “arrebentei”, apitei muitíssimo bem. Dias depois fui chamado para uma reunião na Federação e lá tive que esperar o José Manoel Evaristo (que é o principal membro da Comissão e até onde eu sei era apenas um diretor de clube que nunca na vida apitou um jogo de futebol) que demorou algumas horas (se fosse hoje o deixava falando sozinho). Quando o referido chegou me disse que eu era um bom árbitro, mas questionou-me se eu havia xingado jogadores no jogo da Ponte X Guarani. Eu falei que não e eles acabaram acreditando no que eu disse (parece brincadeira mas acreditaram em um árbitro) e em seguida fui escalado para apitar uma semi-final do SUB17 entre Corinthians X Rio Branco. Tudo bem no jogo como de costume e depois foi só esperar o início do ano seguinte para trabalhar na Copa São Paulo. Fui escalado para dois jogos “meia-boca” e na seqüência como se tivesse dado “a louca” em alguém, fui convocado para a Pré-temporada de Árbitros de 2004 (até agora não sei como isso aconteceu).

  "Como me humilhava tanto? Como os árbitros se humilham tanto?"

Rodrigo Innocente na atualidade - Foto: facebook

Na Pré-Temporada, apesar de já ter ido em outra oportunidade como Árbitro Assistente, tive que levar aqueles famosos trotes babacas e de mal gosto típicos de quem sente-se o dono do mundo quando tem um pouquinho de “poder” nas mãos. Entre outras coisas pintaram todos os “novatos” com batom e esmalte em frente ao CEMA (Baixaria total, amadorismo puro, nunca se ouviu falar em tanto baixo nível numa convenção de qualquer empresa do mercado quando estão se preparando para um ano de trabalho mas na arbitragem isso é comum) e o mais lamentável de tudo é que tudo foi observado pela Comissão de Arbitragem e nada foi feito.

Na mesma pré-temporada fomos “obrigados” a comprar bandeiras eletrônicas para podermos trabalhar nas séries A do Paulistão, afinal quem não tivesse as bandeiras não trabalharia de forma alguma. Fui lá com a maior boa fé e desembolsei mais de R$1.500,00 para investir na minha carreira (pior foi quem teve que gastar cerca de R$2.500,00 pela bandeira do SAFESP - Sindicato dos Árbitros, que importou a bandeira de forma incorreta e teve problemas com a Receita Federal).

Bom, depois do investimento de mais de R$1.500,00, de 10 dias fora do meu trabalho, de sete anos na arbitragem, de ser elogiado pelo Roberto Perassi e pelo José Manoel Evaristo acreditei que seria o “meu momento”. Doce ilusão, fiz cerca de vinte reservas para poucos árbitros bons e para muitos simplesmente ridículos e quanto a apitar na série A? , me engana que eu gosto, apitei 5 jogos na B2 (última divisão) e por melhor que eu tenha ido, não tive reconhecimento algum. Depois disso fiz três joguinhos no SUB20 e mais nada. Como lembrança tomei um calote em Bragança Paulista de quase R$250,00. Já é o segundo da minha carreira, pois até hoje também não recebi uma taxa de cerca de R$350,00 em Ourinhos dois anos atrás e o SAFESP nada fez para que eu recebesse esse valor a que tenho direito. SAFESP que por sinal faz muito pouco para acabar com o sorteio de árbitros, para melhorar a taxa dos árbitros, para acabar com os calotes, para buscar melhorias para os árbitros frente a FPF. O que adianta o SAFESP estar sempre reunido com a FPF e agradá-la mais do que aos árbitros que tanto precisam de apoio? O que adianta estar na reunião entre FPF e árbitros, vê-los sendo chamados de burros e nada fazer?

 

Cansei, é muita humilhação pra pouco retorno. Enquanto a arbitragem não for autônoma e independente das Federações e Confederação nada ira mudar. Se os árbitros estão “nas mãos” da Comissão de Arbitragem, que estão nas mãos da Federação, que está nas mão dos clubes podemos dizer que os árbitros estão nas mãos dos clubes? Acho que sim! Enquanto as coisas continuarem assim vamos ver um monte de árbitros péssimos, preocupados com a próxima escala. Eu estou fora! Livre para opinar!

Dos anos que passei trabalhando na FPF posso dizer que ganhei muitos amigos! Aprendi muito! Apitei muito! Nunca fui “puxa-saco”, nunca fui “pipoqueiro”, nunca fui “caseiro” e nunca fui “cirqueiro”! Nunca tive uma reclamação. Saio de cabeça erguida e sei que cumpri minha missão e árbitro de futebol com muita dignidade. Talvez os valores estejam invertidos e atualmente sei que a realidade da arbitragem não tem nada a ver com meus princípios"
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Abraços aos amigos,
Rodrigo Innocente

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