O brasileiro que acompanha futebol europeu
certamente já ouviu falar de Massimo Busacca. O árbitro apareceu em
final de Champions League e Copa da Uefa, Eurocopa, Copa das
Confederações e Copa do Mundo. Mas, de repente, o suíço entrou no
noticiário do Brasileirão. Era a ele que a imprensa brasileira se
dirigiu quando quis um posicionamento da Fifa sobre a epidemia de
pênaltis que se alastrou pela Série A nacional. E Busacca respondeu,
contrariando tudo o que a CBF vinha dizendo sobre os critérios de
bola na mão.
O relato do suíço tem força. Afinal, trata-se de
um ex-árbitro de respeito, e chefe do departamento de arbitragem da
Fifa. Uma posição que foi dada a ele justamente porque a entidade
precisava da imagem de um especialista na área. Uma medida
necessária considerando o histórico de uso político do comitê de
arbitragem e até acusações de certas seleções (como o Brasil) seriam
favorecidas em competições internacionais devido ao comando dessa
área dentro da entidade.
Busacca não está sozinho. Outros comandantes de
comissões de arbitragem pelo mundo são ex-apitadores, ainda que
muitos deles sem o mesmo destaque profissional que o suíço tinha. É
o caso de Sérgio Correa na CBF e Carlos Alarcón na Conmebol. Ao
menos na teoria, sabem muito bem o que se passa dentro de campo.
Quais orientações passar para os subalternos e o que fazer para
melhorar o nível das partidas. Contudo, o que se tem visto nos
últimos tempos é um desencontro de informações. Enquanto os árbitros
precisam de uma preparação melhor e de auxílio tecnológico, são
atrapalhados por problemas de comunicação banais. E isso porque eles
sequer têm o poder de mudar as Regras do Jogo, algo historicamente
limitado ao clubinho da International Board.
Quem
controla as regras
O futebol como esporte formal surge a partir de
sua regulamentação, em 1863. As reuniões dos membros de 12 times
ingleses na Taberna Freemasons’, em Londres, foram fundamentais não
só para criar a Football Association, como também para uniformizar
as 17 determinações que ficaram conhecidas como Regras do Jogo. A
partir delas, os clubes do país tinham um padrão para seguir e
poderiam disputar jogos sem maiores divergências.
A expansão do futebol, no entanto, fez com que o
acordo da FA não fosse suficiente para os duelos internacionais.
Escoceses, galeses e irlandeses tinham suas próprias adaptações às
regras, influenciados também por outras vertentes – como a de
Sheffield, a mais conhecida delas, criada em 1857. A partir do
surgimento do British Home Championship, em 1883, os dirigentes das
nações britânicas se reuniram para unificar o jogo e tornar viável o
torneio entre seleções. Já em 1886, com um membro de cada uma das
quatro federações, a International Football Association Board foi
formalizada para cuidar apenas das regras do futebol.
A Fifa foi fundada apenas em 1904 e, nove anos
depois, admitida na International Board. Desde 1958, o sistema de
votação nos encontros anuais da entidade foi uniformizado. Cada uma
das quatro federações britânicas (a essa altura, contando a Irlanda
do Norte, pois a Irlanda saiu do Reino Unido em 1922) possui um
voto, enquanto a Fifa conta com quatro. Para se alterar uma regra,
são necessárias seis posições favoráveis.
Em compensação, a Fifa também conta com outros
mecanismos para controlar a arbitragem. O Comitê de Arbitragem é a
ligação direta com a International Board, com a responsabilidade de
implementar e interpretar as regras, além de propor as modificações.
O organismo também deve nomear árbitros e auxiliares para os
torneios oficiais da Fifa. Já o Departamento de Arbitragem é o
encarregado de instruir os homens do apito – e é ele quem está
envolvido nas últimas polêmicas sobre as decisões dos brasileiros
quanto aos toques de mão.
No Brasil, o órgão máximo é a Comissão Nacional
de Árbitros de Futebol, a Conaf, ligada à CBF e presidida por Sérgio
Correa. A principal representante da classe é a Associação Nacional
dos Árbitros de Futebol. Já nos estados, as responsabilidades
administrativas ficam divididas entre as Comissões Estaduais de
Arbitragem de Futebol.
Mais
política do que méritos
A questão maior sobre o comando da arbitragem é a
restrição ao qual ele está submetido. Embora sejam cargos que
necessitam de conhecimento técnico sobre o assunto, quase sempre
eles são usados para satisfazer as alianças políticas. Um quadro que
se manteve por muito tempo na Fifa, na Conmebol, na CBF e na maioria
das entidades responsáveis por gerir o futebol. Nas duas últimas
décadas, ao menos, o quadro tem se transformado.
