sérios
danos morais à sua imagem perante o meio social e profissional.
Para o juiz Alessandro Oliveira, a
imprensa possui importante papel como órgão formador da consciência do
povo. Mas, de acordo com ele, para o exercício adequado da liberdade
de imprensa, o emissor não pode ultrapassar os limites fixados na
Constituição Federal, em especial o respeito aos direitos da
personalidade.
"É
pertinente acrescentar que as informações e notícias, veiculadas pelos
meios sociais de comunicação, devem ser analisadas mediante uma
pré-investigação própria, onde levará em consideração a ética, para
que não se cometam injustiças e ofensas por fatos distorcidos ou pela
não pertinência da sua publicação",
afirmou o juiz na sentença.
O juiz destacou também que os fatos
narrados no processo geraram tensão, ansiedade e angústia ao autor,
desequilibrando seu estado emocional e gerando-lhe abalo psicológico,
devendo a parte ré responder por essa irregularidade. Cabe recurso da
decisão.
Confira abaixo a íntegra da sentença.
_________________
S E
N T E N Ç A
WAGNER TARDELLI DE AZEVEDO propõe ação indenizatória em face de ARETE
EDITORIAL S/A aduzindo, em síntese, que na qualidade de árbitro de
futebol, foi escalado para aturar na partida final do campeonato
brasileiro de 2008; que foi proferida declaração de suposta
manipulação do resultado, o que levou a Federação Brasileira de
Futebol, por cautela, a substituí-lo em tal partida por outro árbitro;
que em razão do ocorrido, a ré publicou matérias deturpadas e
tendenciosas, chamativas e de interpretação dúbia, fazendo com que os
leitores acreditassem que estava cometendo corrupção passiva e
causando-lhe sérios danos morais é a sua imagem, perante o meio social
e profissional.
Requer indenização pelos danos morais sofridos. A inicial de fls.
02/10, veio instruída com os documentos de fls. 11/16. Regularmente
citado, o réu compareceu à audiência de conciliação, realizada nos
termos do art. 277 do CPC, que restou infrutífera, conforme assentada
de fls. 24.
Na
oportunidade, apresentou contestação tempestiva (fls. 25/33),
acompanhada de documentos (fls. 34/52), alegando que a matéria
jornalística em questão é de inegável interesse público, tem cunho
narrativo e decorre de fatos levados a seu conhecimento, sendo seu
direito/dever de publicá-los; que o próprio demandante narra que,
estando escalado para apitar a disputa entre Goiás e São Paulo, foi
substituído por outro árbitro, por determinação da Comissão de
Arbitragem da CBF; que as manchetes não se dirigem ao autor, mas à
'tentativa de suborno'; que na reportagem foi apresentado quadro
comparativo da atuação do autor e de seu substituto na partida
mencionada, sendo ambos ouvidos sobre os fatos em questão; que agiu no
legítimo exercício do seu direito de informação, não existindo danos
morais na hipótese; que a reputação objetiva do autor não sofreu
qualquer abalo, já que o mesmo teria se aposentado no ano passado e
sido convidado pelo técnico Wanderlei Luxemburgo para integrar a
equipe do Atlético-MG como instrutor de arbitragem; que se sentindo o
demandante indignado, deveria se manifestar logo após a publicação, e
não mais de um ano depois.
É o
relatório.
Passo a decidir.
Ab
initio, indefiro a expedição do ofício ao STJD pleiteada pelo autor,
tendo em vista ser este procedimento inútil e desnecessário ao
deslinde da quesilha submetida a julgamento.
O
Código de Processo Civil adotou o sistema do livre convencimento
motivado, também chamado de sistema da persuasão racional. Com base
nesse sistema, o juiz está livre para formar seu convencimento sobre
os fatos alegados pelas partes, desde que o faça com base nas provas
carreadas aos autos e de forma fundamentada.
O
julgamento sem a produção da mencionada prova não causou cerceamento
de defesa. Caso deferida fosse, protelaria o julgamento do mérito da
demanda, eis que não se presta a formar a convicção do magistrado,
pendendo na presente hipótese apenas a interpretação do conteúdo da
publicação no periódico do réu.
