20/04/2005 - Faz 12 anos que os corintianos choram a perda do Paulista
de 1993. “Esquema Parmalat!”, dizem, em referência ao patrocinador que
estampava a camisa do Palmeiras, equipe que ficou com a taça após
vencer o Corinthians por 4 x 0 (3 x 0 no tempo normal e 1 x 0 na
prorrogação), na partida decisiva da final. O Palmeiras era dirigido
por Vanderlei Luxemburgo e tinha um timaço: Roberto Carlos, César
Sampaio, Mazinho, Zinho, Evair, Edmundo… O jogo, como sugere o placar,
foi mesmo um massacre. Mas, 12 anos depois, Placar colheu fortes
indícios de que, além da indiscutível vantagem técnica, o Verdão, para
sair do jejum de títulos, também teve um empurrãozinho da Federação
Paulista Futebol.
Foto: Arquivo PLACAR
Reinaldo ao lado de Ives Mendes (de luvas): em 1993 ele já dava as
cartas em São Paulo
A
versão, sustentada até hoje pelos dirigentes, é que o juiz escolhido
para aquele jogo saiu em um sorteio, envolvendo os árbitros José
Aparecido, Oscar Roberto Godói, João Paulo Araújo e Dionísio Roberto
Domingos. Placar não ouviu Domingos. Mas os outros três foram
categóricos em dizer: Aparecido foi escolhido (supostamente por
Reinaldo Carneiro de Bastos que até este ano comandava a arbitragem em
São Paulo e que está sendo investigado pelo Ministério Público), e não
sorteado pela Federação.
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“Eu cheguei a estar previamente escalado. Mas
fiquei de fora porque nunca tive padrinho dentro da Federação,
nunca me submeti a nenhum tipo de pressão de dirigentes”, disse
João Paulo Araújo, em entrevista gravada à Placar. “Antes do
jogo, falaram coisas para o Aparecido, sobre como ele deveria
atuar no jogo. Eram coisas que ajudariam o Palmeiras”, diz João
Paulo, que é amigo de Aparecido. Segundo ele, o juiz teria sido
orientado a ser “muito rigoroso” com os cartões e marcações de
faltas. Isso, na visão de João Paulo, serviria para ajudar
justamente a equipe mais técnica entre os dois adversários: no
caso, o Palmeiras.
Foto: Arquivo PLACAR
Em 1997, a PLACAR revelava o "esquema Ives
Mendes" |
Aparecido confirma a versão, que lhe pediram mesmo para ser
extremamente rigoroso (um pedido que, curiosamente, não havia sido
feito antes da final, ao longo do campeonato). “Me disseram que era
para apitar como se fosse a última partida da minha vida, que não era
para eu deixar passar nada.” O juiz, porém, nega que isso tenha sido
dito para favorecer o Palmeiras. “Fui escolhido por ter fama de
disciplinador mesmo.”
Escolhido? Mas não foi um sorteio, como divulgou a Federação na época?
“Sim, foi sorteio. Eu mesmo fiz, com o Ilton José da Costa”, diz
Emídio Marques — os ex-árbitros Costa e Marques faziam parte de uma
comissão de “notáveis”, que escolhia os juízes. Usaram bolinhas de
bingo, teve testemunha? “O sorteio foi na papelzinho mesmo”, diz.
Aparecido foi “muito rigoroso” mesmo com o zagueiro Henrique, do
Corinthians, que acabou expulso aos 39 minutos do primeiro tempo. No
lance seguinte, porém, aos 41, o mais polêmico de toda a partida, não
teve o mesmo critério: Edmundo entrou forte no corintiano Paulo Sérgio
na lateral do campo. Carrinho duríssimo. Levou só o amarelo. “É que eu
não vi esse lance de frente. Reparo muito na expressão dos jogadores
antes de marcar alguma coisa. A expressão do Paulo Sérgio não indicou
que foi falta para expulsão. Se eu tivesse visto de frente, teria
expulsado o Edmundo com certeza”, diz Aparecido.
Ele
jura que pressão de dirigente, só recebeu de Ivens Mendes, ex-diretor
de arbitragem da CBF, em 1997, para facilitar a vida dos argentinos na
CBF (esquema desvendado por Placar na época), mas afirmou que esse
tipo de coisa sempre existiu dentro da Federação Paulista. “Juiz
nenhum, em começo de carreira, tem coragem de dar um pênalti contra o
Corinthians no Pacaembu. Se fizer isso, não apita nunca mais.”
Pressão sobre juiz é crime?
A
decisão de 1993 entre Corinthians e Palmeiras voltou à tona por conta
das investigações do Ministério Público e da Polícia Federal.
Convictos de que os dirigentes dos clubes, e sobretudo das federações,
fazem pressão para que juízes protejam algumas equipes, eles tentam
agora transformar “pressão em árbitros” em crime.
Agora, pela primeira vez, o assunto vai ser investigado de forma
oficial. E um dirigente já é suspeito: o vice-presidente da Federação
Paulista, Reinaldo Carneiro Bastos, que atua há mais de 15 anos de
entidade.
