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 Lendas viram lei para desinformados do esporte

Jogadores, técnicos, torcedores, jornalistas e até árbitros desconhecem as regras básicas

 

09/07/2000 - O futebol já fez cem anos e é o esporte mais popular do mundo, mas suas regras continuam ignoradas por jogadores, técnicos, torcedores, jornalistas e até árbitros. Algumas lendas oriundas das "peladas" na praia e na várzea resistem ao tempo e ainda desafiam uma melhor compreensão das regras do jogo. São máximas que, de tão repetidas pelo torcedor e pelos profissionais do futebol, acabam virando "lei", embora não constem em nenhuma das 17 regras do esporte.

De vez em quando os mitos ressurgem e provocam polêmica. Há algum tempo, durante um Fla-Flu pelo Campeonato Carioca, o goleiro Zetti, do Fluminense, acabou empurrando a bola para dentro do gol após um choque com Reinaldo, do Flamengo. O gol foi validado, mas treinadores criticaram a decisão do árbitros, citando a velha máxima de que "o goleiro na pequena área é intocável".

A tese foi reforçada por analistas e discutida apaixonadamente pelos torcedores, mas não sobrevive a uma espiada no livro das regras do futebol.

Ali, não há nada que autorize esta conclusão. A pequena área, aliás, sequer é citada. A única menção ao assunto, no capítulo 12, diz apenas que não se pode atacar o goleiro dentro da grande área.

Cerdeira: "Este negócio vem das peladas e muita gente fica achando que faz parte da regra"

"O jogador só não pode ir para cima do goleiro quando este for repor a bola", explica o ex-presidente da Associação Nacional dos Árbitros de Futebol (Anaf), Jorge Travassos. "Mas isso nada tem a ver com disputas em lances aéreos, onde o choque é normal e não caracteriza, por si só, falta no goleiro." O mito da "pequena área", segundo ele, foi criado pela zona de atuação dos goleiros. "Como eles costumam sair nas bolas altas só até o limite da pequena área, passou a se considerar o território em que os goleiros estão protegidos", diz. "Mas não existe nada disso."

Em outras ocasiões é comum o zagueiro exigir "bola prensada é da defesa", após uma dividida com o atacante. Este lance, entretanto, também não está previsto em nenhuma das 17 regras. "São coisas tão antigas e repetidas que acabam virando verdade para alguns", avalia o árbitros da Federação Carioca de Futebol, Cláudio Vinícius Cerdeira. "Este negócio vem das peladas e muita gente fica achando que faz parte da regra", observa. "Mas é uma grande bobagem, porque alguém sempre vai tocar por último na bola."

Internet - Para tentar diminuir um pouco a confusão, a Anaf até já colocou na internet o site da entidade, com todas as regras do futebol, sua história e os lances mais polêmicos. Ao acessar o site anaf.com.br qualquer internauta pode conversar com árbitros e esclarecer dúvidas.

De acordo com o ex-árbitro Arnaldo Cézar Coelho, que apitou durante 25 anos e foi o primeiro brasileiro a dirigir uma final de Copa do Mundo (Itália x Alemanha, em 1982, na Espanha), os mitos vêm da tradição comodista das peladas. "Desde uma simples disputa entre solteiros e casados, fica bem mais fácil para o árbitros apitar falta no goleiro ou dar a bola para a defesa após uma dividida", anota Arnaldo, que é comentarista.

No seu entender, vale mais aí o instinto de sobrevivência do árbitro.

"Apitando assim o árbitros evita confusão e não corre risco de se indispor com ninguém", prossegue. "É a velha tática da acomodação, onde o árbitros se abstém de interpretar o lance para não se comprometer."

Um mito mais recente é o da expulsão do "último homem". Depois que a regra 12 passou a determinar cartão vermelho para quem "derrubar por trás o adversário que estiver correndo com a bola na direção do gol", espalhou-se que se o faltoso for o "último homem" da defesa este deverá ser expulso.

 "Não existe esta história, até porque normalmente o último homem é o goleiro", ressalta o árbitros. "O importante é se há uma situação clara de gol, não importa quantos jogadores ainda restam."

Mesmo quando o goleiro é o autor da falta, o lance pode não recomendar a expulsão. Jorge Travassos viveu essa situação durante o jogo Corinthians x Vasco, pelo Torneio Rio-São Paulo, no início do ano. O goleiro Maurício (Corinthians) saiu e tocou com a mão na bola fora da área, mas levou só o amarelo, porque o desdobramento da jogada não era claro. "Romário estava atrás do goleiro, mas junto com dois zagueiros do Corinthians e não se poderia dizer que Maurício impediu o gol", lembra. "A desinformação, porém, é tanta que um jogador do Vasco chegou a pedir pênalti e até o Romário riu."

Tiro de meta - Também por falta de informação, num jogo entre Americano e Vasco, um zagueiro do time de Campos foi para cima de Cláudio Cerdeira exigindo a marcação de um impedimento, enquanto Romário partia para o gol. "Tive de explicar para ele que a bola havia sido passada pelo seu próprio companheiro", recorda. "É terrível, mas você precisa ensinar coisas básicas, porque quase ninguém conhece as regras." Exatamente por isso, Arnaldo preferia evitar explicações. "Não adianta tentar explicar, porque os jogadores não conhecem as regras e você só vai se complicar", justifica. "Aprendi cedo que árbitros tem de ser boçal e soberano."

O próprio Arnaldo, aliás, confessa que ele mesmo desconhecia as regras quando começou a apitar na várzea e na praia. "Nem sabia que havia um livro de regras e, na prova para o quadro de árbitros, tive de colar para saber quantas regras existiam", relembra. "Isso acontece porque o futebol é um dos únicos esportes que você pode praticar sem conhecer as regras."

Apesar disso, Arnaldo critica a falta de cuidado dos grandes times e da seleção em relação às regras. "É lamentável que ninguém se preocupe em orientar jogadores e técnicos", reclama. "Quem sabe leva vantagem."

Quem duvida disso não passou pelo aperto que Travassos enfrentou num jogo entre Olaria e Portuguesa pelo Campeonato Carioca, no início da década de 90. O treinador do Olaria, Renato Trindade, conhecedor das regras do futebol, resolveu surpreender. "Antes de um tiro de meta, ele recuou todo o time para o seu campo, fazendo com que a equipe da Portuguesa avançasse", conta Travassos. "Então, o goleiro bateu o tiro de meta e dois atacantes do Olaria saíram correndo, tabelaram e fizeram o gol, causando uma confusão geral." Depois de muito bate-boca, Travassos manteve a marcação do gol, porque na verdade se tratava de um lance simples. Está na regra 11: não existe impedimento se a bola saiu de um tiro de meta.

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