Segundo o v. Acórdão da Colenda 3ª Câmara Cível do nosso Tribunal de
Justiça, sendo seu Relator o Des. SERGIO CAVALIERI FILHO, ficou
estabelecido que:
'... Não se deve olvidar que ao direito de ampla defesa contrapõe-se o
poder-dever do Juízo de indeferir as provas inúteis e diligências
meramente protelatórias (CPC, 130), pelo que rejeita-se a preliminar.'
Ap. civ. 6776/93, julg. 18.08.94).
Assim, analisando-se o acervo probatório carreado aos autos, denota-se
que a causa encontra-se madura para o julgamento, havendo elementos
suficientes para o exercício de uma cognição exauriente, fundada num
juízo de certeza, para a prolação da sentença de mérito, motivo pelo
qual julgo antecipadamente a lide, nos termos do art. 330,I, do CPC.
A
Constituição Federal consagra a livre expressão de comunicação em
diversos dispositivos (artigo 5º, incisos IV, V, IX, XII e XIV,
conjugados com os artigos 220 a 224). Tal liberdade se projeta em três
espécies: liberdade de manifestação do pensamento, liberdade de
informação em geral e, por fim, liberdade de informação jornalística,
sobre a qual versa a presente lide.
Além disso, guarda dois elementos bem distintos: um consubstanciado no
direito de livre pesquisa e divulgação, que acarreta um dever de
abstenção consistente em não impedir que estas livres pesquisas e
divulgações fluam, e outro, concernente ao direito que tem a
coletividade de receber as notícias e de cobrar, não apenas a vinda
destas, mas também que correspondam a uma realidade fática. Verifico
que a controvérsia submetida à tutela jurisdicional reside na
ocorrência de conflito aparente de normas constitucionais, qual seja:
o direito à informação e à liberdade de expressão, e o direito à
inviolabilidade da honra e imagem.
Analisa-se, também, se houve abuso no direito de informar e, por
conseguinte, extraindo qual direito constitucional deve prevalecer
neste caso concreto. Não há, no sistema constitucional brasileiro,
direitos ou garantias que se revistam de caráter absoluto, como também
não existe qualquer relação de hierarquia entre a aplicação dos
direitos fundamentais, mesmo porque todos interagem entre si, de nada
servindo um sem a existência dos outros.
O
que se busca, e de forma constante, é a proteção e garantia do homem,
com o objetivo de alcançar uma sociedade mais justa, igualitária e
menos desumana. Gozando os direitos fundamentais da mesma proteção
constitucional, conclui-se que estão no mesmo patamar de valor
jurídico, razão pela qual deve-se buscar a solução por meio de um
juízo de ponderação, considerando-se o caso concreto.
Os
direitos fundamentais enquanto direitos de hierarquia constitucional
somente podem ser limitados por expressa disposição constitucional
(restrição imediata) ou mediante lei ordinária promulgada com
fundamento imediato na própria Constituição (restrição mediata).
No
caso em ênfase tem-se aplicabilidade da restrição mediata qualificada,
no que concerne à liberdade de informação, pois a Constituição não se
limita a exigir que eventual restrição ao âmbito de proteção do
direito seja prevista em lei. Estabelece também condições especiais,
quando preceitua no art. 220, §1°, da CRFB a observância de alguns
postulados constitucionais, principalmente à proteção da vida privada.
Já
no caso do direito à vida privada, não prevê a Constituição,
explicitamente, a possibilidade de intervenção legislativa, trata-se
de direito fundamental sem reserva legal expressa.
Assim, apenas a colisão entre direitos de terceiros e outros valores
jurídicos com hierarquia constitucional pode excepcionalmente, em
consideração à unidade da Constituição e à sua ordem de valores,
legitimar o estabelecimento de restrições a esse direito.