O
Ministério Público de São Paulo abriu um Procedimento Criminal
Administrativo (equivalente a um inquérito) para investigar denúncias
de árbitros contra ele. Não são apenas as declarações de Danelon e
Edílson, cujas palavras, agora, têm pouca credibilidade. Outros
árbitros e assistentes forneceram informações segundo as quais Bastos
exerceria pressão sobre a arbitragem antes de algumas partidas,
recomendando que estes “olhassem com carinho” a situação de
determinadas equipes. A partir da semana que vem, estes juízes serão
chamados para confirmar suas acusações em juízo. O árbitro paranaense
Héber Roberto Lopes, citado indiretamente por Gibão em seu depoimento
à CPI dos bingos, também será intimado a depor nesse novo tipo de
inquérito.
“Pressão sobre a arbitragem”, em princípio, não se encaixa em nenhum
crime previsto no nosso Código Penal, mas o MP já o classifica como
violação ao Código do Torcedor. Assim, caso seja indiciado, Bastos e
eventuais outros dirigentes responderiam a, pelo menos, um processo
civil. Muita lama ainda virá pela frente.
A anatomia de um jogo suspeito
http://www.youtube.com/watch?v=oF8oj5_vurI
1- Por que a arbitragem de José Aparecido foi tão contestada?
Confira os lances decisivos da partida:
- 37min do 1º tempo:
Zinho faz 1 x 0 Palmeiras
- 39min do 1º tempo:
Henrique é expulso, após falta em Edílson. Ele leva o segundo amarelo
- 41min do 1º tempo:
Edmundo dá um carrinho perigosíssimo em Paulo Sérgio na lateral do
campo, aos pés do auxiliar Oscar Roberto Godói, e leva só o amarelo
- 16min do 2º tempo:
Ronaldo, que já tinha o amarelo, faz falta em Edmundo fora da área é
expulso. Na confusão, Tonhão, do Palmeiras, leva o vermelho também
- 29min do 2º tempo:
Evair faz 2 x 0
- 38min do 2º tempo:
Edílson faz 3 x 0
- 9min do 1º tempo da prorrogação:
Edmundo é derrubado por Ricardo, e Aparecido dá pênalti. Ezequiel
reclama e leva vermelho. Evair cobra e decide de vez o campeonato.
Foto: Arquivo PLACAR
José Aparecido na polêmica final do Paulista de 1993
2- Por que Aparecido não “deveria ser escalado”?
Aparecido era um dos principais árbitros da FPF desde 1990, quando
apitou a decisão do Brasileiro entre São Paulo x Corinthians. Mas, em
1993, ele vinha de uma arbitragem muito contestada num jogo
“semifinal” entre São Paulo x Corinthians. O resultado, Corinthians 1
x 0 São Paulo (30 de maio), classificou o Corinthians para a decisão.
O gol do Corinthians teria sido feito por Neto em suposto impedimento.
E Aparecido e seus auxiliares anularam um gol legal de Palhinha quando
o jogo estava 0 x 0.
3- Mas por que ele “favoreceu” o Corinthians, que seria “prejudicado”
teoricamente por ele mesmo dias depois contra o Palmeiras?
O que diabos a semifinal São Paulo x Corinthians teria com o Palmeiras
e o suposto Esquema-Parmalat? Aí é que está. Palmeiras e São Paulo
eram os dois grandes times da época. O São Paulo, de Telê. O
Palmeiras, cheio de craques da Parmalat. No ano anterior, o São Paulo
não deixou que o Palmeiras saísse da fila, ganhando o título paulista.
Meses depois, já bicampeão da Libertadores, seria um adversário muito
mais difícil para o Palmeiras que o Corinthians de Adil e Ezequiel. A
teoria é que Aparecido teria feito o serviço: tirou o São Paulo da
parada (já interessado no sucesso do Palmeiras) e completou o trabalho
na decisão contra o Corinthians.
4- Por que poderia ter sido João Paulo o árbitro da final?
João Paulo Araújo era também uma das estrelas da FPF, ao lado de
Aparecido, Dionísio Roberto Domingos e Oscar
Roberto Godói. Contra Araújo, uma arbitragem ruim no jogo Santos 2 x 3
Novorizontino, pela fase semifinal.
5- O que ocorreu com Aparecido depois de 1993?
Gerente de banco, passou a receber até ameaças de morte. Se afastou
por um tempo, mas voltou com tudo anos depois, tornando-se árbitro
Fifa. Ele voltaria às manchetes em 1997, acusando (pela Placar) Ivens
Mendes (então
presidente da Comissão Nacional de Arbitragem) de mandá-lo ajudar a
Argentina, contra a Colômbia, num jogo pelas Eliminatórias. Depois sua
carreira declinou.
6- Por que Reinaldo Carneiro Bastos, da FPF, pode ser considerado o
“novo Ivens Mendes”?
Assim como acusam Reinaldo, Ivens Mendes barganhava apitos amigos para
os times “interessados” em troca de escalas ou geladeiras para os
árbitros. Ele até tinha um time de coração (a Francana era o fiel da
balança) como Reinaldo (torcedor do Taubaté). Quem ajudasse a
Francana, seria “recompensado.”
Fonte:
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Matéria originalmente publicada na Revista PLACAR 1288 de novembro de
2005.
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