Os exemplos de politicagem no comando da
arbitragem são intermináveis. Abílio D’Almeida, ex-presidente da CBD
e um dos parceiros políticos de João Havelange, esteve entre os
principais responsáveis pelos árbitros na Fifa e, de 1986 a 2003,
foi a autoridade máxima do assunto na Conmebol. Ricardo Teixeira e
Ángel María Villar, presidentes de federações, controlaram o Comitê
de Arbitragem da Fifa durante boa parte da última década. Já no
Brasil, talvez o nome mais notável que foi alçado por pura
conveniência é o de Ivens Mendes, aliado de Teixeira na sua primeira
candidatura à presidência da CBF.
De qualquer maneira, por mais o número de
ex-árbitros na chefia tenha aumentado, ainda é possível observar uma
influência política nas escolhas. Por exemplo, três dos últimos
quatro presidentes da Conaf tinham ligações com órgãos de segurança.
O exemplo mais claro está na Federação Paulista de Futebol:
comandante dos batalhões que faziam o policiamento dos estádios, o
Coronel Marcos Marinho foi empossado para reestruturar a arbitragem
no Estado em 2005. Apesar da inexperiência na função, o policial tem
seus méritos na administração, algo que não se pode dizer de todos
os seus pares.
Quem é quem
no comando da arbitragem?
Um guia básico para conhecer os principais
comandantes da arbitragem no futebol internacional e nacional
atualmente. Além disso, também listamos os perfis dos últimos cinco
presidentes da Comissão Nacional de Arbitragem da CBF, a Conaf.
Os
principais comandantes da arbitragem internacional
Jim Boyce
(Presidente do Comitê de Arbitragem da Fifa) – O atual
vice-presidente da Fifa foi nomeado para o comitê de arbitragem em
2013, substituindo Ángel María Villar. Ex-jogador de críquete, Boyce
ascendeu como dirigente à frente do Cliftonville, comandando
posteriormente a Federação Norte-Irlandesa de Futebol. O
norte-irlandês é um dos principais entusiastas da introdução da
tecnologia nas competições da Fifa, posição oposta à de Villar.
Massimo
Busacca (Chefe do Departamento de
Arbitragem da Fifa) – O árbitro suíço trabalhou em duas Copas antes
de se aposentar em 2011. Em julho do mesmo ano, foi nomeado pela
Fifa. Reconhecido pelo bom trabalho no apito e por falar cinco
linhas diferentes, assumiu a entidade prometendo aprimorar a
preparação dos árbitros e as diretrizes nas decisões. Foi antecedido
por José María García-Aranda, também ex-árbitro.
Ángel
María Villar (Presidente do Comitê de
Arbitragem da Uefa) – Ex-jogador do Athletic Bilbao, foi fundador da
Associação de Futebolistas Espanhóis e, depois de ascender na
federação basca, assumiu a Real Federação Espanhola de Futebol em
1988. Por influência política, chefiou o Comitê de Arbitragem da
Fifa a partir da década de 2003, tendo Ricardo Teixeira como vice.
Foi substituído por Boyce no cargo. Está à frente dos árbitros da
Uefa desde 2011, assessorado por Pierluigi Collina, Marca Batta e
Hugh Dallas.
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Carlos Alarcón Ríos
(Presidente da Comissão de Arbitragem da Conmebol) – O ex-árbitro
paraguaio passou a participar da Comissão de Arbitragem da Fifa na
década de 1990, sendo observador na função em quatro Copas do Mundo.
Está no cargo máximo da Conmebol desde 2003, após a morte de Abílio
D’Almeida, ex-presidente da CBD. Desde então, se manteve como aliado
de Nicolas Leoz, embora não goze do mesmo prestígio depois que o
paraguaio deixou a presidência da Conmebol.
Os
últimos presidentes da Conaf
Ivens Mendes
(1990-97) – Dirigente da Francana, exerceu o cargo durante a década
de 1980 e foi resgatado por Ricardo Teixeira, após ajudá-lo na
campanha rumo à presidência da CBF. Permaneceu no cargo por sete
anos, após ser pivô de escândalo de manipulação de resultados em
1997. Candidato a deputado, Mendes foi flagrado ligando para
dirigentes, oferecendo benefícios junto aos árbitros em troca de
dinheiro.
Armando Marques
(1997-2005) – O ex-árbitro carioca foi encarregado de comandar a
limpeza da Conaf após o escândalo de Ivens Mendes. Sua gestão foi
marcada por diversas polêmicas, especialmente diante da maior
interferência do STJD nos resultados dentro de campo nas competições
nacionais. Deixou o cargo após a anulação das partidas do Brasileiro
de 2005, acusado de omissão.