Extrai-se que a liberdade de informação jornalística sofreu limitações
pelo Constituinte Originário, pois condiciona seu exercício a
observância do direito fundamental à intimidade, porém, a Constituição
Federal, em seu art. 220, §2, repudia a censura como uma das formas de
coroar a democracia. Mas apesar de a Constituição repelir de forma
veemente a censura prévia, apenas adverte-se que todas as liberdades
devem ser condicionadas em respeito à lei, sob pena de se configurar
violação. Isso não significa que a liberdade de imprensa é absoluta,
não encontrando restrições ou barreiras, nos outros direitos
fundamentais, pois há a viabilidade de propositura de ações visando à
responsabilização por danos decorrentes de noticias difamantes,
injuriosas que possam causar danos materiais ou à imagem.
Para o exercício adequado da liberdade de imprensa, o emissor não pode
ultrapassar os limites fixados na própria Constituição, em especial o
respeito aos direitos da personalidade. O abuso decorrente do mau uso
ou uso exacerbado da liberdade de imprensa além dos limites
preestabelecidos pelo ordenamento jurídico é que gera o dano e
conseqüentemente o dever de indenizar. Imperioso exaltar que o
significante progresso mundial influenciou as técnicas de comunicação
representando para a sociedade em geral uma grande vitória e ao mesmo
tempo um desafio, uma vez que se vive a era da globalização, onde a
difusão de conhecimentos e notícias circula entre os povos e países,
em uma velocidade jamais vista.
A
imprensa possui importante papel como órgão formador da consciência do
povo, expositor de valores culturais e sociais, estimulando produções
artísticas, literárias e econômicas, difundindo ideais e notícias e
até mesmo denunciando e motivando mudanças políticas alimentada pela
atuação da mídia.
A
imprensa precisa ser forte, independente, imparcial, e,
principalmente, livre, para que cumpra a sua missão de informar, sendo
um direito previsto na Constituição Federal e de relevante valor
social, ainda mais para um Estado Democrático e pluralista. Contudo, é
pertinente acrescentar que as informações e notícias, veiculadas pelos
meios sociais de comunicação, devem ser analisadas mediante uma
pré-investigação própria, onde levará em consideração a ética, para
que não se cometa injustiças e ofensas por fatos distorcidos ou pela
não pertinência da sua publicação. Sem a liberdade de imprensa não se
pode falar em Democracia, pois todos os cidadãos têm o direito de
informar e de serem informados dos acontecimentos que os rodeiam para
que sintam inseridos no meio em que vivem. Entretanto, essa liberdade
não pode ferir os direitos intrínsecos da personalidade dos
indivíduos, os quais são constitucionalmente previstos. Cabe mencionar
que o homem participa como objeto principal dessa problemática,
estando presente de um lado como personagem da notícia e de outro,
como receptor da informação.
Não
há como se negar a importância dos direitos emanados da personalidade,
ditos como essenciais ao homem por lhes serem intrínsecos, bem como o
direito de informar e a liberdade de manifestação do pensamento, o que
gera um entrechoque sem posição única por parte dos doutrinadores e da
própria jurisprudência.
Submetido que está o direito de livre pesquisa e publicidade, por
força constitucional, aos direitos à intimidade, imagem e à honra,
tem-se que sempre que o primeiro extrapolar sua função precípua,
invadindo algum desses direitos personalíssimos, tal situação
implicará, via direta, no dever de indenizar, por conta dos abusos que
cometer, àquele que sofreu a injusta lesão, como meio de reparar dos
danos causados pela ofensa de natureza patrimonial ou moral, não sendo
admissível que seja alterada a verdade dos fatos ou que seja esvaziado
o seu sentido original.
O
direito de liberdade de imprensa só é exercido de forma legítima e
regular se pautado pela ética e pela verdade. Ressalte-se que há uma
busca e uma exigência cada vez maiores pela purificação ética das
relações jurídicas. A própria sociedade demanda que a imprensa tenha
uma atuação escorreita, deixando de lado condutas sensacionalistas e
que falseiem a verdade em troca de audiência.
