As declarações de Catani foram dadas no final de
setembro ao repórter Alexandre Reis, que à época trabalhava para a
rádio CMN (Companhia Mogiana de Notícias), de Ribeirão Preto (319 km
ao norte de São Paulo).
Segundo Reis, houve vários telefonemas, durante
seis dias. Todas as conversas foram gravadas. Reis declarou ter
chegado a Catani após receber a informação de que o ex-juiz estaria
tentando sem sucesso receber do presidente do Botafogo, Laerte
Alves, dinheiro referente à "venda" de resultados em alguns jogos.
Para conseguir a reportagem, Reis se apresentou
com o nome fictício de Luis Augusto Soares, chefe do comitê
eleitoral do grupo de oposição a Laerte Alves.
"Soares" (Reis) disse que estaria interessado
em comprar os cheques. Assim, conseguiu conversar com o ex-juiz.
Catani confirmou à Folha que a voz na fita é dele, mas disse que
"brincou" com Reis. "Percebi logo que era uma armação. Inventei
tudo."
Na fita, Catani diz que Laerte Alves, o diretor
do Botafogo Nelson Giacomini e o juiz de futebol Marcos Fábio
Spironelli participaram do esquema de corrupção. Giacomini não foi encontrado pela Folha. Os
demais negam as acusações.
Na fita, Catani citou Spironelli como um dos juízes "do esquema".
Contou sua participação em dois jogos, XV de Jaú 2 x 2 Botafogo e
Botafogo 2 x 0 Catanduva.
Nesse último jogo, o Catanduva teve dois jogadores expulsos no
primeiro tempo. O time reclamou dos dois gols do Botafogo. No
primeiro, disseram que o pênalti que gerou o gol não existiu. No
segundo, pediram impedimento.
Catani não é mais juiz de futebol. Na fita, diz que deixou o apito
em 1993. Mas, segundo o Departamento de Árbitros da FPF, ele foi
afastado, com outros juízes, em 1988.
Na fita, o ex-juiz implicou também o árbitro Dionísio Roberto
Domingos, mas de outro modo.
Disse que lhe ofereceu participação no "esquema", no jogo contra o
São José, o último do terceiro turno da Série A-2.
Conta que o acordo só não saiu porque Domingos teria pedido além da
cota estabelecida para cada jogo -R$ 2.000,00 para o juiz e R$
1.000,00 para o intermediário (Catani). Domingos nega a acusação.
Na fita, Catani disse possuir três cheques de Alves, todos no valor
de R$ 2.500,00. Dois já teriam sido devolvidos, por falta de fundos.
O terceiro também estaria descoberto.
Ele explica ainda que a dívida de Alves seria de R$ 18 mil (valor
referente a seis jogos). Catani afirma que trabalhou para Alves em
outros jogos, que foram pagos.
À Folha, Catani repetiu várias vezes que não havia nenhuma
declaração verdadeira na fita. Mas, na conversa com Reis, ele
fornece um número de conta do Banco Safra e um número de CPF
(Cadastro de Pessoas Física) como sendo de Alves.
A Folha apurou que os números estão corretos. A chance de Catani ter
acertado esses números por acaso é de dez elevado à potência 18.
Isso significa que, se ele arriscasse um palpite por segundo,
acertaria um palpite em cada 31.688.087.814 anos.
O caso provocou a demissão de Reis e do diretor de esportes da rádio
CMN, Luiz Carlos Briza. Eles decidiram sair depois que a rádio vetou
a divulgação da fita.
A rádio CMN pertence a Eletro Bonini, 83, proprietário da Unaerp
(Universidade de Ribeirão Preto). Quem cuida de seus negócios é a
filha, Elmara Bonini, e o marido, Valdemar Corauci Sobrinho,
deputado federal pelo PFL.
O diretor da rádio é Wilson Toni, conselheiro do Botafogo e
ex-deputado estadual pelo PTB.
Segundo Reis e Briza, houve uma reunião sábado à noite na casa de
Corauci Sobrinho em que os diretores comunicaram a eles o veto à
veiculação da fita.
