"O jogador só não pode ir para cima
do goleiro quando este for repor a bola", explica o ex-presidente da Associação
Nacional dos Árbitros de Futebol (Anaf),
Jorge Travassos. "Mas
isso nada tem a ver com disputas em lances aéreos, onde o choque é normal e não
caracteriza, por si só, falta no goleiro." O mito da "pequena área", segundo
ele, foi criado pela zona de atuação dos goleiros. "Como eles costumam sair nas
bolas altas só até o limite da pequena área, passou a se considerar o território
em que os goleiros estão protegidos", diz. "Mas não existe nada disso."
Em outras ocasiões é comum o
zagueiro exigir "bola prensada é da defesa", após uma dividida com o atacante.
Este lance, entretanto, também não está previsto em nenhuma das 17 regras. "São
coisas tão antigas e repetidas que acabam virando verdade para alguns", avalia o
árbitros da Federação Carioca de Futebol, Cláudio Vinícius Cerdeira. "Este negócio
vem das peladas e muita gente fica achando que faz parte da regra", observa.
"Mas é uma grande bobagem, porque alguém sempre vai tocar por último na bola."
Internet - Para tentar
diminuir um pouco a confusão, a Anaf até já colocou na internet o site da
entidade, com todas as regras do futebol, sua história e os lances mais
polêmicos. Ao acessar o site anaf.com.br qualquer internauta pode conversar com
árbitros e esclarecer dúvidas.
De acordo com o ex-árbitro Arnaldo
Cézar Coelho, que apitou durante 25 anos e foi o primeiro brasileiro a dirigir
uma final de Copa do Mundo (Itália x Alemanha, em 1982, na Espanha), os mitos
vêm da tradição comodista das peladas. "Desde uma simples disputa entre
solteiros e casados, fica bem mais fácil para o árbitros apitar falta no goleiro ou
dar a bola para a defesa após uma dividida", anota Arnaldo, que é comentarista.
No seu entender, vale mais aí o
instinto de sobrevivência do árbitro.
"Apitando assim o árbitros
evita confusão e não corre risco de se indispor com ninguém", prossegue. "É a
velha tática da acomodação, onde o árbitros
se abstém de interpretar o lance para não se comprometer."
Um mito mais recente é o da expulsão do "último homem".
Depois que a regra 12 passou a determinar cartão vermelho para quem "derrubar
por trás o adversário que estiver correndo com a bola na direção do gol",
espalhou-se que se o faltoso for o "último homem" da defesa este deverá ser
expulso.
"Não existe esta história, até porque normalmente o último
homem é o goleiro", ressalta o árbitros. "O
importante é se há uma situação clara de gol, não importa quantos jogadores
ainda restam."
Mesmo quando o goleiro é o autor da falta, o lance pode não
recomendar a expulsão. Jorge Travassos viveu
essa situação durante o jogo Corinthians x Vasco, pelo Torneio Rio-São Paulo, no
início do ano. O goleiro Maurício (Corinthians) saiu e tocou com a mão na bola
fora da área, mas levou só o amarelo, porque o desdobramento da jogada não era
claro. "Romário estava atrás do goleiro, mas junto com dois zagueiros do
Corinthians e não se poderia dizer que Maurício impediu o gol", lembra. "A
desinformação, porém, é tanta que um jogador do Vasco chegou a pedir pênalti e
até o Romário riu."
Tiro de meta - Também por falta de informação, num
jogo entre Americano e Vasco, um zagueiro do time de Campos foi para cima de
Cláudio Cerdeira exigindo a marcação de um impedimento, enquanto Romário partia
para o gol. "Tive de explicar para ele que a bola havia sido passada pelo seu
próprio companheiro", recorda. "É terrível, mas você precisa ensinar coisas
básicas, porque quase ninguém conhece as regras." Exatamente por isso, Arnaldo
preferia evitar explicações. "Não adianta tentar explicar, porque os jogadores
não conhecem as regras e você só vai se complicar", justifica. "Aprendi cedo que
árbitros tem de ser boçal e soberano."
O próprio Arnaldo, aliás, confessa que ele mesmo
desconhecia as regras quando começou a apitar na várzea e na praia. "Nem sabia
que havia um livro de regras e, na prova para o quadro de árbitros, tive de
colar para saber quantas regras existiam", relembra. "Isso acontece porque o
futebol é um dos únicos esportes que você pode praticar sem conhecer as regras."
Apesar disso, Arnaldo critica a falta de cuidado dos
grandes times e da seleção em relação às regras. "É lamentável que ninguém se
preocupe em orientar jogadores e técnicos", reclama. "Quem sabe leva vantagem."
Quem duvida disso não passou pelo aperto que Travassos
enfrentou num jogo entre Olaria e Portuguesa pelo Campeonato Carioca, no início
da década de 90. O treinador do Olaria, Renato Trindade, conhecedor das regras
do futebol, resolveu surpreender. "Antes de um tiro de meta, ele recuou todo o
time para o seu campo, fazendo com que a equipe da Portuguesa avançasse", conta
Travassos. "Então, o goleiro bateu o tiro de meta e dois atacantes do Olaria
saíram correndo, tabelaram e fizeram o gol, causando uma confusão geral." Depois
de muito bate-boca, Travassos manteve a marcação do gol, porque na verdade se
tratava de um lance simples. Está na regra 11: não existe impedimento se a bola
saiu de um tiro de meta.
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