No
caso vertente, o demandante aduz em sua inicial que as notícias
veiculadas pela parte ré são deturpadas e tendenciosas, chamativas e
de interpretação dúbia, apresentando, a fim de comprovar suas
alegações, nos termos do art. 333, I, do CPC, os documentos acostados
às fls. 13/16. Conquanto verdadeiras as informações de que o
demandante, escalado para atuar como árbitro na disputa entre Goiás e
São Paulo, fora posteriormente substituído pelo árbitro Jailson Macedo
Freitas, em razão de ter a Comissão de Arbitragem da Confederação
Brasileira de Futebol recebido informação sobre a existência de
suposta manipulação de resultado, o que se verifica na reportagem de
capa do periódico publicado pelo réu em 07/12/2008 (fls.13) é a
palavra 'Suborno' em letras garrafais, assim como a foto do autor
junto à palavra 'Sai' e a foto do árbitro que o substituiu junto à
palavra 'entra', o que, por si só, incute na cabeça do leitor que o
autor fora afastado em razão de suborno, em que pese, na mesma página,
em letras menores, diga-se, seja informado que a substituição ocorreu
após a CBF receber denúncia de manipulação de resultado.
Ademais, no 'recheio' da edição supramencionada, também consta o
título 'Suborno na Final' e a foto do demandante (fls.15). Urge
esclarecer que não pode o demandado se limitar a explicar o real
acontecimento dos fatos, ou seja, de que apenas foi a CBF alertada
sobre suposta tentativa de suborno, em letras bastante menores, sequer
lidas por muitos leitores.
Decerto que se trata de matéria de interesse público, no entanto, a
informação tem de ser passada à sociedade de forma precisa e
responsável, e não por meio de reportagens veiculadas de forma
sensacionalista, que não correspondam à realidade, e que servem
tão-somente para vender mais publicações.
Agiu o réu em conformidade com o ordenamento jurídico quando noticiou
a 'suspeita de suborno' na parte superior da página de jornal acostada
às fls. 14, o mesmo podendo-se dizer das informações contidas o
documento de fls. 16, tendo sido, inclusive, dada oportunidade ao
demandado de expor sua visão a respeito do ocorrido (fls.16v).
Vislumbro, portanto, ter havido excesso aos limites do legítimo
exercício da liberdade de imprensa na notícia geradora do conflito,
publicada pelo réu em 07/12/2008 (fls. 13 e 15), que prejudicou, não
só a imagem do autor, como a veracidade da informação,
configurando-se, pois, abuso do direito de informar, devendo a
demandada responder pelo ilícito causado.
Os
fatos ora narrados geraram tensão, ansiedade e angústia ao autor,
desequilibrando o seu estado emocional e gerando-lhe abalo
psicológico, devendo a parte ré responder por essa irregularidade. A
ocorrência de dano moral há de ser considerado não só sob um aspecto
meramente ressarcitório, mas também sob o ângulo
preventivo-pedagógico, visando chamar a atenção para que os fatos
lesivos não tornem a ocorrer.
De
fato, a decisão de um processo possui um efeito endoprocessual, ou
seja, perante as próprias partes, mas também há de ser ressaltado o
seu efeito macro-processual, ou seja, aquilo que extrapola os limites
subjetivos da coisa julgada para expressar um comportamento esperado
por toda a sociedade.
Na
busca de fixar um valor que seja suficiente para reparar o dano da
forma mais completa possível, sem importar em enriquecimento sem causa
por parte do ofendido, deve o quantum debeatur ser fixado de forma
proporcional, moderada, razoável, compatível com a reprovabilidade da
conduta ilícita, a intensidade e duração do sofrimento experimentado,
a capacidade econômica do causador do dano e as condições sociais,
dentre outras circunstâncias relevantes.
Portanto, levando em consideração os parâmetros acima mencionados,
fixo o valor da indenização por danos morais em R$ 15.000 (quinze mil
reais), em observância aos Princípios da Razoabilidade e da
Proporcionalidade.
Isto posto, JULGO PROCEDENTE o pedido para condenar a demandada ao
pagamento da quantia de R$ 15.000 (quinze mil reais), a título de
indenização pelos danos morais sofridos pelo autor, com incidência de
juros de 1% ao mês a contar da data da citação e de correção
monetária, pelos índices do TJRJ, a contar da data desta sentença.
O
Réu suportará as custas do processo, bem como a verba honorária de 10%
(dez por cento) sobre o valor da condenação, atendido o disposto no
art. 20, §3° do CPC.
Globo.com
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