Corauci nega a existência da reunião e diz que a decisão foi apenas
de Toni, superior hierárquico de Briza e Reis.
OS PERSONAGENS
Wilson Roberto Catani
Ex-juiz, declarou por telefone, ao repórter Alexandre Reis, na época
da rádio CMN, de Ribeirão Preto, a existência de um esquema que, na
Série A-2 do campeonato Paulista deste ano, favoreceu o Botafogo, um
dos times subiu à Série A-1. O telefonema foi gravado. À Folha, ele
afirmou que mentiu ao repórter depois de perceber que as ligções
eram um "armação".
Laerte Alves
Presidente do Botafogo-SP, time que, neste ano, disputou a Série A-2
do Campeonato Paulista e vai disputar a Série A-1 em 1996. De acordo
com a gravação, foram de Alves os cheques entrgues a catani para
pagar a suposta corrupção dos árbitros. À Folha, o presidente do
Botafogo, negou a acusação e disse não conhece Catani.
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Ex-árbitro aspirante à Fifa,
Spironelli nega qualquer suborno e diz que há dois anos
não vê Catani |
Marcos Fábio Spironelli
Juiz de futebol aspirante ao quadro da Fifa. É citado por Catani na
gravação como um dos árbitros que teriam ajudado o Botafogo. Ele
apitou os jogos XV de Jaú 2 X 2 Botafogo e Botafogo 2 X 0 Catanduva,
no terceiro turno. Spironelli nega qualquer suborno e diz que há
dois anos não vê Catani.
Valdemar Corauci Sobrinho
Deputado federal pelo PFL e conselheiro do Botafogo e marido da
proprietária da rádio CMN (Companhia Mogiana de Notícias), onde
trabalhava Alexandre Reis. Ela nega a afirmação do repórter de que
teria participado de uma reunião que decidiu pela suspensão da
transmissão radiofônica da fita. Corauci nega até a existência da
reunião.
Dionísio Roberto Domingos
Juiz de futebol e professor da Escola de Sargentos da Aeronáutica,
em Guaratinguetá. Segundo a fita, ele só não participou do esquema
pró-Botafogo, no jogo contra o Sâo José, na última rodada, porque
pediu mais do que os R$ 2 mil oferecidos. Domingos disse desconhecer
a acusação e nega ter tido algum contato com catani. Ele afirma que
tem pouco contato com os juízes da FPF.
Alexandre Reis
Repórter da rádio CMN que entrevistou Catani. Na conversa se
apresentou como membro do grupo de oposição ao presidente do
Botafogo, Laerte Alves. Fingindo que negociava a compra de cheques
de Alves em poder de Catani, obteve informações sobre o suposto
esquema de suborno de juízes. Qunado a rádio decidiu não veicular a
fita, pediu demissão.
ENTENDA O CASO
DA FITA
QUEM É QUEM
Wilson Roberto Catani
Atividades: comerciante
Ligação com o futebol: Foi bandeirinha e juiz de futebol na década
de 80 até ser afastado em 1988
Laerte Alves
Atividade: fazendeiro e empresário
Ligação com o futebol: É presidente do Botafogo, de Ribeirão Preto.
Está no segundo mandato. Foi reeleito em novembro
OS JUÍZES CITADOS
Marcos Fábio Spironelli
Dionísio Roberto Domingos
João Paulo Araújo
Flávio de Carvalho
O CASO
1 - O jornalista Alexandre Reis, da rádio CMN, de Ribeirão Preto,
conversa várias vezes pelo telefone com o ex-juiz de futebol Wilson
Roberto Catani, entre os dias 22 e 25 de setembro. As conversas
foram gravadas e formam a chamada "fita do suborno".
Nessas conversas, Reis se fez passar pelo fictício Luís Augusto
Soares, bicheiro e membro da oposição ao presidente do Botafogo,
Laerte Alves.
2 - Catani relata um suposto esquema de corrupção de árbitros que
ele teria coordenado, a mando de Alves, para ajudar o Botafogo a
obter o terceiro lugar no Campeonato Paulista da Série A-2, que lhe
valeu o acesso para a série A-1.