Edson Rezende
(2006-08) – O substituto de Armando Marques era ex-árbitro e
delegado aposentado da Polícia Federal. Conduziu uma série de
reformas em cargos e normas da Conaf, introduzindo controles maiores
sobre a preparação e o treinamento dos árbitros. Deixou a
presidência da comissão por questões de saúde.
Sergio Corrêa
(2008-12 e 2014) – Ex-oficial da aeronáutica, foi árbitro do
quadro da CBF na década de 1990. Também presidiu do Sindicato dos
Árbitros do Estado de São Paulo e dirigiu a Escola de Árbitros da
Federação Paulista, além de ser um dos fundadores da Anaf. Durante a
gestão de Edson Rezende, participou da alta cúpula da Conaf,
assumindo a direção da entidade na seqüência. Permaneceu no cargo
até 2012, quando foi demitido por José Maria Marin, após uma série
de erros no Brasileirão – a gota d’água foi o impedimento triplo no
clássico entre Santos e Corinthians. Voltou à presidência em maio
deste ano.
Aristeu Leonardo Tavares
(2012-13) – Tenente-coronel da Polícia Militar, chegou a ser
um dos principais assistentes do futebol brasileiro, participando da
Copa de 2006. Foi nomeado corregedor da arbitragem da CBF quatro
meses antes de ser promovido por José Maria Marin após a demissão de
Sergio Correa. Renunciou ao cargo seis meses depois.
Antônio Pereira da Silva
(2013-14) – O goiano foi árbitro do quadro da Fifa e, a partir de
2006, se tornou instrutor de arbitragem da federação internacional.
Também foi vice-presidente da Anaf antes de ser alçado à presidência
da Conaf, em abril de 2013. Deixou o posto um ano depois, sem
satisfazer a CBF, remanejado ao comando da Escola Nacional de
Arbitragem.
Comissões Estaduais de Arbitragem de Futebol
Coronel Marcos Cabral Marinho
– Presidente da CEAF paulista – Oficial da reserva da Polícia
Militar, comandou o Segundo Batalhão de Choque da PM/SP, responsável
pela segurança nos estádios paulistas em dias de grandes jogos.
Deixou o posto e 2005, quando foi convidado por Marco Polo Del Nero
para assumir a comissão. Embora Marinho não tivesse experiência com
arbitragem, o dirigente queria alguém sem vínculos para o cargo após
o escândalo do Brasileiro de 2005, encabeçado por Edílson Pereira de
Carvalho. Para tanto, o coronel foi encarregado de conduzir um
trabalho reestruturação e recuperação da credibilidade.
Jorge Fernando Rabello
– Presidente da COAF carioca – Foi árbitro entre as décadas de 1990
e 2000. Chegou a ingressar nos quadros da Fifa, embora tenha sido
acusado de falsificar seus registros para reduzir a idade e
permanecer por mais tempo na entidade. Apesar disso, seguiu no apito
e assumiu a presidência da COAF pouco depois de se aposentar, em
2007.
Luiz Fernando Gomes Moreira
– Presidente da CEAF gaúcha – Dirigente do São José, de Porto
Alegre, foi nomeado para a comissão de arbitragem em 2004, por
Francisco Noveletto. Nas últimas semanas, a delegacia de Caxias do
Sul da entidade foi acusada de cobrar taxas para escalar os
árbitros, algo negado pela federação gaúcha.
José Eugenio
– Presidente da CEAF mineira – Assistente durante as décadas de 1980
e 1990, é o árbitro com mais presenças na história do clássico entre
Atlético e Cruzeiro. Passou a ser instrutor técnico da federação
mineira antes de assumir o cargo, em 2005.
Wilson Paim
– Presidente da CEAF baiana – Foi árbitro do quadro nacional durante
as décadas de 1970 e 1980. Antes de chegar ao cargo na federação,
também presidiu o Sindicado Baiano de Árbitros de Futebol.
Afonso Vitor de Oliveira
– Presidente da CEAF paranaense – Tornou-se árbitro do quadro
estadual nos anos 1970 e chegou a apitar 26 vezes o Atletiba.
Assumiu o comando da Associação dos Árbitros de Futebol do Paraná e
chegou a conciliar o posto com a presidência da comissão de
arbitragem.
Salmo Valentim
– Presidente da CEAF pernambucana – Advogado e economista, foi
árbitro profissional antes de entrar para a comissão estadual de
arbitragem. Deixou o cargo na entidade em 2013, mas voltou a ser
nomeado presidente na última semana. Também é tesoureiro da Anaf.
Fonte: Trivela