Platini não é um crítico da arbitragem
mundial, com experiência no assunto - é dele a idéia de aplicar o
cartão vermelho para o último defensor que fizesse falta e a da
proibição de o goleiro pegar com as mãos bola atrasada -, ele defende
a presença de dois auxiliares atrás dos gols como alternativa para
ajudar os árbitros, em detrimento ao uso da tecnologia, como a TV.
Platini conversou com O GLOBO, durante a reunião do Comitê Executivo
da Fifa no Rio, em outubro, antes da polêmica classificação da França
para a Copa de 2010, em que Henry ajeitou a bola com a mão antes do
passe para o gol de Gallas.
Ele falou de arbitragem e de outros
assuntos. Leia abaixo
O mundo mudou sua forma de
jogar futebol em função do dinheiro?
MICHEL PLATINI: Não acho que exista
relação entre dinheiro e futebol.
Como não?
PLATINI: Da essência, a única coisa que
mudou nos últimos 15 anos foram os salários. De resto, um bom jogador
será sempre um bom jogador. Pelé será sempre Pelé. O dinheiro não muda
o jogador, mas a vida dele.
O negócio não se sobrepôs
demais ao esporte?
PLATINI: A popularidade do futebol é o
que atrai o dinheiro. Ela traz a TV e a TV traz o dinheiro. Joguei
numa época em que o futebol era popular no Brasil, na Itália, na
Argentina, na Espanha, mas não era na França. Buscávamos jogar melhor
para levar público aos estádios. Se houve mudança no futebol, foi a
que fez com que brasileiros, argentinos e africanos fossem jogar onde
está o dinheiro.
O senhor fala em "fair play
financeiro", em integridade e justiça. É possível ter controle sobre o
dinheiro no futebol?
PLATINI: A filosofia é boa, mas fácil
não é. No Brasil, é possível porque o dinheiro vem basicamente dos
mesmos setores. Na Europa, há países em que as receitas estão
centralizadas na TV, mas não são todos. Alguns permitem propagandas de
bebida alcoólica, outros não, a fiscalização é diferente. Certo mesmo,
só a idéia de não se gasta mais dinheiro do que se gera. Se você quer
comprar um Porsche ou uma Ferrari, precisa ter dinheiro. No futebol,
pode-se não ter dinheiro e ainda assim comprar os melhores jogadores.
Não é correto.
Suas críticas aos gastos do
Real Madrid na pré-temporada foram de encontro aos elogios de Joseph
Blatter...
PLATINI: Nunca critiquei o
comportamento do Real Madrid. Disse apenas que estava surpreso pelos
valores gastos. Se você tem o dinheiro, não há problema. O problema é
contratar sem tê-lo. Aí entra o fair play financeiro. Noventa e quatro
milhões de euros é demais. Maradona foi negociado por quatro milhões
há 20 anos.
Dá para conceber grandes
torneios sem Manchester United, Real Madrid ou Milan?
PLATINI: Se o futebol está indo mal,
precisamos criar leis para $clubes. Na Europa, alguns proprietários
gastam muito, não querem gastar mais. A tarefa da Uefa é trabalhar
pelos próximos três, quatro anos para restabelecer a normalidade. Não
se trata de não querer o Manchester, esse ou aquele. A busca pela
transparência deve ser objetivo de todos.
Como ex-presidente do Comitê
Organizador da Copa de 1998, o que tem a dizer sobre a construção de
estádios para a Copa de 2014 em locais como Manaus e Cuiabá, onde o
futebol não tem expressão?
PLATINI: É sempre bom investimento. Se
você não tem um time no momento, talvez em 10 $tenha. E, quando este
time estiver pronto, vai se perguntar: por que não construímos um
estádio quando estávamos trabalhando? A construção vai gerar emprego,
renda, mexer com a economia do Brasil. De repente, daqui a 10 anos, o
campeão brasileiro será do Amazonas, mas se tiver onde jogar.
Qual o legado herdado do
Mundial da França?