3 - Catani faz as revelações enquanto, supostamente, negocia com
"Soares" a venda de três cheques de Alves que ele teria em seu
poder. Catani diz que os cheques foram entregues como pagamento do
suposto esquema de corrupção, mas não foram compensados por falta de
fundos. Catani dá o valor dos três (R$ 2.500 cada), o número de uma
conta bancária de Alves no Banco Safra o número da agência, do
cheque e o CPF de Alves.
4 - Catani diz ainda que no passado fez arranjos para outros clubes,
como Comercial de Ribeirão Preto, União São João, Corinthians, Bangu
e Botafogo-RJ.
TRECHOS DA FITA
"Cheguei a ir cinco vezes a Ribeirão Preto para pegar o meu dinheiro
e ele não me deu atenção."
Wilson Roberto Catani, referindo-se a Laerte Alves, presidente do
Botafogo.
"Eu tenho três cheques de R$ 2.500,00 cada. Do Laerte Alves. Tá
escrito 'Cdor' Laerte Alves. 'Cdor' é comendador."
"Comprovado, eu só tenho R$ 7.500,00, mas ele me deve R$ 18 mil. Eu
tenho tudo anotadinho."
Catani, referindo-se de novo a Alves.
"Esses R$ 18 mil, eu tenho marcadinho no papel as pessoas com quem
tenho que acertar."
"Tenho seis pessoas para mim (sic) acertar."
"O Giacomini queria me pagar R$ 12,5 mil, mas não aceitei. O certo é
R$ 18 mil."
Catani, citando Nelson Giacomini, diretor do Botafogo.
"O Laerte está quebrado. Não tem dinheiro."
"Se vocês me derem R$ 15 mil, eu entrego os cheques."
"A venda que eu faço é dois para lá e um para mim."
Catani, explicando como dividiria o suposto dinheiro do suborno com
os juízes.
"Eu gosto muito do Laerte. Quando eu fui lá, ele me tratou bem. Só
que ele pisou na bola comigo. Eu não merecia isso."
"No último jogo, eu estava lá. Tenho um 1,68 m, bigode e cabelo para
trás."
Calani assistindo à vitória do Botafogo sobre o São José, na última
rodada.
AS PARTES
WILSON ROBERTO CATANI
Sustenta que sabia que estava sendo gravado e que tirou "um sarro"
de Reis. Mas suas explicações mudaram.
1 - Na primeira entrevista à Folha, Catani disse ter "inventado
tudo".
2 - Quando a Folha publicou que os números que ele diz serem da CPF
e da conta bancária de Alves estavam corretos, ele afirmou que
qualquer pessoa poderia ter acesso a eles.
3 - Catani cita na fita que encontrou o ex-juiz de futebol Dulcídio
Wanderley Boschilia na sede do Botafogo, quando estava ajudando
Alves a obter a escalação de um juiz. Catani diz que contou a
Dulcídio que tinha ido pegar uma camisa do Botafogo.
Ao saber da fita, Boschilia confirmou o encontro. Catani passou a
dizer então que todo o espisódio era verdadeiro, menos a ligação com
Alves.
4 - Quando surgiu a foto dele na festa do Botafogo disse que era
montagem. Após a publicação, seu advogado, José Izar, disse que
Catani foi um "intruso".
5 - Questionado sobre a mudança nas explicações de seu cliente, Izar
disse que Catani tem "direito" de fazer isso. "Ele só não pode
mentir em juízo", disse.
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DESPORTIVA
O presidente do Tribunal, o Marco Polo del Nero, disse que vai
esperar o fim do inquérito policial para fazer andar o inquérito no
TJD.
LAERTE ALVES
Sobre o fato de Catani conhecer seus dados bancários, disse que é
uma pessoa conhecida, que emite muitos cheques, e que é fácil obter
tais dados
Sobre a presenção de Catani na festa do Botafogo, disse que não o
viu lá e que não o conhece.
OS JUÍZES
Todos negam conhecer Catani. Todos negam participação em qualquer
esquema de fraude de resultados.