A idéia de ligas independentes de clubes não é recente no Brasil. No
século XXI, vários movimentos já foram ensaiados nesta direção –
entre 2002 e 2016, as equipes se arriscaram em torneios como Copa
Sul-Minas-Rio, Copa do Nordeste e Liga Rio-SP, apenas para ficar em
alguns exemplos. Na queda de braço, porém, federações estaduais e a
CBF mostram força.
E foi isso que aconteceu no Rio de Janeiro, na primeira metade da
década de 90.
Em 3 de dezembro de 1993, o então diretor de árbitros da Federação
de Futebol do Estado do Rio de Janeiro (FERJ), Wagner Canazaro, se
reuniu na sede da entidade com 70 integrantes do quadro de juízes. A
missão: selar um acordo para acertar resultados do Campeonato
Carioca do ano seguinte.
Mas… A troco de quê?
Naquele momento, os principais clubes do Rio viviam às turras com a
FERJ. Flamengo e Fluminense estudavam a possibilidade de criação de
uma liga independente para alternativa ao Campeonato Carioca de
1994. O Botafogo acenava com a possibilidade de engrossar o
movimento, enquanto o Vasco vivia uma divisão entre seus dirigentes
– o presidente Antônio Soares Calçada admitia a possibilidade no
futuro, mas o vice, Eurico Miranda, não pretendia se afastar de seu
amigo Eduardo Viana, o Caixa d’Água.
Foi neste cenário que a informação da reunião de árbitros chegou aos
ouvidos de Marcos Penido, repórter do jornal O Globo. Com o acordo
na reunião, os árbitros puniriam com mais rigor os atletas de clubes
rebeldes nas partidas do Campeonato Carioca do ano seguinte. Ao
saber do encontro, Penido retornou ansioso à redação e contou a
história ao editor César Seabra.
“Uma fonte confiável me informou sobre o que havia ocorrido nessa
reunião. Levei a história à redação e começamos uma apuração
intensa. Falei com mais árbitros que pediram para não se
identificar, mas confirmaram as informações. Não publicamos nada que
não tivesse sido checado com rigor”, contou Penido em matéria
publicada pelo próprio O Globo em 2015.
A publicação das primeiras matérias a respeito, entretanto, colocou
dirigentes da FERJ contra a parede. Árbitros como Cláudio Cerdeira e
Cláudio Garcia tornaram públicas informações do esquema, e deram
noção do tamanho do problema nos bastidores.
O buraco ficou maior, porém, em 10 de janeiro, quando o também
árbitro Orlando Gomes Leonor depôs ao Tribunal de Justiça Desportiva
(TJD) da FERJ. Leonor foi categórico ao afirmar que, por influência
política de Eduardo Viana, o Itaperuna foi rebaixado no Campeonato
Carioca de 1992. O motivo? Rivalidade entre dirigentes.
Segundo o jornal do Brasil de 11 de janeiro de 1994,
Com Elias Naider na diretoria, o Itaperuna disputou o Carioca de
1992. O clube acabou punido pela escalação irregular de um jogador
em duelo contra o Vasco, e ainda teve uma partida encerrada
previamente por “falta de segurança” – curiosamente, em um jogo no
qual empatava por 1 a 1 com o Americano, time de coração de Caixa
d’Água. Entretanto, meses depois, o próprio TJD teria admitido o
equívoco na punição referente ao jogo contra o Vasco em conversa com
Almiro Mariano Costa, vice-presidente de futebol do Itaperuna.
Passado o rebaixamento ao Grupo B do Campeonato Carioca de 1993, o
grupo comandado por Roberto Sued retornou à diretoria do clube.
A solução: panos
quentes
Nos bastidores
esportivos, temendo que outros estados rompessem com suas federações
estaduais, a CBF entrou em campo e se reuniu com clubes e FERJ. O
encontro entre as três partes sepultou a possibilidade de uma liga
independente, o que manteve Flamengo, Fluminense, Vasco e Botafogo
no Campeonato Carioca de 1994. A pressão, segundo a revista Placar
de fevereiro de 1994 (leia),
chegou ao presidente da FIFA, João Havelange.
De acordo com a
publicação, Havelange e seu genro, Ricardo Teixeira, “tinham
consciência de que o reconhecimento da Liga representaria o
esvaziamento da Federação, uma das que sustentam Teixeira no poder,
além do risco de ver a própria CBF perder no futuro a sua força com
a criação de uma Liga Nacional”.
Se havia alguma
chance para a Liga carioca, ela caiu por terra quando o então
presidente do Flamengo, Luiz Augusto Veloso, foi fotografado em um
restaurante de Buenos Aires ao lado de Wagner Canazaro – o clube
rubro-negro estava na Argentina para disputar a Supercopa. Canazaro
foi afastado das funções e substituído por Aulio Nazareno.
No Campeonato
Carioca, os 57 árbitros que assinaram um manifesto de apoio ao
ex-diretor de arbitragem da FERJ, atuaram normalmente. Campeão em
1992 e 1993, o Vasco ficou com o título também em 1994.
Fonte:
Ulimavisao.com.br
https://www.ultimadivisao.com.br/rio-de-janeiro-1993-o-escandalo-de-arbitragem-que-sepultou-uma-nova-liga/