PLATINI: Construímos o Stade de France,
outros foram renovados. Pretendemos erguer novos, caso sejamos a sede
da Eurocopa de 2016. A construção do Stade de France deixou a cidade
melhor. O entorno ganhou avenidas e transporte.
O que trouxe para sua vida de
dirigente as experiências como técnico e jogador?
PLATINI: Meu conhecimento de futebol. O
cartão vermelho para o último defensor que fizesse falta e a proibição
de o goleiro pegar com as mãos bola atrasada foram idéias minhas.
Propus à International Board que puséssemos dois assistentes atrás dos
gols para facilitar o trabalho dos juízes. Sei que, às vezes, o juiz
não consegue ver determinado lance.
A arbitragem no mundo, em
geral, é ruim?
PLATINI: Não acho que seja. É que, na
TV, com várias câmeras e imagem em slow mo$, tudo é fácil. Temos de
ajudar os juízes a tomar decisões corretas.
É contra o uso da tecnologia no
futebol?
PLATINI: Sim. Não tenho certeza de que
a tecnologia facilitaria a vida do juiz. Joguei futebol na Itália e
muitas vezes a TV apontava um pênalti que não existia. Eu fazia isso
(simula um toque no ombro), mas não deslocava o adversário.
O senhor é francês, filho de
italianos, nacionalidades que não costumam baixar a cabeça quando
cruzam com o Brasil. Qual a explicação?
PLATINI: No rúgbi, o melhor $do mundo
são os "All Blacks" (Nova Zelândia), mas eles nunca venceram a França.
É por aí... É difícil explicar por que sempre ganhamos do Brasil.
Talvez pela grande motivação que este confronto nos dá. Assim como é
difícil a França ganhar da Alemanha. São diferenças de sistemas de
jogo, de talento.
Zidane é o meio termo entre a
geração de Platini e a de Kaká e Messi?
PLATINI: Se voltarmos no tempo, veremos
que há grandes jogadores em todas as gerações. Di Stéfano, Puskas,
Pelé, Cruyff, Beckenbauer, Bob Charlton, Maradona, Baggio, Van Basten,
Ronaldo, Ronaldinho, Zidane. Uma questão estúpida é querer saber quem
foi melhor: Pelé ou Zico, Platini ou Zidane, Maradona ou Pelé. Ninguém
pergunta quem canta melhor, se Beatles ou Rolling Stones, Gilberto Gil
ou Édith Piaf. Isso só existe no futebol.
Sente-se frustrado por não ter
vencido uma Copa?
PLATINI: Não, fiz o meu melhor.
Perdemos duas vezes nas semifinais (1982 e 1986). Costumo dizer que
foi por causa dos juízes (risos).
E o amistoso de 1977, entre
Brasil e França no Rio?
PLATINI: Foi minha única vez no
Maracanã, um 2 a 2. Rivelino estava jogando. Sempre admirei muito os
brasileiros. Rivelino, Zico, Dirceu, Cerezo... Em 1977, tinha 21 anos,
vir ao Brasil e jogar para quase 100 mil pessoas no Maracanã era como
ir à lua. Foi lindo. (o público da partida foi de 83.317 espectadores)
Qual sua expectativa em relação
à Copa de 2010?
PLATINI: Espero uma filosofia de jogo,
de público, uma atmosfera diferente dentro e fora dos estádios. A
expectativa será por uma festa bem típica do país. E que os africanos
joguem como africanos. Torço pelo talento.
O futebol era mais bem jogado
no passado?
PLATINI: A diferença básica é que,
antigamente, jogava-se mais pelo meio. Não existe mais aquele camisa
10. Hoje, os grandes jogadores procuram os lados do campo. No meio há
sempre muita marcação, disputa de bola.
O que Fifa e Uefa podem fazer
para melhorá-lo?
PLATINI: Jogadores e técnicos é que têm
de melhorar o futebol. Temos de organizá-lo e protegê-lo, não dizer
para o Dunga como seu time deve jogar.
Fonte:
Com informações da EFE e do Globo.com
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